Alojamento local: Pedidos de registo em Lisboa duplicam
antes da nova lei
Novos registos mais que duplicaram desde o mês da aprovação
da lei, e com Outubro ainda a meio. Só na passada quinta-feira foram feitos 210
novos registos no concelho. Suspensão de AL também apanha Príncipe Real, Bica e
parte da Graça, mas não chegará ao terreno antes do final do mês.
( …) “O presidente da junta de freguesia de Santa Maria
Maior, Miguel Coelho (PS), defende que os novos registos deveriam ser
imediatamente suspensos, assim que a lei entrasse em vigor. Não sendo possível,
o autarca reiterou ao PÚBLICO o que tem vindo a defender: que se anulem todos
os registos que foram feitos depois da aprovação da lei.” (…)
CRISTIANA FARIA MOREIRA, LUÍS VILLALOBOS e RITA MARQUES
COSTA 21 de Outubro de 2018, 7:00
A nova lei sobre o alojamento local (AL) entra em vigor este
domingo, mas a suspensão dos novos registos que Lisboa quer aplicar a
Alfama/Mouraria/Castelo e à Madragoa e ao Bairro Alto — que afinal apanha
também Príncipe Real, Bica, Chiado, Santa Engrácia e parte da Graça — por
excesso de pressão não terá efeitos práticos antes do final do mês. Isto numa
altura em que se verifica um verdadeiro boom de novos registos na capital.
Desde o mês da aprovação do diploma no Parlamento, em Julho,
os novos registos mais do que duplicaram em comparação com o mesmo período do
ano passado, chegando às 3541 novas unidades com Outubro ainda a meio (uma
subida de 119%). E é precisamente nas freguesias onde estão as áreas de
contenção que se regista o maior número de novos AL. Ao todo, o concelho
concentra agora 16.896 destes alojamentos (equivalente a 21,4% do total do
país).
De acordo com os dados analisados pelo PÚBLICO, o mês de
Outubro foi, nos últimos dois anos, o que teve mais registos deste tipo de
alojamentos para turistas: foram 1297 no concelho — quase o dobro de Setembro
(686), com a semana de 15 a 19 de Outubro a ser a mais concorrida do período
analisado.
Em média, foram registados 145 AL por dia, muito mais do que
a média de 15 por dia registada desde Outubro de 2016. O dia mais concorrido
foi mesmo a passada quinta-feira, com 210 inscrições no portal do Registo
Nacional de Alojamento Local (RNAL).
Aqui podem estar também incluídas unidades que já existiam,
mas que não estavam ainda legalizadas e aproveitam agora a sua última
oportunidade.
As freguesias do centro histórico registaram o maior número
de inscrições: três em cada quatro (75%) foram registados nas freguesias de
Santa Maria Maior, Misericórdia, Estrela, São Vicente e Santo António. Na
freguesia de Santa Maria Maior (onde está Alfama/Mouraria/Castelo), o número de
novos registos mais do que duplicou em Outubro, passando dos 151 em Setembro
para os 382 neste mês que ainda não acabou.
Dentro desta zona, fica por exemplo, o polémico prédio do
antigo vereador do BE, Ricardo Robles, que tinha sido posto à venda para
alojamento local. Caso pretenda agora abrir uma unidade deste tipo, terá de ter
autorização do município.
A suspensão de novos AL por parte da autarquia em duas
grandes zonas da cidade teve por base indicadores de Agosto, mas desde então
houve muito mais registos. E o congelamento das novas licenças nas zonas
identificadas só acontecerá, na melhor das hipóteses, no final do mês.
O mais provável é que a suspensão seja aplicada apenas em
Novembro, uma vez que a oficialização destas duas grandes zonas de contenção,
nas quais qualquer novo AL precisará de autorização expressa do município, terá
ainda de ser votada em reunião de câmara. Isso deverá acontecer na próxima
quinta-feira, e terá de ser ainda apreciada pela assembleia municipal.
"A câmara não pode aprovar nenhuma medida antes de a
lei estar em vigor”, frisou fonte oficial da autarquia ao PÚBLICO. Esta será
uma medida provisória, prevista no diploma, até à entrada em vigor do
regulamento municipal necessário, e que deverá ser apresentado apenas no
próximo ano. De acordo com a lei, as áreas de contenção têm de ser reavaliadas,
no mínimo, de dois em dois anos.
O presidente da junta de freguesia de Santa Maria Maior,
Miguel Coelho (PS), defende que os novos registos deveriam ser imediatamente
suspensos, assim que a lei entrasse em vigor. Não sendo possível, o autarca
reiterou ao PÚBLICO o que tem vindo a defender: que se anulem todos os registos
que foram feitos depois da aprovação da lei.
Na freguesia da Estrela, onde pertence a Madragoa, o
presidente da junta queixa-se também do impacto que o AL tem provocado nos seus
bairros. “Em determinados territórios, descaracterizou o próprio bairro e a
vida comunitária tradicional”, nota Luís Newton (PSD). O autarca teme que a
suspensão de novos registos acabe por pressionar outras áreas, fora das zonas
de contenção, onde se começam já a notar os mesmos problemas.
Além das duas grandes zonas já anunciadas, a autarquia
identificou ainda outras cinco áreas que ficarão sob vigilância: Baixa /Eixos
Av. Liberdade /Av.República /Av.Alm.Reis, Graça, Colina de Santana, Ajuda e
Lapa/Estrela.
Dada a "corrida ao ouro" dos últimos meses, como
lhe chamou, Luís Newton acredita que será novamente necessário “reajustar a
distribuição que estava inicialmente prevista à realidade”.
Empresas na corrida
No concelho, o número de registos feitos por empresas já
tinha ultrapassado, ocasionalmente, aqueles realizados pelos particulares
(empresários em nome individual). Mas, em Julho de 2018, esse valor foi o maior
dos últimos dois anos — mais 149. Entre as freguesias do centro histórico, só
em São Vicente e na Misericórdia é que há mais registos de proprietários em
nome individual do que empresas.
Consultando o RNAL, a Hostmaker, que gere alojamentos locais
em cidades como Londres, Roma ou Barcelona, é a empresa que mais registos fez
nos últimos quatro meses (74) - mais de metade dos que gere na totalidade. A
Hostmaker entrou no país no início do ano e, desde então, tem tido “muita
procura de muitos proprietários” que a querem a tomar conta dos AL, diz ao
PÚBLICO Inês Nobre, directora-geral da empresa em Portugal.
A responsável não atribui este crescimento do número de
registos à entrada em vigor das novas regras. “Muitos dos registos que foram
feitos nos últimos tempos são, na verdade, contratos assinados há mais tempo e
as casas estavam em obras ou ainda em projecto de design”, explicou. Ainda
assim, admite, “alguma parte” dos registos feitos durante o mês de Outubro
“há-de estar relacionada com esta situação”.
Antecipação de registos
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Em Lisboa, já há quem antecipe os registos dos seus
alojamentos em mais de um ano. No concelho, registaram-se, entre a aprovação da
nova lei e 19 de Outubro, 114 novos registos que só abrem ao público no segundo
semestre de 2019 — o mais antecipado só abrirá a 10 de Julho de 2021. Ao
PÚBLICO, um proprietário de vários AL na cidade, e que não se quis identificar,
fez, desde Julho, oito registos. Um deles apenas prevê a abertura do
estabelecimento para Janeiro de 2021, sendo que o proprietário nem tem ainda a
certeza de que vá realmente usar o imóvel para esse fim. Ao PÚBLICO, disse
apenas que quis assegurar a oportunidade de ter uma licença na mão por causa da
suspensão.
No caso dos registos de AL que só abrem no próximo ano, são,
no total, 290, sendo que 120 foram registados esta semana. Por comparação, no
mesmo período do ano passado, tinham sido feitos 19 registos que só abriram
portas no segundo semestre deste ano e 36 cuja abertura estava prevista a
partir do início de 2018.
Por outro lado, entre Julho e meados de Outubro de 2018
houve 290 casos em 3541 em que a data do registo é posterior à abertura. Ou
seja, alojamentos locais que já estavam em funcionamento, mas só fizeram o
registo depois. Estavam abertos, em média, 68 dias antes do registo. Entre
Julho e meados de Outubro de 2017, houve 158 casos em 952 (17%) deste género —
passavam, em média, 245 dias entre a abertura e o registo.
Registos imobilizados
A suspensão de novos alojamentos locais nas áreas
determinadas acaba por afectar também quem já detém uma destas unidades nas
zonas em causa. De acordo com a lei, o número de registo de AL, nas modalidades
de apartamento e moradia, é “pessoal e intransmissível” nas áreas de contenção.
Ou seja, se o imóvel em causa for vendido, o registo caduca. O mesmo acontece
no caso de “cessação de exploração, arrendamento ou outra forma de alteração da
titularidade de exploração” e, se o proprietário for uma entidade colectiva,
houver a transmissão de mais de 50% do capital social. A excepção existe, ligada
à transmissão por morte do proprietário.
Para Joana Ribeiro Pereira, sócia da sociedade de advogados
SPS que tem analisado este tema, “os AL já instalados e registados ao abrigo da
actual lei só ficam protegidos das quotas enquanto se mantiver a titularidade
dos respectivos registos”. Com este regime, explica, “em caso de venda de um AL
já instalado e registado nas ‘zonas de contenção’, o novo proprietário, se
quiser manter a afectação do imóvel a AL, tem que proceder a um novo registo,
sujeitando-se, aí sim, às quotas vigentes a cada momento. Desta forma, um
imóvel que estava do lado de «fora» das quotas passa a estar do lado de
«dentro»".
À margem desta iniciativa, que poderá ajudar a fazer baixar
o número de AL nas zonas de contenção, ficaram os estabelecimentos de
hospedagem (763 entre as duas grandes áreas identificadas). “Parece-nos que o
legislador não quis introduzir esse princípio de forte limitação aos
estabelecimentos que envolveram no passado um nível de investimento na
instalação/afectação muito elevado”, diz Joana Ribeiro Pereira.
Mesmo sem os estabelecimentos de hospedagem, a medida tem
bastante expressão, já que, de acordo com os dados da CML (de 21 de Agosto),
estavam identificados 5314 AL abrangidos por esta disposição legal nas duas
grandes zonas de contenção seleccionadas pela autarquia, dos quais apenas 39
são moradias. Este universo corresponde a 43% do total de AL em apartamentos e
moradias registados na capital.
“Com a proibição de transmissão do registo, que abrange
também os AL já instalados numa época com pouca regulamentação, o legislador dá
controlo efectivo aos municípios para regularem a actividade no futuro”,
sublinha diz Joana Ribeiro Pereira. com João Pedro Pincha
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