A ALEP manda em Medina e determina a política da Habitação
em Portugal.
Esta segunda entrevista que ilustra o poder do ‘Lobby’ do
Alojamento Local é concedida ao DN, no dia em que ficámos a saber que Hugo
Pires, o substituto de Helena Roseta,
detém empresas que se dedicam ao alojamento turístico
(…) “O novo ministro da Economia é casado com a presidente
executiva da Associação da Hotelaria Portuguesa, que faz lobbi pelo setor. Tem
receio de algum favorecimento aos hotéis?
( Eduardo Miranda ) Começo pela questão do ministro. Não
vejo isso como um problema, mal de nós se tivéssemos um ministro a favorecer a
mulher.”
OVOODOCORVO
Alojamento local. “As propostas da esquerda encaixaram
perfeitamente nos interesses da hotelaria” /premium
23 Outubro 2018293
Nuno Vinha
Sabendo ou não, o BE, o PCP e até o PS alinharam pela
cartilha do lobby hoteleiro. A lei ficou pior e entrega poder discricionário às
câmaras, diz o Presidente da Associação de Alojamento Local.
“Politizada”,
“superficial”,“feita à pressa”, ineficaz em alguns aspetos, enviesada desde o
início. Eduardo Miranda, o presidente da Associação de Alojamento Local de
Portugal (ALEP) não poupa nas palavras para descrever a nova lei do alojamento
local, que entrou em vigor no domingo. É certo que aponta elementos positivos —
sobretudo o facto de ter deixado de fora alguns dos aspetos mais radicais que
constavam nas propostas iniciais do Bloco de Esquerda, do PCP, do PS, mas
também do CDS — mas isso não afasta o receio de que se está a perder uma
oportunidade de ouro. Isto porque o país que tiver uma boa lei do alojamento
local e souber gerir bem o processo “terá uma vantagem estratégica única“, diz.
Em entrevista ao Observador, o responsável da ALEP — um dos
rostos de defesa do alojamento local no país — rejeita que esta atividade seja
“a galinha dos ovos de ouro”, e deixa um aviso: quem anda a vender essa ideia
está a fazer mais pelo alojamento local do que pensa. “Quanto mais atacam o
alojamento local, mais atraem gente. É irracional”. E tem uma posição curiosa
sobre o facto de o ministro da Economia (com a tutela do Turismo) ser casado
com a presidente executiva de uma associação de lobby da hotelaria: não há
qualquer problema. Até pode ser um obstáculo ao setor hoteleiro, por causa de
todo o escrutínio que aí vem. De qualquer forma, diz, é irrelevante: o trabalho
de casa do setor hoteleiro já foi feito e a nova lei, em alguma medida, já
serve os seus interesses.
Como está o mercado do alojamento local, ainda sem sentirmos
os efeitos da nova lei?
O alojamento local a nível nacional, fora deste contexto de
Lisboa, está a crescer de forma gradual, de forma sustentada, mostrando que é
uma opção de diversidade fundamental para o turismo. Diz-se que “é uma moda e
quando passar volta tudo aos hotéis”, mas não é isso. É mesmo uma tendência e
uma tendência mundial muito importante, de outras formas de alojamento que
encaixam com determinado tipo de viagem. Não está a substituir ninguém. Em
certas viagens faz mais sentido ficar numa casa, num hostel, num apartamento,
dependendo do grupo. Isto está a revelar-se uma tendência importantíssima e uma
oportunidade única para os países que souberem gerir esse novo processo,
integrá-lo nas leis, na sociedade, na fiscalidade.
O argumento chave é que o turismo hoje quer mais versatilidade
na oferta à sua disposição?
Diversidade. O que eles aprenderam é que as pessoas hoje —
ao contrário da visão errada de que hoje é tudo low-cost e que o alojamento
local está associado ao low-cost — há de tudo. Não, pelo contrário: há de tudo.
Como é mais barato e fácil viajar — e isso não é culpa do alojamento local — há
mais gente a viajar. Acima de tudo, as pessoas que já viajavam, viajam mais
vezes. E por razões distintas: com os amigos, com a mulher, os filhos, levam os
avós — que antes não levavam para lado nenhum. Viajar era uma coisa muito
elitista e agora está a tornar-se numa coisa mais comum. No momento em que há
diversas motivações para viajar, também há diversos tipo de acomodação que se
encaixam com aquele perfil de viagem. Se vou reunir a família que vive em
vários países, eu quero é que a família fique junta. E aí faz todo o sentido
estar numa casa única, num apartamento onde vamos reproduzir aquilo que era a
vida em família. Se vou com a mulher numa viagem romântica se calhar quero ter
serviços num hotel 5 estrelas. Se vou com um grupo grande de amigos, vou para
um resort. Com crianças pequenas vou para um apartamento.
Com um hotel o que varia é mais ou menos luxo, continua a
ser o mesmo tipo de oferta…
É sempre baseado numa unidade quarto. Num espaço partilhado
com todos os outros. Tem o seu papel, foi fundamental para a expansão do
turismo. Vai continuar a ter o seu papel. Não é substituto: eu utilizo hotéis
como utilizo alojamento local. Essa lógica de que um é contrário do outro ou
que são públicos que não co-existem… às vezes há a ideia de que o alojamento
local está a tirar as pessoas das cavernas, de África ou do outback da
Austrália, para trazê-las pela primeira vez aqui. Isso é ridículo. Alguns dos
alojamentos mais caros do país são de alojamento local. O triângulo dourado no
Algarve — aquelas casas de 10 a 15 mil euros por semana — são alojamento local.
Em Lisboa há casas de luxo a receber quem quer estar em conforto, em ambiente
familiar, em alojamento local.
"Às vezes há a ideia de que o alojamento local está a
tirar as pessoas das cavernas, de África ou do outback da Austrália, para
trazê-las pela primeira vez aqui. Isso é ridículo. Alguns dos alojamentos mais
caros do país são de alojamento local"
A ideia que a ALEP quer combater é a de que o alojamento
local não é só low cost.
E que não é uma moda passageira. Apesar de haver sempre um
efeito manada, em que se diz “isto deve estar a dar”. Mas assim, quanto mais
atacam o alojamento local, mais atraem gente para o alojamento local. O que é
irracional. Acima de tudo: o AL é algo para ficar. Tem um peso importante: em
Lisboa está a bater quase nos 40% das dormidas. Não da oferta. Eu não me
importo muito com o indicador oferta, porque posso ter um alojamento local e
nunca receber ninguém. É a diferença de um hotel para um alojamento local, onde
posso fazer isto só uma ou duas vezes por semana, num período por ano e acabou.
O que me interessa é qual é a opção dos viajantes: pela taxa turística sabemos
que o alojamento local está já a chegar aos 40%, se não tiver ultrapassado…
Isto principalmente em Lisboa?
No Porto a mesmíssima coisa. E a nível nacional já podemos
situar em perto de um terço das dormidas em alojamento local. Isso já é
estruturante, já é um pilar do turismo. E o país que souber gerir bem isto terá
uma vantagem estratégica única, porque lá fora estão ainda a tentar ver como
reagir. E a reagir, aliás, muito emocionalmente, como está a acontecer aqui,
recentemente, em Lisboa: a querer logo proibir, suspender, sem ver como se pode
aproveitar o potencial do alojamento local e minimizando qualquer efeito
negativo.
Eduardo Miranda diz que o alojamento local já representa um
terço de todas as dormidas turísticas em Portugal.
Lei feita à pressa, superficial e politizada
Os passos que foram dados — as novas regras entraram em
vigor no domingo — têm pouco suporte em estudos. Quando a ALEP foi ouvida sobre
as novas regras, explicaram-vos o racional por detrás de algumas destas regras?
Acho que no decorrer de todo o processo perdeu-se parte do
que era o objetivo: encontrar uma coisa equilibrada e técnica. Porque o
processo ganhou uma mediatização e uma instrumentalização política muito
grandes. Inicialmente era um processo em que a tutela, o Governo, disse “ok,
quero fazer ajustes” inclusive na própria questão da sustentabilidade dos
grandes centros e dos bairros históricos. Isso estava nessa conversa.
Inicialmente. Porque depois isso foi tudo atropelado, pelas eleições
autárquicas e pela proposta parlamentar, que gerou uma reação em cadeia. Tudo
isso criou uma perceção pública errada e tornou-se numa discussão eleitoral num
momento muito quente. Radicalizou-se o discurso, o que depois dificultou a
conversa.
Mas foram ouvidos sobre o assunto?
Fomos ouvidos? Sim, a comissão ouviu não sei quantas dezenas
de pessoas. Mas nesse processo típico de audição ouvem-se muitas opiniões, a
favor e contra, mas como está tudo radicalizado, as pessoas chegam lá com
ideias contrárias. Agora, se formos ver em todas as audições as propostas concretas para resolver os
problemas, são muito poucas. Nós fomos dos poucos que apresentámos propostas
concretas.
E os decisores incluíram as vossas propostas na nova lei?
Não. No final, foi tudo decidido em duas semanas. Ouviram,
ouviram e ouviram, mas aquilo que é importante — transformar as propostas
radicais em ideias equilibradas — foi decidido em duas semanas, à pressa, por
causa das férias judiciais, para estar fechado a 18 de julho. E por questões de
compromissos políticos do segundo semestre, para poder anunciar determinadas
medidas. E o que houve? Precipitação. Havia medidas que nós até entendíamos.
Dê-nos um exemplo.
A questão do centro histórico e das zonas em que há uma
concentração maior: nós entendemos medidas que permitissem gerir e equilibrar
estas zonas. Zonas em que o alojamento local foi fundamental para a
reabilitação. Algumas eram zonas mortas, abandonadas, nas quais se não fosse o
alojamento local não haveria atratividade e ninguém estaria a falar nelas agora
para outros usos, mesmo de habitação. Mas entendemos que, a partir de certo
momento, também não queremos uma monofuncionalidade, não queremos que seja só
turismo. E não é um problema só do alojamento local, mas sim também da
hotelaria. Todos nós temos de entender que a certo momento é preciso abrir
espaço para que entre habitação e as políticas de habitação. A questão era:
como iria ser feito.
"No final, foi tudo decidido em duas semanas. Ouviram,
ouviram e ouviram, mas aquilo que é importante — transformar as propostas
radicais em ideias equilibradas — foi decidido em duas semanas, à pressa, por
causa das férias judiciais, para estar fechado a 18 de julho."
E como é que foi feito?
De uma forma muito politizada, muito superficial, até sem
conhecimento técnico básico, básico sobre as reações dos agentes económicos
quando são pressionados para um ambiente de incerteza. É o que está a acontecer
em Lisboa. Os agentes económicos agem irracionalmente, como é o caso dessa
corrida aos registos [no portal do alojamento] que está a acontecer só em
Lisboa, é um efeito típico desse erro.
Era previsível o que aconteceu?
Nós alertamos de forma muito clara para a forma como estavam
a ser transmitidas algumas dessas medidas — sem nunca pôr em causa a
necessidade de criar um equilíbrio em certas zonas. A forma como o alojamento
local, por um lado, estava a ser atacado e, por outro, vendido como ‘a galinha
dos ovos de ouro’, obviamente, iria criar um resultado contra-producente, um
efeito contrário. Uma das medidas que mais criticámos foi a possibilidade de
suspensão preventiva — sem grandes explicações, sem grande fundamento — até que
o regulamento seja colocado em prática. Até entendemos a questão: vamos evitar
uma especulação. Mas essas medidas mais extremas, sem grande fundamentação,
ainda para mais se forem mal geridas em termos de comunicação, causam um efeito
contrário. Causam uma corrida ao registo. Foi o que aconteceu em Lisboa.
Câmara comunica através de fugas de informação
Nas últimas semanas, o número de registos no portal do
alojamento local só para Lisboa aumentou em 1.300. No país inteiro vamos em
cerca de 77 mil registos.
Era fácil de perceber [que isso ia acontecer], para quem
perceba de economia. Primeiro, saímos na imprensa a vender uma galinha dos ovos
de ouro e a dizer que o alojamento local está a comer habitação que nunca
existiu nos centros históricos. A habitação aí só caía, mas por alguma razão
agora o culpado é o alojamento local. E é uma galinha dos ovos de ouro, o que
cria falsas expectativas e atraindo gente de forma quase enganosa. Temos de
fazer contas à propaganda e dizer às pessoas: “atenção que isso não dá tanto”.
Depois começa-se a exigir a suspensão imediata cega. E depois vem na própria
lei essa possibilidade de suspensão cega. Resta saber como a Câmara vai fazer
essa suspensão. Lisboa, que foi a primeira, acabou por não conseguir lidar bem
com esse processo. Porquê? Porque não passou uma ideia clara. Sempre dissemos
que tudo isto teria de ser feito com regras claras e transparentes. É
preferível esperar, fazer um bom regulamento e então anunciar em vez de ir
fazendo ameaças de suspensão e deixar os rumores tomarem conta do mercado. Foi
o que aconteceu.
Rumores?
As próprias zonas: começa-se com anúncios de um bairro
específico, e as pessoas até entendem. E o tema gera só algumas questões
pontuais, mas depois logo a seguir amplia-se: já não é só Castelo, Alfama e
Mouraria, já entra Bairro Alto e Madragoa. Depois quando é anunciado — por fuga
de informação, nunca oficialmente — afinal Bairro Alto não é só Bairro Alto, é
tudo. É Chiado, é Bica. Alfama não é só Alfama. Isso cria uma desconfiança. E
depois surgem os presidentes da Junta de Freguesia a dizer que também querem
uma suspensão nesta zona e naquela.
A que se deve essa forma de comunicar da Câmara? É para
influenciar o mercado sem, sequer, chegar a aplicar qualquer regra?
Essa ameaça resulta é numa corrida irracional e emotiva (aos
registos), que não interessa a ninguém. Até nós perdemos o controlo. Veja estes
mais de 1.000 registos feitos desde o dia 11 de outubro quando foi mal
anunciado, quando houve uma fuga de informação: é impossível achar que alguém
rescindiu um contrato em cinco ou seis dias. Isso não aconteceu. Há uma mistura
de vários fatores: alguns ilegais nessas zonas aproveitaram a última
oportunidade; muitos outros que tinham em vista ou estavam em final de obra,
anteciparam o registo. E depois houve toda uma outra escalada irracional de
gente a registar-se: muitos residentes. Pessoas que vivem na casa que agora
registaram, portanto que em nada afetam a habitação. E nunca faria sentido ter
um regulamento a proibir o registo destes residentes.
Ainda assim, foram a correr registar-se.
A forma como a informação foi passada — em que ninguém sabe
muito bem quais são as zonas, já que estas vão mudando, em que ninguém sabe
quais são as regras, se vai ser proibido ou não. Então, à cautela — como não
custa nada — e sem sequer estarem a pensar de imediato em alojamento local,
‘vamos lá registar’. Isto aumenta a pressão e cria um círculo vicioso. Pior:
criou-se outra vez uma campanha que já tínhamos ultrapassado, que colocava o
alojamento local como o culpado de tudo. Isso é péssimo para o turismo. Vai virar-se
contra o turismo e a hotelaria.
"Criou-se outra vez uma campanha que já tínhamos
ultrapassado, que colocava o alojamento local como o culpado de tudo"
Por falar em alojamento local, turismo e hotelaria, o que
representa o alojamento local para o turismo em Portugal? Qual é, hoje, o seu
impacto?
Um terço de tudo o que é o contributo dos turistas que vêm
para cá. Não há cálculos precisos devido à forma como a estatística é feita
hoje pelo INE. O INE e a Eurostat, em geral, nunca pensaram que o alojamento
local ia tornar-se em algo relevante. Por isso só contabilizam os alojamentos
locais com dez camas ou mais. O que quer dizer que 90% do alojamento local não
está incluído nas estatísticas. Os dados oficiais do alojamento local podem ser
multiplicados 4 ou 5 vezes, facilmente, em dormidas. O INE fala em 14% das
dormidas e nós sabemos que vai quase aos 40% e, em algumas zonas, até
ultrapassa isso. Há uma importância do AL que ainda não está estatisticamente
reconhecida. Depois sabemos que em Lisboa e arredores são 10 mil empregos
diretos e indiretos, quase mil milhões de impacto na economia. Estamos a falar
de mais de 30 mil famílias que dependem disso. Não é brincadeira.
Mais razões para garantir que o processo é bem gerido.
É absolutamente fundamental que Lisboa retome as rédeas da
comunicação, expondo explicitamente quais são as regras e já antecipar um pouco
o que será o regulamento. Porque está a passar uma mensagem errada, a de que a
suspensão do AL é uma solução. Quando por lei a suspensão é temporária e só até
ao momento do regulamento. O regulamento dá hipótese de integrar o AL de forma
equilibrada em todas as questões da cidade.
Quem é que deveria estar a liderar o tema do regulamento na
CML, no entender da ALEP?
Isto foi passado para
o Urbanismo [vereador Manuel Salgado] e essa é uma das questões: isto deveria
estar ao mais alto nível na Câmara. O presidente da Câmara, Fernando Medina,
sempre mostrou equilíbrio e bom-senso, porque é preciso ver isto como um todo:
os interesses da cidade. Ninguém está a pôr em causa a importância da
habitação, nem o crescimento. Mas é preciso ver o todo e não tratar isto como
uma questão meramente técnica. É preciso integrar isto na estratégia da cidade.
É preciso critérios e objetivos claros, senão é a confusão no mercado. Tenho de
explicar por que razão estou a fazer isto, quem vai fazer. Não posso dar margem
à especulação. Se não fizer este regulamento bem feito vou criar este efeito de
pânico generalizado.
"Isto foi passado
para o Urbanismo [vereador Manuel Salgado] e essa é uma das questões:
isto deveria estar ao mais alto nível na Câmara. O presidente da Câmara,
Fernando Medina, sempre mostrou equilíbrio e bom-senso, porque é preciso ver
isto como um todo: olhar pelos interesses da cidade."
Câmaras têm poder arbitrário nas questões da contenção
Este é o cenário atual, com as regras como existem. Como vê
o futuro do alojamento local, com estas novas regras, dentro de um ano?
Vamos separar duas regras: uma delas é o poder municipal de
restringir o alojamento local. E essa, se for mal aplicada, tem um poder enorme
de criar grandes constrangimentos à atividade. E outra coisa são as regras de
funcionamento que servem para todo o país e que estão a ser pouco discutidas.
Muitas dessas regras vemos como positivas: seguro obrigatório de
responsabilidade civil — desde que não seja uma coisa inviável — todos nós
achamos que é importante; a necessidade de informar os condomínios da atividade
de alojamento local; a obrigatoriedade de ter manuais e dar informação
explícita sobre as regras do condomínio aos hóspedes. Tudo isso é preventivo e
construtivo e ajuda a criar sustentabilidade. Desde que isso não seja pretexto
para criar regras que inviabilizem a atividade, é bem-vindo. Podem até ser
tecnicamente mal-feitas — o seguro foi mal feito, mas vai ser resolvido.
E riscos?
O risco que tem é a arbitrariedade que se deixou para as
câmaras na questão da contenção. Sem indicadores claros, deixou-se para cada
câmara a possibilidade de inventar o que quiser. Claro que a lei diz que tem de
ser fundamentado, mas nós já vimos o que uma fundamentação… ‘eu crio zonas e
faço o que quiser delas’. Depois ninguém entende. Por isso é que é fundamental
Lisboa dar o exemplo. O regulamento [de cada câmara] dá uma margem que nenhum
país conseguiu. Nós somos o único país que tem uma lei nacional [sobre o
alojamento local] e isso permite criar uma regra homogénea para todo o país.
Depois a sua adaptação às zonas de pressão é feita por cada município. Isso
permite a cada município não seguir só a linha da suspensão cega.
Diz que há uma forma cega de lidar com as coisas. Mas há
fiscalização efetiva aos alojamentos locais? Ou há regras rígidas impostas à
cabeça porque as autoridades receiam dificuldades em aplicá-las?
Eu acho que nem é tanto por aí. Na nova lei, o que eu vejo é
que muitas dessas regras que parecem mais emblemáticas são medidas de mensagens
políticas, para parecerem duras. Mas na verdade muitas delas não são
aplicáveis, não têm sentido prático nenhum. Algumas delas só vão criar
confusão. É o tal erro de que quando eu transformo isso numa coisa mediática,
política. E depois é decidida onde? Isto foi decidido numa comissão de
ordenamento do território. Ou seja, [à partida] o alojamento local já era
apenas um problema de habitação. O turismo não estava envolvido… havia um único
membro, do PSD, que era do grupo de trabalho do turismo. Portanto, à partida
foi logo completamente visto de uma forma única e parcial.
Nova lei foi decidida em comissão de ordenamento do
território. "Era parcial logo à partida", diz Eduardo Miranda.
E de que forma é que essa visão influenciou as regras
adotadas?
Exemplos concretos? A situação do limite dos sete
[alojamentos locais por cada proprietário]. Se for olhar o processo, vai
entender perfeitamente. A primeira proposta disso era uma proposta meramente de
acordo político, para receber ali algumas das mensagens políticas mais à
esquerda. Então, o PS coloca uma proibição de limite de sete no país inteiro.
No país inteiro. Isto é discriminatório. Porquê sete? Porquê, se não há pressão
nenhuma, se não há motivo nenhum para impedir, porquê sete? Quer dizer que um
associado meu, num caso prático, que quer recuperar vinte aldeias no interior,
não pode. Porquê? Porque é um capitalista? Porque os sinais de riqueza são
proibidos no país? Ele está a reconstruir casas em aldeias… qual é
racionalidade?
Mas a regra não ficou assim.
Percebendo que isto era uma mensagem política, feita num
acordo, nitidamente um acordo para passar uma mensagem de que estavam a conter
os capitalistas e os grandes, o que é que fizeram? ‘Metem isso dentro da zona
de contenção’. Eu estou a dizer isto porque é público, se for ver as propostas,
estão lá. E isto de um dia para o outro. Estamos a falar de negociações que
acontecem entre o dia 2 ou 3 de julho e o dia 18 de julho. E quase todas
decididas no dia 17, na véspera. É impossível coordenar bem. E meteram isto na
zona de contenção. A proposta era uma mensagem política, mas como não fazia
muito sentido meteram na zona de contenção. Só que neste momento isto é uma
medida inócua, porque se suspender para todos, tanto faz se eu tenho um ou se
tenho sete. Não faz sentido e é difícil de explicar, assim como outras medidas.
Quais?
A placa identificativa obrigatória. É um problema
complicado, até de segurança. Colocar ali a placa é o mesmo que dizer ‘venham
cá, porque aqui há atividades interessantes para assaltos e tudo mais’. Até de
privacidade, para quem faz isso no Algarve e noutras zonas duas ou três semanas
por mês. E depois, as únicas em que não é preciso pôr placas identificativas
são as moradias. Não é preciso. Então, mas porquê? Hostels. Os hostels precisam
de ter uma placa identificativa, mas não pode ser na porta do apartamento, tem
de ser na porta exterior do prédio. Isto foi um potpourrie de medidas, de uma
negociação de mensagens políticas.
Lei do Alojamento Local em Portugal trata todos por igual,
do pequeno ao grande
Mas no entender da ALEP também há aspetos positivos nas
regras, certo?
Primeiro, para não estar só a criticar, já mencionei alguns
pontos que são positivos: seguros, condomínios, a informação aos hóspedes, etc.
E talvez o mais positivo é que se conseguiu mostrar um discurso, a certa
altura, mais equilibrado, que é um grande trunfo a nível nacional. E
evitaram-se as medidas completamente radicais que destruíam o alojamento local.
E nós sabemos a origem dessas medidas todas: a questão de só se poder fazer
alojamento local na residência própria permanente, que nós já vimos o quão
irreal é este tipo de situação. Felizmente, afastaram-se disso. São coisas que
estão a ser usadas numa estratégia de contenção do alojamento local
internacional e que aqui não faziam sentido. Felizmente, aqui não passaram
essas medidas porque somos um dos únicos países — para já, na Europa, o único
que eu conheço — que trata todos, desde o pequenino, ao médio, ao grande, como
profissionais, em termos de obrigações e fiscalidade.
Mas isso é bom.
Aquilo que eu considero, para os nossos associados, é: isto
é desproporcional para os mais pequenos, é verdade. Mas nós estamos aqui para
ajudar. Eu prefiro ter uma carga adicional de trabalhos desde que seja viável,
desde que não signifique matar a atividade, mas que ninguém possa dizer que nós
não estamos a trabalhar dentro da lei, a contribuir em termos fiscais. É o
único país em que se pode dizer que se passou de 100 milhões para 170 milhões
na retribuição direta e indireta do alojamento local. Isto é inédito a nível
internacional. Passamos de 14 mil para 70 e tal mil registos, muitos desses era
atividade que existia em paralelo, ilegais, e que hoje estão na economia
formal. Ou seja, é um esforço enorme. Se existem ainda alguns? Ainda existem,
como em qualquer atividade, mas cada vez menos. Nós hoje somos um exemplo de
como é que se consegue integrar e legalizar uma atividade.
E a hotelaria tradicional? O novo ministro da Economia é
casado a presidente executiva da Associação da Hotelaria Portuguesa, que faz
lobbi pelo setor. Tem receio de algum favorecimento aos hotéis?
Começo pela questão do ministro. Não vejo isso como um
problema, mal de nós se tivéssemos um ministro a favorecer a mulher. Mais, eu
diria que é quase como um obstáculo, porque dificulta, vai ter um escrutínio
muito maior e uma monotorização muito maior. Porquê? Porque todo o lobby, no
sentido da influência — não estamos a falar aqui de nenhuma ilegalidade — todo
o lobby já foi feito antes, já foi feito a todos os níveis. Portanto, o
trabalho de casa [da hotelaria] já foi feito e muito bem feito, em termos de
lobby para contrariar o alojamento local. Isso não está em causa e eu nunca
colocaria essa relação pessoal… acho que até vai criar obstáculos. Agora, a
nossa questão principal é que esse trabalho já foi feito e a visão hoteleira já
está impregnada nos mais diversos setores.
"Mal de nós se tivéssemos um ministro a favorecer a
mulher. Mais, eu diria que é quase como um obstáculo, porque dificulta, vai ter
um escrutínio muito maior e uma monotorização muito maior."
Em que consistiu essa visão hoteleira para o alojamento
local em Portugal?
Esta não é uma questão nacional, é uma questão
internacional. Aliás, podemos começar por aquilo a que chamaram o Plano da
Hotelaria para Combater o Airbnb. Isso é público, não é uma teoria da
conspiração, saiu no New York Times, no Wikileaks. A associação americana de
hotelaria dizia qual era a estratégia, que depois passou para a Europa, onde é
igualzinha e tem os mesmos princípios. É isto que está impregnado nos mais
diversos setores. Qual era a estratégia essencial, a primeira prioridade para
acabar com o alojamento local? Mudança de utilização. Mudar o uso de
‘habitacional’ para ‘comércio’, mudar o uso para ‘turístico’. Esta é a bandeira
número um, porque isto acaba com a atividade do alojamento local. Nós avisamos
sobre isto, na altura, quando havia propostas nesse sentido.
Ou seja, influenciar os decisores para que as regras
obriguem a equiparar uma casa que tem alojamento local a um edifício criado
especificamente para turismo.
Como tem atividade económica, já não é habitação, é uma
atividade turística. Então é preciso obter uma licença turística.
Essa pretensão não passou.
Não passou a nível nacional. Mas a semana passada — em
Lisboa começa a ouvir-se — saiu na semana passada um artigo, outra vez, a dizer
que fontes oficiais da CML estavam a ponderar a mudança do uso no urbanismo,
estavam a pensar mudar o uso para turístico no alojamento local. Isso é matar o
alojamento local. Isso é o que nós chamamos transformar o alojamento local num
alojamento local com perfil hoteleiro, que é só para prédios inteiros e
grandes. Obviamente, eu espero que isso sejam apenas rumores e boatos porque o
próprio presidente da CML, com muito bom senso, disse ‘não quero ir por esse
caminho, porque além de matar um terço da oferta turística, eu ainda estou a
roubar a habitação’.
"Esse dossiê americano identificava muito bem a
questão: ‘aproximem-se de todas as associações e partidos de esquerda que estão
a defender a habitação'. E venderam perfeitamente a ideia. Veja a proposta do
Bloco e algumas do PCP e do PS (...) é interessantíssimo ver que encaixam
exatamente com as propostas de interesse da hotelaria."
Qual é o principal problema prático dessa obrigatoriedade,
caso venha a acontecer?
É que exige autorização sem oposição de todo o condomínio. É
quase impossível de conseguir. E mesmo que se consiga, depois mais tarde o
apartamento não volta à habitação, porque o proprietário vai ter o mesmo
problema da unanimidade. Isso é um tiro no pé gigantesco que só interessa aos…
atenção, quando eu falo da hotelaria, eu estou a falar institucionalmente, das
associações que se defendem, um grupo muito específico de uma hotelaria mais
tradicional. Há grandes hoteleiros com visões bastantes pragmáticas e visões bastante
avançadas. E há grandes hoteleiros que conhecem bem o alojamento local, sabem o
que vale, sabem que não é concorrência. Portanto, é uma coisa muito mais
corporativa e institucional, de um determinado grupo que se sente mais
ameaçado. Mesmo associações, como a do Algarve, não fala nisso.
Quais eram as outras estratégias propostas pela hotelaria?
A outra estratégia era o limite das noites. E uma outra é
colocar os condomínios contra o alojamento local, obrigando à autorização do
condomínio. Agora veja como é engraçado: se olhar para a proposta da Associação
de Hotelaria de Portugal falava justamente disto. Engraçado porque a estratégia
é mundial, não é nacional. É ‘mudança de uso’, ‘limite de noites’ — 60, 90,
tanto faz — e ‘contar com os condóminos’. Foi esta visão — um trabalho muito
bem feito — que conseguiu impregnar-se em todos os setores. Esse dossiê
americano identificava muito bem a questão quando lá estava escrito
‘aproximem-se de todas as associações e partidos de esquerda que estão a
defender a habitação’. E venderam perfeitamente a ideia. Veja a proposta do
Bloco de Esquerda e algumas do PCP e do PS, também na questão dos condomínios,
é interessantíssimo ver que encaixam exatamente com as propostas de interesse
da hotelaria. Como é que se conseguiu conciliar aqui pólos que pareciam tão
opostos? Os partidos de esquerda, o Bloco de Esquerda e o PCP, nas suas
propostas, a defenderem, sabendo ou não, exatamente os pontos que estavam na
proposta da AHP.
Hugo Pires detém empresas que se dedicam ao alojamento
turístico
Habitação. Novo coordenador do PS tem empresas no setor
imobiliário
Deputado Hugo Pires, que substitui Helena Roseta, tem 50% de
uma imobiliária e é proprietário e gerente de uma empresa de arquitetura,
engenharia e construção que declara, entre as suas atividades, o alojamento
turístico
Susete Francisco
24 Outubro 2018 — 17:31
"Aproveitando o amplo conhecimento em torno do mercado
imobiliário a CRIAT potencia o valor do património arquitetónico através da
conversão de imóveis devolutos em alojamentos turísticos".
Este é um dos 'cartões de visita' que pode ler-se no site da
CRIAT, empresa de Braga que trabalha no setor da "Arquitetura, Engenharia
e Construção" - e que é detida a 100% e gerida pelo deputado socialista
Hugo Pires, o nome escolhido pelo PS para dirigir o grupo parlamentar de
trabalho sobre habitação, em substituição de Helena Roseta, que na terça-feira
bateu com a porta - e foi entretanto afastada do grupo de trabalho.
Os dados constam da declaração de interesses do deputado,
entregue na Assembleia da República no início da legislatura. De acordo com o
documento, Hugo Pires é titular da totalidade do capital social da CRIAT e foi
sócio-gerente da empresa entre 2014 e 2015, sendo então remunerado. Segundo o
mesmo registo, o deputado é agora gerente não remunerado, situação que teve
início a 1 de abril deste ano. A rubrica relativa ao fim desta atividade está
em branco.
O parlamentar socialista é igualmente detentor de 50% do
capital social de uma outra empresa, a CRIAT Imobiliária, com sede em Amares e
especializada em "investimentos Imobiliários".
Arrendamento e alojamento para turistas
Constituída em agosto de 2015, esta segunda empresa foi
registada, na classificação por atividades económicas, tendo por objeto a
compra e venda de bens imobiliários, a promoção imobiliária, o arrendamento de
bens imobiliários e o alojamento mobilado para turistas, de acordo com o
registo da empresa consultado pelo DN.
Ao DN, o deputado admite que é este o registo das atividades
económicas, mas acrescenta que a empresa nunca se dedicou nem ao arrendamento,
nem ao alojamento turístico. "Algumas delas não as exerço nem está no meu
horizonte profissional exercê-las", afirma o parlamentar.
"Tenho participações sociais em empresas dessa área,
mas julgo que não há incompatibilidade. A atividade imobiliária não é sobre o
arrendamento de casas, não atuo nessa área", refere Hugo Pires, que
admite, no entanto, pedir uma clarificação. "Solicitarei um parecer para
ver se há ou não incompatibilidade. Não quero que haja aqui alguma
confusão", remata.
Já quanto à CRIAT Unipessoal, Lda, o registo que consta do
Portal da Justiça especifica que a empresa tem como fim a "prestação de
serviços de arquitetura e consultoria no âmbito da reabilitação urbana,
planeamento e ordenamento do território e a elaboração de projetos de
arquitetura e de especialidades, urbanismo e planeamento, e o controle,
administração, gestão e execução de obras e respetivo licenciamento e
construção civil".
O site da empresa é mais pormenorizado. "A CRIAT
conjuga prospeção imobiliária, análise da viabilidade de investimento,
reabilitação e apoio a financiamento para que lhe seja mais fácil encontrar a
casa à sua medida ou o projeto de investimento mais rentável", lê-se no
site, que diz também potenciar "o valor do património arquitetónico
português através da conversão de imóveis devolutos em alojamentos turísticos,
explorando-os e dando-os a conhecer a quem quiser viver um pouco mais da nossa
cultura".
Um nome para substituir Helena Roseta
O grupo parlamentar de trabalho sobre habitação foi
coordenado, até este terça-feira, pela deputada independente pelo PS Helena
Roseta, que se demitiu das funções em divergência com o novo pedido de
adiamento das votações feito ontem pelos socialistas, uma iniciativa que remete
todo o processo para dezembro.
O grupo de trabalho tem em cima da mesa cerca de duas
dezenas de propostas, com destaque para três diplomas do governo, que definem
os termos legais para a criação de uma bolsa de arrendamento acessível, bem
como a previsão de benefícios fiscais para os senhorios que optem por este
mecanismo de rendas acessíveis, ou por contratos de arrendamento de longa
duração. Medidas que visam incentivar os proprietários a manter as casas no
arrendamento habitacional, em detrimento de opções como o alojamento local.
Quem é Hugo Pires
O nome escolhido pelo PS para substituir Roseta é arquiteto
de profissão, sendo o secretário nacional do PS para a Organização. Antigo
presidente da concelhia de Braga, integra a comissão parlamentar de Economia,
Inovação e Obras Públicas.
O deputado integra também a comissão de Ambiente,
Ordenamento do Território, Descentralização, Poder Local e Habitação, no âmbito
da qual funciona o grupo de trabalho que visa estabelecer novas regras para o
arrendamento. Mas isso acontece apenas há alguns dias - era suplente nesta
comissão, tendo passado a efetivo com a saída do deputado João Torres para o
governo, na passada semana.
Eleito pelo círculo eleitoral de Braga, com 39 anos, Hugo
Pires é deputado desde o início da presente legislatura, em 2015. Já tinha
estado no Parlamento durante o último governo de José Sócrates.
Foi vereador a tempo inteiro da Câmara Municipal de Braga,
entre 2009 e 2013, no executivo camarário de Mesquita Machado. Entre 2013 e
2017 foi vereador da oposição, após a vitória do PSD nas autárquicas.
Hugo Pires foi um dos cinco ex-vereadores socialistas que
foi a julgamento no caso do favorecimento de Mesquita Machado a uma filha e a
um genro, na compra de três imóveis em redor do Palácio das Convertidas, em que
o ex-presidente da autarquia foi condenado a três anos de prisão, com pena
suspensa. Todos os vereadores foram absolvidos: o tribunal considerou que não
tinham conhecimento do negócio feito por Mesquita Machado.
Com Paulo Ribeiro Pinto
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