“Lisboa é, cada vez mais, uma cidade para os estrangeiros
com dinheiro”
Imobiliárias são consensuais: cada vez mais, classe média só conseguirá encontrar casa na periferia de Lisboa
Samuel Alemão
Texto
4 Outubro, 2018
O sorriso ligeiramente condescendente surge quase como
inevitabilidade, tanto quanto o brilho nos olhos antevendo bons negócios. A
cada vez que se pergunta a um dos agentes do sector presentes no Salão
Imobiliário de Lisboa (SIL) 2018, a decorrer até domingo (7 de Outubro) na
Feira Internacional de Lisboa (FIL), sobre as possibilidades de, nos próximos
anos, as famílias da classe média encontrarem habitação a “preços decentes” na
cidade de Lisboa, a resposta é inequívoca: não há, só na periferia. E mesmo aí,
existem cada vez mais zonas a atingir valores que até há bem pouco tempo muitos
julgariam impossíveis. “Lisboa é, cada vez mais, uma cidade para os
estrangeiros com dinheiro”, ouve-se nos stands de vendas. Tal tipo de
investimento na capital portuguesa deverá, aliás, manter-se constante, ouviu O
Corvo no primeiro dia do certame, onde a expressão “bolha imobiliária” é
encarada como uma grande improbabilidade. Os tempos são outros, argumenta-se, e
os erros cometidos na crise que rebentou há uma década não estarão a ser
repetidos, assevera-se.
“Não há uma bolha, os tempos são diferentes. Mas após o
crescimento eufórico dos últimos anos, o mercado tende, naturalmente, a
desacelerar e a estabilizar. Aquilo a que estamos a assistir é à expansão para
as zonas limítrofes da cidade”, afirma Nuno Miguel, director comercial da
imobiliária Century 21 no nosso país. “O que antes era um território
considerado sobretudo como de gama média-baixa está a ser visto de outra forma.
O segmento médio-alto está em dispersão para as áreas de periferia”, diz o
responsável, salientando o facto de a oferta nas zonas consolidadas da cidade
ser cada vez menor e, por isso, se revelar manifestamente insuficiente para
satisfazer a demanda. O parque habitacional de Lisboa ainda está muito envelhecido,
explica, e o processo da reabilitação urbana nem sempre é rápido o suficiente
para satisfazer a procura. “Os processos de licenciamento são muito demorados e
burocráticos. Além disso, há muitos prédios degradados na cidade em relação aos
quais nem a Câmara de Lisboa sabe quem é o dono”, diz.
O coração da cidade e os seus bairros mais antigos são
também terreno fértil para situações de heranças indivisas e muita
conflitualidade, correspondendo a uma maior rigidez no mercado, diz o
responsável comercial da Century 21, apontando o exemplo da zona antiga da
Ajuda, “onde apenas duas pessoas são donas de um conjunto de quarteirões e não
estão disponíveis para venderem”. O caminho da classe média passará, por isso,
cada vez mais, pela busca de casa nos subúrbios, considera Nuno Miguel,
apontando Odivelas e Amadora como locais onde a procura tem disparado nos
últimos meses. “Temos um claro problema de oferta em Lisboa para quem estiver à
procura de casas na fasquia até aos 200 mil euros. Essas casas não existem ou o
que existe é mau”, explica, dando conta ainda da pressão exercida no parque
habitacional pelo fenómeno do Alojamento Local – embora preveja um razoável
abrandamento da influência do mesmo no mercado imobiliário, nos próximos anos,
até pela imposição de limites através do novo enquadramento local.
Perspectiva idêntica tem Bruno Rodrigues, da imobiliária
Easy Gest, formada em 2010 na Margem Sul, mas que conta já com 48 lojas em
território nacional, tal a dinâmica de crescimento do negócio. “Não creio é que
se possa falar numa bolha. O mercado vai ter de estabilizar, todavia, continua
a haver bastante procura. Mas na cidade de Lisboa, como é óbvio, revela-se
muito mais difícil e, por isso, estamos a assistir a um redireccionamento das
pessoas para a periferia. Lisboa será, cada vez mais, uma cidade para
investidores estrangeiros ou para quem investiu em Alojamento Local”,
considera, admitindo uma certa resignação realista pelo facto de a capital
portuguesa se ter tornado um território inacessível à classe média. Mas isso
também está a fazer subir, e muito, os preços dos imóveis no concelhos em
redor. Bruno Rodrigues dá como exemplo o município de Loures, e em particular a
zona de Santo António dos Cavaleiros, “a qual, em 2014, muita gente recusava, e
agora já é vista como uma opção”.
Também Patrícia Pimenta, gestora de marketing da imobiliária
ERA, reconhece ser inevitável apontar os subúrbios como solução para a compra
de casa – mas também para o arrendamento – pela maioria da população. “Lisboa
está cada vez mais na boca do mundo, sobretudo a zona histórica, o problema
está na oferta”, afirma, sublinhando que, neste momento, a procura de imóveis
na maior cidade portuguesa está essencialmente relacionada com o turismo ou com
os investidores estrangeiros, que aqui buscam um retorno certo. “Não há bolha
imobiliária, não estamos a cometer erros do passado. Os portugueses estão mais
responsáveis. O mercado está a crescer de uma forma mais sustentada. A compra
de casa em Lisboa é, sobretudo, alavancada pelos estrangeiros”, afirma a
responsável, indicando Amadora e Odivelas como cidades-satélite para onde a
classe média se está a deslocar devido às vicissitudes do mercado. “São sítios
com uma boa rede de transportes públicos”, considera, citando ainda Loures e
Vila Franca de Xira como municípios em forte crescimento.
Também João Marques, gestor do franchise Re/Oriente da
gigante Remax, que trabalha com especial enfoque nas zonas da Portela e de
Moscavide, no concelho de Loures, mas inclui no portfólio activos imobiliários
em diversas áreas da cidade de Lisboa, como o Campo Grande, admite que a compra
de habitação na capital portuguesa “é só para quem tem esse dinheiro”, pois “os
preços estão proibitivos”. O gestor repete o optimismo, ouvido noutros stands
de venda do SIL 2018, relativo à presumida robustez do mercado imobiliário. “Há
quem fale num empolamento, numa bolha, mas não acredito nisso. As coisas vão
estabilizar, é um facto, mas não antevejo nenhuma quebra”, afirma. Idêntica opinião
tem João Rebelo, gestor da Remax Metro, que opera sobretudo na zona de Benfica.
E até ali, nota, num bairro outrora visto como “segunda linha” da cidade,
habitado maioritariamente por classe média, a demanda por uma habitação a
preços equilibrados se tem revelado tarefa espinhosa. “Já não é muito fácil.
Benfica tem acompanhado a tendência geral e até já começa a ser procurada por
investidores estrangeiros”, comenta o consultor imobiliário, com uma
experiência de três décadas no ramo.
Subida dos preços das casas em Portugal foi quase o triplo
da UE
Um relatório do Eurostat sobre a evolução dos preços das
casas mostra que a subida registada em Portugal no segundo trimestre foi de
11,2% face ao período homólogo. Este aumento representa perto do triplo da
subida de 4,3% verificada tanto na União Europeia como na Zona Euro.
05 de outubro de 2018 às 11:04
O mercado imobiliário continua quente em Portugal e o mais
recente relatório do Eurostat confirma isso mesmo. De acordo com os dados
publicados pelo gabinete estatístico europeu esta sexta-feira, 5 de Outubro, os
preços das casas aumentaram 11,2% em Portugal no segundo trimestre quando
comparados com o mesmo período do ano passado, uma subida quase três vezes
maior do que a registada tanto na União Europeia como na área do euro (+4,3%).
Por outro lado, este foi o terceiro maior crescimento
homólogo verificado num conjunto de 30 países europeus (os 28 Estados-membros
da UE, a Noruega e a Islândia). Somente a Eslovénia (+13,4%) e a Irlanda
(+12,6%) registaram aumentos mais expressivos do que Portugal.
No entanto, o relatório do Eurostat mostra que a subida de
preços no mercado imobiliário luso abrandou no segundo trimestre deste ano face
aos primeiros três meses de 2018 em que o aumento, em termos homólogos, foi de
12,2%.
Em termos de evolução trimestral também se verifica um
abrandamento no crescimento, já que depois de terem subido 3,7% no primeiro
trimestre, os preços das casas aumentaram 2,3% entre Abril e Junho.
Também ao nível da Zona Euro e do conjunto da UE se registam
subidas menos acentuadas no segundo trimestre em relação aos primeiros três
meses deste ano. No primeiro trimestre os preços tinham-se agravado em 4,5% no
bloco da moeda única e 4,7% na União face a igual período do ano passado.
Entre os países considerados, apenas dois apresentaram
evoluções negativas dos preços no segundo trimestre face ao período homólogo:
Suécia (-1,7%) e Itália (-0,2%).
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