terça-feira, 23 de outubro de 2018

Há zonas de Lisboa onde Alojamento Local “não deve ser proibido, mas incentivado”, diz Fernando Medina



Imagens de OVOODOCORVO
extraídas do site da BOOKING


Há zonas de Lisboa onde Alojamento Local “não deve ser proibido, mas incentivado”, diz Fernando Medina
Sofia Cristino
Texto
23 Outubro, 2018

O regulamento que irá definir os critérios para a aprovação do licenciamento de novas unidades de Alojamento Local (AL) na capital estará concluído até ao final de Março de 2019, promete o presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML). Sem deixar de reconhecer o impacto negativo que o crescimento galopante do registo de unidades de AL teve na cidade, Fernando Medina afirma que a criação de mais alojamentos, em algumas zonas de Lisboa, até é “desejável”. E acha que o novo regulamento poderá impulsionar a criação de mais estabelecimentos do ramo. “O AL não deve ser proibido, deve ser incentivado. Não podemos esquecer que o AL foi uma tábua de salvação para famílias de classe média, durante os anos da crise”, disse Medina, no momento em que apresentou as regras para travar o fenómeno nas zonas mais pressionadas. No mesmo dia, a Lusa noticiava que a residência oficial do presidente da CML estava disponível para alojamento turístico desde agosto, mas Medina diz que não tem qualquer residência oficial, até porque a lei já não o permite.

A nova lei do Alojamento Local (AL) – que suspende provisoriamente o registo de unidades de AL em diversos bairros de Lisboa (Castelo, Mouraria, Alfama, Bairro Alto, Madragoa, Bica, Santa Catarina e Príncipe Real) – entrou oficialmente em vigor este domingo (21 de Outubro), mas só nas primeiras semanas de Novembro é que será efectivamente aprovada a suspensão. “Na próxima quinta-feira (25 de Outubro), vamos levar à reunião da Câmara Municipal de Lisboa (AML) uma moratória, segundo a qual não entram mais alojamentos nas zonas onde há um sobrepeso de AL. E haverá condições para, nas primeiras semanas de Novembro, a moratória estar aprovada”, afirmava Medina, na tarde desta segunda-feira (22 de Outubro), em conferência de imprensa, no Largo do Chafariz de Dentro, em Alfama. O autarca avança que a Câmara de Lisboa está a analisar há vários meses as zonas de “maior pressão” de AL face ao número de fogos nas freguesias da cidade.

A Câmara de Lisboa tem, agora, um ano para criar o documento que irá definir os critérios para a aprovação do licenciamento de novas unidades de Alojamento Local e Medina promete concluí-lo até ao final de Março de 2019 e, se possível, “até antes”. “Com o novo regulamento, queremos ter freguesias mais equilibradas, que não sejam só bairros para os turistas verem. Por exemplo, em vez de termos unidades de alojamento espalhadas por vários prédios, poderia haver alguma concentração, porque um prédio só destinado a AL causa muito menos conflito aos vizinhos”, afirma Medina. O autarca socialista explica que o novo regulamento não permitirá a entrada de novos espaços de alojamento em zonas muito pressionadas, mas, noutras zonas da cidade, até poderá impulsionar a instalação de mais alojamento.

 “Queremos que o regulamento trate de forma diferente realidades distintas. Uma coisa é haver um pedido de licenciamento para um local onde há contratos de arrendamento, tirando casas ao mercado de habitação. Outra, é uma unidade que vem substituir um edifício de escritórios ou prédios a ruir e, neste caso, incentivamos a entrada de AL”, explica.  “A transformação de edifícios de escritórios na Baixa para AL não é a mesma coisa que estar a retirar casas do mercado de habitação”, exemplifica.

Sem deixar de reconhecer o impacto negativo que o crescimento do registo de unidades de alojamento teve na cidade, Medina afirma que a criação de mais alojamento, em algumas zonas de Lisboa, até é desejável. “Não queremos perder o impulso que o alojamento local tem tido na reabilitação de prédios e em zonas que até agora estavam devolutas. Neste caso há toda a vantagem em que o imóvel seja utilizado para este fim, é uma boa decisão que queremos encorajar”, promete. Medina diz mesmo que o Alojamento Local tem “uma grande importância” na vida da cidade, fomentou a criação de novos postos de trabalho e contribui para a melhoria da economia.

“Na zona norte de Lisboa, a percentagem de AL é muito reduzida e a expansão não é problemática, até pode ser vantajoso crescer aqui. Vamos avaliar se há zonas em que até deve ser dado um sinal de incentivo para aparecerem mais unidades”, afirma. “Não podemos esquecer que o AL foi uma tábua de salvação para famílias de classe média, durante os anos da crise. Foi a forma que encontraram de aumentaram os seus rendimentos”, sublinha ainda.

Questionado sobre se a nova lei já vem tarde e sobre o aumento do número de registos – as inscrições de unidades mais do que duplicaram desde o mês da aprovação da lei, em Julho transacto, em comparação com o ano passado e, só na passada quinta-feira, foram feitos 210 pedidos, de acordo com o jornal Público -, Medina diz que “a preocupação não deve vir só das últimas semanas”. “O AL passou, em muitos poucos anos, de menos de 3 mil fogos registados para mais de 14. 500 fracções. E a CML não tinha nenhum poder para o regular. Temos de ter em conta, também, que vários dos pedidos que entraram agora são, na larga maioria das situações, mais pedidos de regularizações do que de novas unidades. Não é do dia para a noite que se adquire um prédio e reabilita-se”, diz. O autarca diz, porém, que esta é “apenas uma percepção”, não tendo dados que a comprovem.

 Observadores e críticos do processo consideram que este atraso não é benéfico e estão preocupados com a eficácia da medida. No final de Setembro, o deputado municipal independente Rui Costa, em declarações a O Corvo, já dizia ter dúvidas de que a lei fosse aplicada mal entrasse em vigor e pedia à Câmara de Lisboa para acelerar a tomada de decisões nesta matéria.

 No final da conferência de imprensa, realizada no mesmo dia em que a Lusa noticiava que a antiga residência oficial do presidente da CML, no Parque Florestal de Monsanto, estava disponível para alojamento turístico desde agosto, Medina garantiu que a autarquia não tem nenhuma casa com essa classificação protocolar. “O presidente da CML não tem residência oficial. É um nome histórico que ficou atribuído a um edifício, num parque de Monsanto, e há largos anos que o presidente não tem esse estatuto. Em 2014, houve um concurso público e foi feita uma concessão para a exploração de um espaço que estava fechado, não era residência do presidente da Câmara de Lisboa, nem iria ser mais”, explica.

 Mas tais explicações não foram suficientes para os deputados municipais do Bloco de Esquerda (BE) que, a meio da tarde desta segunda-feira (22 de Outubro), anunciaram que vão questionar a Câmara de Lisboa, na assembleia municipal, sobre os imóveis públicos concessionados pela CML, sobre qual o prazo dessas concessões e sobre que condições foram feitas. “Consideramos injustificável que, num momento de crise na habitação e alojamento para estudantes, existam concessões de imóveis públicos para turismo”, diz o Bloco de Esquerdo em nota enviada às redacções.

 O CDS-PP aproveitou também para recordar a declaração de voto entregue na reunião camarária de 23 de Julho de 2014, numa nota enviada às redacções. Na reunião do executivo, João Gonçalves Pereira, vereador do CDS-PP, votou contra a proposta de lançamento do Concurso Público Internacional para a concessão de exploração de parte delimitada da Quinta da Pimenteira, e de outros edifícios e equipamentos existentes no Parque Florestal de Monsanto. Segundo a declaração de voto, agora disponibilizada, a proposta da Câmara de Lisboa concretiza “uma efectiva alteração de usos, de habitação para serviços (unidades turísticas, eventos, restaurante, piscina, esplanadas, hotelaria (…)”, violando uma condição imposta pelo Instituto da Conservação da Natureza e Floresta, segundo a qual o Parque Florestal de Monsanto está sujeito ao Regime Florestal Total.

 Segundo este regime, consagrado em decreto-lei, é necessária uma autorização prévia do Governo para que a CML concessione uma parte do parque, cuja competência é do secretário de-Estado das Florestas. “A concessão não está prevista no Plano de Gestão Florestal do Município de Lisboa aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa e na AML em Janeiro e Fevereiro de 2012, o que bem demostra o casuísmo desta proposta”, lê-se na declaração de voto.


 O impacto mediático causado pelas acusações levou a Câmara de Lisboa a emitir um comunicado, no qual voltava a garantir não ter qualquer casa destinada ao presidente da CML. “A chamada Casa do Presidente foi construída para habitação do diretor do Parque Florestal de Monsanto e não tem qualquer função protocolar, estatuto esse reservado aos paços do concelho e ao Palácio da Mitra. Na legislação em vigor também não consta qualquer direito do presidente da Câmara a beneficiar de casa oficial”, lê-se. Na mesma nota, a autarquia dá conta que a adjudicação da concessão foi aprovada em reunião de Câmara, em 12 de novembro de 2014, e envolveu a recuperação e exploração de uma parte delimitada da Quinta da Pimenteira, o Moinho do Penedo e duas casas de função – todas localizadas em Monsanto.

 A decisão da Câmara de Lisboa de conceder a privados o direito de exploração de vários espaços no Parque Florestal de Monsanto já tinha sido alvo de polémica, no início de 2015. A Casa do Presidente foi concessionada, em Novembro de 2014, para a realização de eventos. Na altura, a opção da autarquia despoletou uma onda de contestação, nomeadamente por parte da Plataforma por Monsanto. O grupo de activistas acusava a Câmara de Lisboa de ver o pulmão da cidade como “um banco de terrenos” para projectos de índole privada e temia pelo impacto que estas cedências poderiam causar na zona verde pelo excesso de tráfego automóvel.


Os efeitos da Turistificação de Lisboa


Cada vez mais gente e menos lisboetas. Câmara entrega a gestão da habitação ao aluguer online de alojamento para férias

ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO
23 de Novembro de 2016, 9:45

Fernando Medina  não acompanha a Imprensa internacional. Se o fizesse, ter-se-ia apercebido de uma avalanche de notícias na Imprensa local de Nova Iorque e de  várias cidades Europeias sobre os efeitos perversos conjugados e interactivos da Turistificação desenfreada, da Globalização desmedida e da Gentrificaçào galopante na vida quotidiana dos habitantes locais nestas cidades.

Um clamor profundo, uma agitação permanente de insatisfação e um desejo urgente e imperativo de mudança, de regulamentos, de fiscalização e  de liderança  por parte dos habitantes, ameaça traduzir-se em consequências políticas, e faz acordar os autarcas.

Temos ouvido sobre as situações em Barcelona e Berlim e das condições impostas à AIRBNB que vão desde a proibição total na capital alemã até à imposição de um rigoroso regulamento na cidade da Catalunha.

Numa longa luta do Municipal com a Airbnb [aluguer de alojamento para férias], Nova Iorque quer agora proibir o aluguer de alojamentos através da AIRBNB por um período inferior a 30 dias. Medida destinada a proteger a cidade dos efeitos perversos das estadias curtas / low cost do turismo barato, massificado, predador e desinteressante. Densidade intensa de ocupação do espaço físico sem interesse económico e mais valias financeiras, a não ser, para os estabelecimentos também eles “predadores” do comércio tradicional, ou seja, “comes e bebes” e “quinquilharia” pseudoturística em dezenas de lojas asiáticas e afins. 

A 6 de Outubro, o “Guardian” publicou um conjunto de três artigos sobre a interligação destes temas, tendo um deles sido dedicado à relação de Amsterdão com a AIRBNB.

Embora Amsterdão tenha imposto um regulamento claro à Airbnb, ocupação máxima  de 60 dias por ano e o máximo de quatro pessoas por edifício, os efeitos sociais de descaracterização dos bairros têm sido devastadores. O investimento especulativo junto à forte subida do preço da habitação (também no aluguer a “expats” do mundo empresarial ) está a expulsar progressivamente os habitantes locais,  transformando os bairros em plataformas rotativas e contínuas de “idas e vindas” de forasteiros híper individualizados e indiferentes aos locais, e a transformar os antigos bairros em locais alienados onde ninguém se conhece e onde reina o anonimato.

Amsterdão tem  fiscalizado intensamente a ocupação através da  Airbnb mas é confrontada com a recusa pela própria Airbnb de fornecimento de dados. Num espaço limitado fisicamente como a pitoresca Amsterdão, a invasão turística low-cost / aluguer Airbnb, está a levar a efeitos explosivos no trânsito, no comércio local onde polulam as lojas de vocação turística e de souvenirs e está a provocar uma avalanche de insatisfação traduzida em irritação ou animosidade explícita para com o turismo.

 De tal forma que, muito recentemente, a autarquia fez um discurso explícito inteiramente dedicado a estes temas, onde anunciou uma atitude de exigência e fiscalização ainda mais rigorosa para com a Airbnb, medidas legislativas em conjunto com Haia que tornem possível a escolha do tipo de lojas a instalar em cada rua e uma atitude nítida de selecção do tipo de turismo,  numa definição e escolha dirigida à clara diferenciação entre o turismo desejável e indesejável.

Numa entrevista publicada a 18 de Janeiro no PÚBLICO, o Director Ibérico da Airbnb anunciava orgulhoso: “A evolução em 2015 face ao ano anterior foi de 65%. Portugal está no 11.º lugar mundial em termos de anúncios na Airbnb, num ranking liderado pelos EUA. A Airbnb captou um milhão de pessoas em 2015.”

Orgulhoso, e claro, satisfeito. A Airbnb não está sujeita a qualquer tipo de regulamento, exigência ou fiscalização em Portugal. Mais. A AIRBNB colabora com a Autarquia e o Governo, de forma a que os impostos sejam cobrados ao Alojamento Local. Estes aumentaram.

Mas os efeitos devastadores são ignorados ou mesmo negados por Fernando Medina que se tem mostrado irónico ou furtivo sobre estes problemas fundamentais para o presente e o futuro estratégico da cidade de Lisboa.

Que este se torne o tema fundamental de discussão de todas as forças políticas em direcção às eleições autárquicas, é um imperativo. Não se trata de cor política, mas de um tema Universal de Ecologia Urbana e de equilíbrio salutar no organismo vivo que constitui uma verdadeira cidade.

A Turistificação desenfreada, a Globalização desmedida e a Gentrificação galopante estão a matar as cidades.

Historiador de Arquitectura

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