A breve lua-de-mel de Bolsonaro
Bolsonaro soube interpretar os sentimentos e fantasmas da
maioria dos brasileiros e por isso venceu. Mas também o PT ganhou. É à sua
volta que a oposição se vai aglutinar na defesa da democracia contra o
autoritarismo.
Jorge Almeida Fernandes
29 de Outubro de 2018, 0:15
1. Jair Bolsonaro foi eleito Presidente do Brasil por uma
margem impressionante. Não foi uma surpresa. Mas também nada assegura de
sólido. O Brasil deu um salto no escuro. Hoje é o dia das perguntas e não o dia
das respostas. É necessário observar o clima dos próximos dias. Será o
termómetro da tendência de acalmia ou do reforço da polarização. Os brasileiros
fizeram-se reféns de dois discursos extremos, do “nós contra eles”, em que a
maioria não votou a favor do seu candidato mas contra o “outro candidato”.
Apesar dos números da vitória, “a lua-de-mel vai ser curta”,
previa há dois dias o politólogo Paulo Kramer, membro da equipa de Bolsonaro.
“Os primeiros cem dias não vão começar a partir do 1.º de Janeiro, mas a partir
do momento em que for declarado o resultado das urnas. A situação do país é
muito grave. Ninguém vai ter paciência para esperar.”
O eleitorado quer ter a perspectiva de medidas concretas.
Quer ouvir falar da economia e de coisas como a reforma da Previdência, temas
ausentes da campanha eleitoral, dominada pela chamada “guerra cultural”.
2. A mesma eleição que entrega o poder a Bolsonaro é também
a que entrega a chefia da oposição ao PT. Deste ponto de vista, ambas as forças
terão atingido os seus objectivos. Lula e o PT sacrificaram as presidenciais à
manutenção da sua hegemonia sobre a esquerda. Note-se que, com o estilhaçamento
do MDB e sobretudo do PSDB, será em torno do PT que tenderá a agregar-se toda a
oposição. O PT incomodará Bolsonaro no Congresso e na rua. Outro efeito
possível é retirar do centro da agenda o tema da corrupção e lá colocar a
defesa da democracia contra o autoritarismo.
O PT pode ter deixado de ser o antigo “partido de massas”
para se tornar numa eficaz máquina eleitoral. Mas é o único partido que provoca
uma intensa identificação ideológica junto da sua base eleitoral.
3. O Congresso será o palco das próximas grandes batalhas
políticas. Bolsonaro está perante um teste: a aprovação da reforma da
Previdência. “Se não a aprovar no primeiro semestre, não a aprova mais”,
observou Kramer.
O Presidente disporá de uma grande maioria conservadora
entre os deputados. No Senado terá mais dificuldades. Mas se a nova maioria
está disponível para ratificar alguns dos temas mais “fracturantes” de
Bolsonaro, é previsível que levante obstáculos às reformas económicas
preconizadas pelo anunciado “czar” da Economia, o economista neoliberal Paulo Guedes.
De resto, o programa económico do futuro governo é ainda nebuloso. Os ministros
militares seguirão Guedes ou limitá-lo-ão em nome de um projecto mais
nacionalista? Até agora, Bolsonaro tem dito uma coisa e o seu contrário. Quanto
tempo durará também a “lua-de-mel com os mercados”?
A única certeza é que estas eleições mudaram o mapa
político. Marcam o fim de uma era e é impossível prever que novas regras e
alianças se vão impor (ver Manuel Carvalho no PÚBLICO de ontem).
4. Por fim, falemos dos riscos. “Risco de quê?”,
interroga-se o politólogo Fernando Bizarro. “Se for a quebra brusca da
democracia — com um golpe que cancele eleições, feche o Congresso e suspenda
direitos —, o risco é provavelmente zero. Tanto a experiência internacional
quanto a História brasileira mostram isso.” O problema é outro. “A erosão
democrática, isto é, a deterioração gradual e limitada de algumas dimensões da
democracia é hoje a forma mais comum da degeneração das democracias.”
As instituições existem mas parecem fragilizadas. Um dos
sintomas foi a necessidade de o Supremo Tribunal Federal se apoiar no Exército
para enfrentar as ameaças de Bolsonaro, para não falar no crescente papel
tutelar dos militares perante um sistema político degradado.
Por fim, há o “problema Bolsonaro”. Quer dar a aparência de
um “homem forte”. Ou será apenas uma máscara? Como reagirá perante um fracasso
no governo? Apostará na polarização e no confronto? O grande capital do novo
Presidente é a popularidade. Soube interpretar os sentimentos e os fantasmas da
maioria dos brasileiros. Agora, arrisca-se a “perder o inimigo” e a tornar-se
ele próprio o alvo das frustrações.
Não há ainda respostas. Apenas dúvidas e interrogações.
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