Imagens do Dia / OVOODOCORVO
Fechou a Joalharia Correia na Rua do Ouro.
Repare-se que esta Joalharia ficava entre a Casa das Águas e
a óptica Jomil e a Ourivesaria Sarmento, um grupo de 4 lojas que resistiam ao
"tsunami" de Lojas Asáticas de "Souvenirs". Este 'bloco' de
resistência ficou agora, mais enfraquecido ...
OVOODOCORVO
Na Rua do Ouro, em Lisboa, já não há elefante: fechou a
Joalharia Correia
Com o discreto encerramento da Joalharia Correia, fecha-se
também uma história lisboeta.
João Pedro Pincha
JOÃO PEDRO PINCHA 30 de Outubro de 2018, 9:02
Na semana passada, enquanto turistas acalorados se
encavalitavam nas escadas para entrar no elevador de Santa Justa e um
guitarrista de ocasião ia debitando melodias a quem passava, havia na Joalharia
Correia uma azáfama silenciosa. O gradeamento verde das montras estava corrido
até ao fundo e a porta apenas entreaberta. Não era para ninguém entrar: a
joalharia fechou.
Os donos atarefavam-se a embrulhar pedras preciosas em papel
forte e a colocá-las em caixas de sapatos, que depois etiquetavam com um
marcador. Empacotar uma vida inteira de trabalho é tarefa árdua e, no caso,
penosa, pois o acto representa o fim de um sonho acarinhado durante 30 anos.
O nome que está inscrito no toldo virado à Rua do Ouro é
Correia, mas quem aqui mandava eram os Veiga, que tomaram conta desta joalharia
depois de terem perdido a sua no grande incêndio do Chiado, em 1988. A loja
original da família, que prosperou em Angola, ficava uns quarteirões mais
abaixo nesta artéria da Baixa lisboeta, e ardeu. Chamava-se Coralina Jóia e
dedicava-se ao comércio de pedras preciosas e semipreciosas.
Nas últimas três décadas o grande objectivo dos Veiga foi
regressar ao antigo espaço e retomar a pujança do negócio, mas diversas
circunstâncias o impediram. Os vários donos do prédio não se entendiam sobre as
obras e a câmara de Lisboa teve de comprar o imóvel para o reabilitar, com a
promessa de o revender aos proprietários. Só que os trabalhos atrasaram-se
vários anos e, quando terminaram, já não existiam os fundos especiais criados
pelo Governo para financiar o renascimento do Chiado.
A família ficou descalça, embora tenha continuado a tentar
negociar com a autarquia – sem sucesso. A antiga Coralina Jóia foi vendida e é
hoje uma loja de souvenirs.
A Joalharia Correia, no número 245 da rua que os lisboetas
pós-terramoto reservaram aos ourives (e já lá restam poucos), passou de casa
temporária a definitiva. Quem entrava deparava-se com um tipo de
estabelecimento de que já não há muitos exemplos no que foi outrora o grande
bairro comercial da cidade. A toda a volta havia três enormes armários de
madeira, em cujas vitrinas brilhavam as pedras, os brincos, os colares, os
anéis e as medalhas em prata. Com olhar atento descobriam-se delicadas
esculturas talhadas em marfim, cinzeiros, uma Nossa Senhora de Fátima feita de
pedras incrustadas, mil e um objectos de outro tempo.
O que mais chamava a atenção era, contudo, uma gigantesca
cabeça de elefante colocada a um canto, ainda com os dentes intactos. Ao pé
dela, uma placa em português e mau inglês indicava que tinha sido encontrada
num cemitério angolano, há muitos anos. Na semana passada, a cabeça já lá não
estava. Foi vendida num leilão porque não havia sítio onde a guardar.
Esta quarta-feira, 31 de Outubro de 2018, foi o dia
combinado entre os Veiga e o novo senhorio para encerrar definitivamente a
joalharia. Com ela fecha-se também uma história, pequena na vida de Lisboa,
grande na vida dos homens. O prédio, mais baixo do que os vizinhos, está
degradado e deve entrar brevemente em obras.
tp.ocilbup@ahcnip.oaoj
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