Enquanto que os promotores Imobiliários reunidos no seu
salão na FIL, afirmam que não há empolamento nem ‘bolha’ no mercado, os
banqueiros afirmam em simpósio com a maior naturalidade e sem preocupações, que
os preços ilustram o facto de que Lisboa e Porto estão na “economia Global” e
Costa, Medina e Marcelo fazem a apologia do Turismo sem limites, o ‘banquete/ la
grande bouffe’ do AL continua a alargar-se …
Manter a AIRBNB e a poderosa ALEP como cúmplices e a contribuir
para ‘regular’ a questão é comparável a nomear a raposa como controladora do
galinheiro …
OVOODOCORVO
Mancha do alojamento local em Lisboa e Porto alarga-se à
periferia
Freguesias nos extremos do mapa têm visto o número de
alojamentos locais crescer. Um alívio para os centros históricos ou o início da
crise nas periferias?
JOÃO PEDRO PINCHA e MARIANA CORREIA PINTO 8 de Outubro de
2018, 7:23
As manchas avermelhadas dos mapas mostram o Alojamento Local
(AL) a expandir-se para freguesias periféricas onde, até há relativamente pouco
tempo o turismo parecia não marcar tanta presença.
O movimento é notório em Lisboa e no Porto, mostram dados do
Registo Nacional de Alojamento Local (RNAL), segundo os quais os
estabelecimentos mais recentes se situam fora do epicentro dos AL: nos Olivais,
na Ajuda e em Alcântara, no caso de Lisboa, e em Campanhã e no Bonfim, no
Porto.
Em Lisboa, há 13 freguesias em que, em média, os alojamentos
estão abertos há menos de um ano e meio.
Feitas as contas à diferença média entre o número de dias
passados desde a abertura dos alojamentos locais em cada freguesia e o dia 18
de Setembro de 2018, é possível concluir que é nas freguesias contíguas ao
centro histórico que os AL são mais recentes. Os números disponíveis no RNAL
não significam, contudo, que há mais registos nessas freguesias. Por exemplo,
nos Olivais, onde os alojamentos locais são mais recentes, só há 87 registos.
Em Campanhã, a freguesia oriental onde o fenómeno chegou mais tarde, há 130
registos. E no Bonfim, onde há já 887 AL, a abertura foi feita, em média, nos
últimos 491 dias. No outro lado da barricada lisboeta, na Misericórdia, onde a
média entre o dia da abertura ao público e meados de Setembro é superior a um
ano e meio, há mais de três mil registos na base de dados do RNAL. Na União de
freguesias do Centro Histórico do Porto, os 4805 registos foram feitos, em
média, nos últimos 600 dias.
Para Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento
Local em Portugal (ALEP), ainda é cedo para se poder falar numa tendência de
expansão para fora do centro histórico. “Apesar de haver sinais, é um fenómeno
muito gradual. Essas freguesias ainda continuam com números irrisórios, onde há
uma margem de crescimento sustentável”, afirma, referindo-se ao caso de Lisboa.
O dirigente considera que “é importante haver uma descentralização”, não só
dentro da cidade mas para “os municípios ao redor”, e acredita que isso será um
processo “natural”. Até porque, reconhece, “no centro histórico já começa a
haver uma concentração grande” deste negócio.
“O alojamento local segue um pouco o padrão da gentrificação
de Lisboa. Tanto estimula a gentrificação como também é estimulado por ela”
Luís Mendes, investigador.
É por causa dessa concentração que a câmara de Lisboa
tenciona pôr uma rolha em bairros como Alfama, Mouraria e Castelo, não
permitindo novos registos de AL a partir do momento em que entrar em vigor a
nova lei, em meados de Outubro. Fernando Medina tem defendido a ideia de que é
preciso ‘forçar’ o mercado a expandir-se para lá dos bairros históricos de modo
a tentar reverter a quase monocultura turística que tomou conta desses locais
nos últimos anos.
No Porto, o executivo de Rui Moreira está a fazer um
mapeamento da distribuição do alojamento local na cidade e deverá ter
resultados durante o mês de Novembro. Em Julho, a autarquia sublinhava ter
"noção de que há zonas da cidade com maior concentração de alojamento
local", acrescentando que lhes parecia importante "diversificar
fluxos”. Convidada a comentar os números recolhidos pelo PÚBLICO, refere,
através do seu gabinete de comunicação, que prefere deixar as conclusões do seu
próprio estudo para comentar.
Luís Mendes, investigador do Instituto de Geografia e
Ordenamento do Território da Universidade de Lisboa (IGOT), diz que a expansão
já se podia adivinhar há algum tempo, dada a “saturação do AL no centro
histórico”. O que não deixa de criar, na sua opinião, uma situação “curiosa”.
Os turistas que optam por ficar em AL procuram, frequentemente, estar próximos
das atracções, imiscuir-se na vida normal dos bairros, experimentar um destino
like a local. Um progressivo afastamento do centro “foge à própria motivação do
negócio”, diz o geógrafo, que recentemente ajudou o PCP a elaborar uma proposta
para a definição da carga turística em Lisboa.
“O alojamento local segue um pouco o padrão da gentrificação
de Lisboa. Tanto estimula a gentrificação como também é estimulado por ela”,
comenta Luís Mendes, dando os exemplos de Carnide e Marvila, freguesias onde
começou a aparecer AL já depois de aí haver obras no espaço público, instalação
de novos negócios e/ou procura de casas por estrangeiros. Em Marvila há apenas
43 estabelecimentos registados oficialmente (antiguidade média: 468 dias) e em
Carnide há ainda menos: 23 (com 613 dias de existência, em média).
Em meados de Setembro, quando o PÚBLICO fez esta análise,
estavam registados 14987 alojamentos locais em Lisboa. Santa Maria Maior, onde
ficam os bairros da Baixa, Alfama, Mouraria e Castelo, era a freguesia com mais
registos (3777), seguida de perto pela da Misericórdia (3029), que abarca o
Bairro Alto, Cais do Sodré, Santa Catarina, Bica e Boavista. Nestas duas
freguesias a antiguidade média dos alojamentos ronda os dois anos. Do outro
lado da tabela está a freguesia de Santa Clara, no norte da cidade, com sete
registos de alojamento local e uma antiguidade média de 494 dias. O Areeiro é
onde a diferença média entre o número de dias passados desde a abertura dos
alojamentos locais e o meio de Setembro é maior: 1176, cerca de três anos.
Constam do RNAL 168 alojamentos locais na freguesia.
No Porto, havia 6738 registos, estando a larga maioria
(71,3%) concentrados na União de Freguesias do Centro Histórico, que junta
Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, São Nicolau e Vitória. A segunda
freguesia com mais registos é o Bonfim (887), seguindo-se Lordelo do Ouro e
Massarelos (341), Paranhos (282), Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde (171),
Campanhã (130) e Ramalde (121).
"A sustentabilidade e equilíbrio social começam a estar
em perigo"
Jorge Ricardo Pinto, geógrafo
Jorge Ricardo Pinto anuncia um prelúdio à conversa.
Optimista por natureza, o geógrafo portuense tem tendência para ver o lado bom
do turismo nas cidades — e esse ponto também existe no Porto. Há uma
"dinâmica económica óbvia", com "novas actividades" ou negócios
antigos a "ganhar vida”, e, não menos importante, o turismo pode
"criar oportunidades de tolerância e compreensão". Assim a gestão do
mesmo permita.
Sublinhado feito, e perante os números apresentados pelo
PÚBLICO, Jorge Ricardo Pinto não acredita que a expansão do AL para as
periferias “possa estancar o problema no centro”. O que aconteceu, acredita,
foi o mercado a perceber uma nova oportunidade de negócio. Apesar de as
“dinâmicas do centro serem diferentes” daquelas que caracterizam freguesias como
Campanhã, Bonfim ou Ramalde, é preciso não esquecer o que aconteceu na zona
histórica da cidade para que a história não se repita.
No Porto Oriental, geografia da cidade sobre a qual tem um
livro publicado, o geógrafo tem testemunhado "relatos que
impressionam". Em São Victor, no Bonfim, já viu fechar o talho, a
confeitaria local, a drogaria. Neste último caso, sob a desculpa de que os
turistas não iam querer comprar parafusos ou alicates. O fenómeno, avisa o
também morador da zona, pode significar uma "pressão psicológica" sobre
aquela população e uma "descaracterização do espaço".
Apesar de "o lado positivo ainda suplantar o
negativo", os números "já chegam para assustar": "A
sustentabilidade e equilíbrio social começam a estar em perigo", alerta. E
é nesse ponto da narrativa que a autarquia deve entrar: "Há neste momento
uma ausência de políticas que deve acabar". Jorge Ricardo Pinto recorda as
promessas de Rui Moreira relativamente ao lado oriental da cidade para o
responsabilizar: se o processo de "transformação" em curso anunciado
é para levar a sério, então a câmara "não pode negligenciar estes
números".
Rui Martins, da associação Vizinhos do Areeiro e da
plataforma Morar em Lisboa, desconfia muito dos dados oficiais. Apenas com base
no Airbnb, provavelmente o mais popular site de reservas de alojamento local no
mundo inteiro, Rui Martins descobriu 394 anúncios activos no Areeiro, há menos
de uma semana. “Há uma escala brutal de AL ilegal em Lisboa”, denuncia.
A diferença entre o número a que chegou e o que consta do
RNAL é significativa, mas maior é o fosso entre a busca que fez no ano passado
no mesmo site e a que fez há poucos dias. Em Julho de 2017 havia 67 anúncios
activos. “Mas não há construção nova, o que significa que as casas foram
subtraídas ao mercado de habitação e foram para uso turístico”, comenta Rui
Martins. O activista diz que é urgente a câmara de Lisboa fazer um levantamento
da real situação (a autarquia diz que o está a fazer) e teme a rolha que Medina
quer pôr no centro. O Areeiro, com três estações de metro, uma estação de
comboios com ligação a Sintra e várias carreiras da Carris, “é o sítio ideal
para toda a gente” e, por isso, “vai ser uma freguesia exposta” à “deslocação
do AL”.
Eduardo Miranda diz que o AL nas freguesias mais periféricas
tem ainda uma “representatividade muito pequena” no conjunto da cidade, onde
mais de 80% deste negócio está concentrado em Santa Maria Maior, Misericórdia,
São Vicente, Santo António, Estrela e Arroios. Por isso, afirma, há ainda
espaço para crescer. O dirigente da ALEP defende a necessidade de se “fazer
monitorização” e mostra-se disponível “para ajudar a câmara a encontrar um
ponto de equilíbrio” nas decisões que vierem a ser tomadas. “O importante é
haver transparência, todo o mundo saber as regras do jogo.”
Para Luís Mendes, pelo menos até à entrada em vigor da nova
lei ainda vamos assistir a um aumento dos registos, dentro e fora do centro
histórico. “Há um interesse racional em valorizar um negócio que está prestes a
ser regulado”, diz o geógrafo. Por um lado haverá “a regularização de alguns
alojamentos que estavam ilegais” e, por outro, “uma expansão enquanto se pode
expandir”. O investigador prevê, no entanto, que o AL venha a estabilizar em
Lisboa: “É o último fôlego da expansão deste negócio.”
tp.ocilbup@ahcnip.oaoj tp.ocilbup@otniP.anairaM
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