Obras da estação de metro de Arroios continuam a meio gás e
quase já não há lojas abertas na Praça do Chile
Sofia Cristino
Texto
29 Outubro, 2018
Concretizou-se o maior receio dos comerciantes junto ao
metro de Arroios, encerrado para obras desde Julho do ano passado. Quem ainda
não fechou portas teme fazê-lo brevemente. Desde que os trabalhos começaram,
desapareceram cerca de vinte lojas em redor da estação. A obra, que
inicialmente se previa terminar em Janeiro de 2019, parece parada. Diz-se por
ali que os operários da construção civil não recebem os salários há meses, não
se sentido motivados para trabalhar. A Câmara Municipal de Lisboa (CML) comprometeu-se,
em Abril passado, a marcar uma reunião com os comerciantes, mas esse contacto
nunca aconteceu. O que leva os lojistas a questionarem-se: “É por não sermos
uma zona de elite, por sermos uma zona de segunda?”. Esta segunda-feira (28 de
Outubro) realiza-se uma reunião, convocada pelos comerciantes, para se debater
a actual situação do metro de Arroios, mas poucos confirmaram presença. A
presidente da Junta de Freguesia de Arroios não sabe quando terminará
empreitada.
“Não entendo como uma
obra desta envergadura não tem fiscalização de uma entidade pública e está
neste estado. Não se compreende, também, como a Câmara de Lisboa continua sem
vontade de falar connosco”, diz, indignada, Manuela Correia, 51 anos,
proprietária de uma perfumaria na Praça do Chile. A loja, ali há quase vinte
anos, encerrará esta semana, deixando duas funcionárias desempregadas. Um
estabelecimento de roupa de crianças, no número ao lado, já teve o mesmo
desfecho. Ainda se vê o letreiro, mas as portas estão fechadas há mais de um
mês. No acesso poente do metro, a tabacaria Órbita fechou para férias há mais
de três meses e os comerciantes vizinhos acreditam que já não volta a abrir. Os
estabelecimentos não resistiram aos danos causados pelo atraso nas obras da estação
do metro de Arroios, como muitos lojistas temiam no início dos trabalhos.
A infra-estrutura foi
encerrada a 19 de Julho de 2017 para obras de requalificação profunda, mas a
empreitada só avançaria em Outubro, devido a problemas financeiros do empreiteiro.
Desde então, contudo, o ritmo de trabalho tem sido muito lento. Os comerciantes
da Praça do Chile garantem que as obras estiveram paradas no passado mês de
Setembro. E que os operários da construção civil se queixam de terem os
salários em atraso, não se sentindo motivados para trabalhar. Um ano depois da
colocação dos tapumes, a preocupação dos lojistas – que no último ano tiveram
quebras de facturação de milhares de euros – já não é a perda de clientes, mas
o que farão depois de fecharem os espaços comerciais onde estão há dezenas de
anos. À faixa colocada nos tapumes – onde se pode ler “o comércio local
continua aqui” – desde Abril, juntam-se agora panfletos nas ruas em redor, com
a pergunta “Até quando?”
“A obra tem sido demasiado lenta, há alturas em que não se
vê ninguém, nem o movimento que seria suposto para uma empreitada desta
dimensão. Compreendemos que é uma obra necessária, não percebemos a falta de
respeito que têm tido connosco”, critica Manuela Correia. A lojista garante ter
perdido milhares de clientes, no último ano, e que o encerramento da
perfumaria, no final deste mês, poderia ter sido evitado. “Nunca nos disseram
quando iam colocar os tapumes e começar a obra. Se tivéssemos sido informados,
talvez tivéssemos conseguido encontrar um espaço físico noutra parte da cidade.
Neste momento, é impossível, não há rendas aceitáveis. Os senhorios desconhecem
os encargos fiscais que temos, é uma tristeza, ninguém vai aguentar”, diz.
Manuela Correia, que todos os dias espreita para a obra,
critica o desempenho dos trabalhadores. “Às vezes, estão parados durante mais
de uma hora. Há pouco tempo, não conseguiam pôr uma máquina a trabalhar. A
dificuldade era tanta que até me apeteceu ir procurar as instruções na internet
e ajudá-los. Isto parece um filme”, conta. “No início, disseram-nos que queriam
pôr os tapumes para entrarem camiões com areia, mas só os vi meia dúzia de
vezes. A rua nunca foi limpa, desde que começaram as obras”, acrescenta.
Cidália Ferreira, que dá uma ajuda na churrasqueira ao lado, critica o mesmo.
“Dei cabo da esfregona a limpar a rua, o chão estava preto. Esta zona está
degradada e deixada ao abandono. Se houver alguma evolução, só se for na parte
subterrânea, porque em cima não se vê movimento nenhum”, garante.
Ao lado da perfumaria, só se percebe que há uma
churrasqueira em funcionamento porque Lidório Pina, vendedor de frangos há 45
anos, o confirma. No número 1 da Praça do Chile não se sente o cheiro a frango
assado, os grelhadores estão a meio gás e não há clientes. Lidório Pina tem
dificuldade em falar e a voz treme-lhe quando pensa no futuro. “Isto é uma
vergonha, estou exausto. O que ganho aqui vai dando para a renda só, não temos
lucro. Se tivesse empregados, já tinha fechado, aguento-me pela minha família.
Aquele ali em cima, nem sombra faz”, ironiza, apontando para um operário,
especado num contentor da obra. O assador de frangos diz que os próprios
trabalhadores já comentaram terem os salários em atraso há mais de três meses.
Na saída poente do metro só estão abertos três espaços
comerciais: duas loja de vestuário e um restaurante. Carla Salsinha,
proprietária da loja especializada em roupa de cerimónia, na Praça do Chile, há
42 anos, já fechou um estabelecimento – localizado, até há pouco tempo, na
vizinha Rua José Falcão – e teme encerrar o que mantém aberto. A empresária,
também ex-presidente da União da Associação de Comerciantes e Serviços (UACS),
acredita que nos quarteirões em redor da estação já terão fechado cerca de
vinte lojas.
Preocupada com a
falta de reacção dos órgãos de poder local, Carla Salsinha convocou, juntamente
com outros comerciantes, uma reunião para esta segunda-feira (29 de Outubro),
pelas 18h30, no salão paroquial da Igreja de São Jorge de Arroios. A Câmara de
Lisboa e o Ministério do Ambiente também foram convidados para o encontro, mas,
até ao momento, não deram uma resposta. “Sei que o presidente da câmara não
pode vir, mas é inacreditável como não disponibilizam nem um vereador para a
reunião. A Câmara de Lisboa demitiu-se completamente do seu papel. Fomos a uma
reunião camarária em Abril, pedimos ajuda e prometeram contactar-nos, mas não
disseram nada. Seis meses é tempo suficiente para falarem connosco”, critica.
Carla Salsinha refere-se à promessa deixada, na reunião da
Câmara de Lisboa de 26 de Abril, pelo vereador da Mobilidade, Miguel Gaspar, em
reunir com estes comerciantes. “Já há rumores de que a empreitada vai resvalar
para 2021, e começo a acreditar. Durante um mês, não houve obras, à hora de
almoço os trabalhadores ficam a apanhar sol. No início eram uns dez, agora são
cinco. Não entendo qual o motivo para a CML nunca se ter dirigido a nós, será
que é por não sermos uma zona de elite, por sermos uma zona de segunda?”,
questiona.
Nessa mesma reunião pública de executivo, e quando
confrontado pela comerciante sobre nada ter feito para ajudar os lojistas, o
presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, descartou responsabilidades.
“Esta é uma obra de uma empresa que é gerida pelo Estado, não pela câmara. Não
posso mais do que partilhar o meu lamento quanto ao atraso. Queria que a obra
já estivesse concluída há imenso tempo e espero que demore bem menos do que a
obra no Areeiro”, dizia, mostrando-se disponível para reunir com os comerciantes.
Até ao momento, não terá havido, porém, nenhuma tentativa de contacto. A 28 de
Fevereiro, já tinha sido aprovada uma moção na qual a câmara municipal se
comprometia a pedir à administração da empresa que tornasse pública toda a
informação sobre o decorrer das obras, o que também não aconteceu.
A última vez que o
vereador da Mobilidade, Miguel Gaspar, se pronunciou sobre o assunto, na tal
reunião camarária de 26 de Abril, justificava o atraso de quatro meses no
arranque da obra com “dificuldades financeiras do empreiteiro”. A empresa de
construção civil responsável pela empreitada do metro de Arroios, a Opway
Engenharia, segundo o jornal Expresso, em Maio de 2015, tinha uma ampla lista
de credores. Devia 62 milhões de euros ao Banco Espírito Santo (BES), 57
milhões de euros à Espírito Santo International e à Espírito Santo Financière e
3,3 milhões de euros à Rioforte. O Ministério Público também reclama da Opway
Engenharia mais de 9,4 milhões de euros. Ainda de acordo com o Expresso, em
Dezembro de 2017, a Opway pretenderia fazer o primeiro pagamento aos bancos em
2018.
A situação financeira
da empresa tem levado os próprios comerciantes da Praça do Chile a tecerem
considerações sobre as políticas de lançamento de concursos públicos. “Como é
possível uma empresa com tantas dívidas ganhar o concurso público? Alguma coisa
não está a ser feita da melhor maneira. A Câmara anuncia o prolongamento da
linha do metro e a criação de uma linha circular, mas não termina o que está em
curso”, diz Maria Correia, uma das lojistas afectadas. O Corvo tentou contactar
a construtora, mas, apesar das várias tentativas, ninguém atendeu o telefone.
A presidente da Junta
de Freguesia de Arroios, Margarida Martins (PS), em declarações a O Corvo, diz
que não pode fazer mais do que “sensibilizar as entidades responsáveis para que
a obra ande mais depressa”. “A empreitada não parou, mas está a andar muito
devagarinho. Não faço a mínima ideia porque está a ser um processo tão lento,
estamos a tentar falar com o Metro de Lisboa e a Câmara”, diz.
A autarca diz ainda que já propôs à Câmara de Lisboa a
revisão do regulamento das taxas de publicidade e garante estar, agora, a
aguardar um parecer da CML para que estes comerciantes deixem de pagar este
imposto no período da obra. “Há outras obras que estão atrasadas em Arroios, às
vezes, é mais difícil as coisas andarem para a frente. Estas empreitadas são
feitas através de concursos públicos e este processo é muito mais problemático
do que as pessoas pensam, embora, neste caso, desconheça os motivos para o
atraso. Não faço ideia de quando as obras acabarão”, conclui.
Em Maio deste ano, contactado por O Corvo, o Metro de Lisboa
afirmava que o metro reabriria no primeiro trimestre de 2019. No entanto, dois
meses antes, a 27 de Março, na Assembleia Municipal de Lisboa (AML), Miguel
Gaspar havia já reconhecido que os trabalhos não deveriam estar concluídos na
data inicialmente prevista – Janeiro de 2019 – e apontava para o segundo
semestre do próximo ano. “Temos informação que a obra já está a correr, duvido
que seja Janeiro de 2019, mas ainda não temos um planeamento final do Metro.
Infelizmente, as obras do metro demoram sempre muito tempo, porque também ficam
para uma vida”, dizia.
O Corvo enviou
novamente questões sobre os atrasos na obra do metro de Arroios ao vereador da
Mobilidade, Miguel Gaspar, ao Metro de Lisboa e ao Ministério do Ambiente, mas
até ao momento da publicação deste artigo não obteve resposta.
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