sábado, 2 de março de 2013

Príncipe Real Enxovais.A tradição começou há 90 anos em casa de Maria Cristina de Castro, que em 1960 abria a loja preferida de Amália, Grace Kelly e um sem-fim de celebridades.

Príncipe Real Enxovais. Quem quer casar com os lavores da realeza?
Por Maria Ramos Silva, publicado em 2 Mar 2013 in (jornal) i online
A tradição começou há 90 anos em casa de Maria Cristina de Castro, que em 1960 abria a loja preferida de Amália, Grace Kelly e um sem-fim de celebridades

O público do São Carlos não quis esperar pela grande inauguração. Em Outubro de 1960, o aviso de que a abertura seria apenas no dia seguinte de nada serviu a quem se colou à montra da Rua da Escola Politécnica, em Lisboa. O recheio da loja de Maria Cristina de Castro varreu-se num ápice nessa madrugada. “Quem vinha da ópera parava para ver porque havia muita luz. Da meia-noite às duas da manhã compraram tudo.” Vítor de Castro, 71 anos, nascido praticamente “debaixo das saias das bordadoras”, que chegaram a ser 30 na casa da mãe, recorda uma história que arrancara muito antes, há 90 anos, quando a matriarca começou a fazer enxovais na vizinha Rua de São Marçal, antes de o estabelecimento abrir portas no espaço de uma antiga alfaiataria, pintado de verde água, como até hoje se mantém.

Bandeiradas com partida do Ritz e outros alojamentos de cinco estrelas fazem pausa na Politécnica enquanto se apeiam rainhas, princesas, condessas e outras madames. Passaportes de todo o mundo têm passado pelo discreto número 12, mas que fique claro: “O bordado não tem nacionalidade. O que interessa é saber a sua perfeição.” Mais perfeita só a quantia choruda que há mais de 30 anos Diandra, primeira mulher do actor Michael Douglas, aqui gastou em artigos confeccionados à mão. “Passou pela Vista Alegre, onde comprou um serviço de mesa, e veio aqui recomendada. Achei engraçado porque escolheu vários artigos e depois disse que somasse tudo. Dava 12 mil dólares. Como tinha cinco casas pediu-me que repetisse a mesma coisa para cada uma. Quando recebeu as peças mandou-nos um faxe a dar os parabéns.”

A origem das felicitações não se ficou pela América. A lista de clientes incluiu Grace Kelly e a sua filha Carolina do Mónaco, a que se juntaram as famílias Mello, Champalimaud ou Espírito Santo, cujos enxovais saíram das mãos de Maria Cristina. Há dois anos foi a vez de a rainha Ana Maria da Grécia requisitar um jogo de mesa ornamentado com peixes, destinados ao seu iate, enquanto um outro cliente, brasileiro, preferiu o desenho de araras coloridas. Até à data, no entanto, ninguém bateu o campeão das compras, o brasileiro Ermírio de Moraes, da cimenteira Votorantim. “A cliente mais antiga, para quem ainda hoje faço repetições, é uma das maiores fortunas da França, a madame Bettencourt, dona da L’Oréal. Todos os anos se sentava aqui uma tarde inteira. Também a Amália, tudo o que tinha em casa foi feito pela minha mãe. E a madame Mary Espírito Santo foi das melhores clientes que tivemos, que trouxe vários estrangeiros à loja.”

O RENDILHADO DE UM CARTÃO-DE-VISITA Vítor assumiu o comando das operações a tempo inteiro há três anos, depois da morte da mãe, mas vem de longe o auxílio nas vendas, na contabilidade e no domínio de línguas. “Sei todos os pontos, e descobrir onde foi feito o bordado, só não sei bordar.” Quando regressou da Guiné recusou o pedido materno de permanecer no conforto da Politécnica. Quis correr mundo e seguiu para a TAP, mais tarde para a Varig, passando por uma escala no Brasil onde abriu restaurantes, até regressar de vez a este balcão.

Outro dos lemas históricos vetava o uso do cartão de crédito, uma prática que se sujeitou a cedências. “Fomos obrigados praticamente a aceitá-los. Já ninguém paga em dinheiro. Espero que a minha filha queira dar continuidade ao trabalho da avó.” E que a promoção ganhe contornos dignos de século xxi, apesar da resistência, por questões práticas, a embarcar na internet. “Temos receio que nos retirem os desenhos e os mandem fabricar na China ou noutro sítio.”

Não se assuste com os valores. As prateleiras guardam peças acessíveis a títulos nobiliárquicos e comuns plebeus. Claro que os preços destes artigos de confecção de bordado manual dependem também da matéria-prima. Pode optar pela longevidade invejável do nosso linho a 100%, saído da Fábrica de São Pedro de Lordelo, contentar-se com um meio linho, ou remediar-se com o 100% algodão. Tanto pode gastar mil euros como 40 por um jogo de cama. Fibras como o poliéster não têm licença para entrar. Um enxoval de bebé fica-se pelos 500 euros enquanto um de noiva pode chegar aos 3 mil ou 4 mil euros, sem esquecer a lingerie. “Mas neste momento não há enxovais. São mais pessoas de meia-idade que gostam de ver os artigos. Os jovens não casam nem querem trabalho a passar a ferro.”

Se preferir, aqui também se fazem restauros por preços módicos. As peças, que contam com a minúcia de bordadeiras da ilha da Madeira, dos Açores, do Norte do país, e algumas de Lisboa, com mais de 60 anos, podem ir à máquina, já que as linhas não debotam. O que tem perdido cor é o tempo, que não está para grandes investimentos, paciência, ou escalada de dioptrias. “Os jovens querem aprender mas chegam aqui, estão uma semana e fartam-se. Dizem que dão cabo da vista.”





Lisboa - Os enxovais que conquistam a realeza europeia
Por Sara Pelicano | quarta-feira, 20 de Fevereiro de 2013 in Cafe Portugal / http://www.cafeportugal.net/pages/sitios_artigo.aspx?id=5888

A loja Príncipe Real Enxovais já recebeu muitas rainhas europeias. Levaram desta loja lisboeta, toalhas e lençóis bordados com tradição. Vítor Castro herdou o negócio da mãe e espera que tenha continuidade nos filhos, embora confesse que, com a crise, «já nem há namorados».
Vítor Castro lê atentamente o jornal. Informa-se sobre o país e o mundo enquanto os clientes não chegam. Há dez anos que está atrás do balcão da casa Príncipe Real Enxovais, na Rua da Escola Politécnica, 12, em Lisboa. Um espaço repleto de pequenos mimos bordados com labor. Uma arte que chega à capital provinda de bordadeiras de todo o país.

«Esta casa foi fundada pela minha mãe, Maria Cristina de Castro, em 1943. Mas ela já bordava enxovais em casa desde 1940», conta Vítor. Aqui se fizeram os enxovais de muitas moças. Um lugar onde se compram as toalhas de mesa, os lençóis, as toalhas de banho.
«Aqui encontra-se tudo o que uma noiva tem de levar para o casamento. É uma casa única. Por aqui passaram enxovais de pessoas importantes como Grace kelly, rainha Sílvia da Suécia, rainha Sofia de Espanha», conta orgulhoso Vítor Castro.
A história do Príncipe Real Enxovais começa cedo, quando Maria Cristina de Castro tinha apenas dez anos. No décimo aniversário pediu à mãe se poderia ter aulas de «lavores» na escola. A mãe acedeu e a paixão de Maria Cristina pelos bordados foi crescendo até se tornar num negócio de família.
Nas férias de Verão, na casa de campo da família, Maria Cristina de Castro conheceu a renda de bilros e rendeu-se a esta arte de bordar. Os bilros são pequenas peças de madeira torneada onde se prende a linha de bordar. Vários fios de linha são presos a diferentes bilros que ao serem cruzados vão desenhando no tecido os pontos, a alma do bordado. Ao mesmo tempo que estudava, Maria Cristina dedicava-se aos bordados.
Em 1938, a mãe de Vítor Castro, casa-se e muda-se do Chiado, onde vivia com a família, para o Príncipe Real. Pouco depois do casamento começa a bordar os enxovais e a ganhar clientes. Em 1943, inaugura a loja Príncipe Real Enxovais. «Hoje em dia temos bordadeiras que trabalham para nós. Desenhamos no linho o que o cliente quiser e enviamos para as nossas bordadeiras», conta Vítor Castro.
Na Madeira, no Norte do país e mesmo em Lisboa, a loja Príncipe Real Enxovais conta com a arte de bordadeiras para executar tudo o que é tradicional português.
Vítor Castro lamenta que a crise tenha vindo a mudar hábitos. «Neste momento a crise é grande já nem há namorados. Sendo uma loja típica de enxovais não há noivas, não há noivos, porque a maioria já nem se casa. É a crise instalada», diz Vítor.
A conversa é interrompida por um casal que entra na loja. São turistas brasileiros que chegam à loja Príncipe Real Enxovais por recomendação de um amigo. Procuram lembranças do país para levarem aos amigos.
Vítor mostra alguns bordados. Por fim retira uma gaveta onde guarda os coloridos Lenços de Namorados [estávamos na véspera do dia de São Valentim, 14 de Fevereiro]. Conta a história deste bordado minhoto. Os turistas ficam encantados e compram os lenços.  Enquanto Vítor atende os clientes, a nossa atenção detém-se na loja, um espaço pequeno, paredes escondidas atrás de muitos móveis. As madeiras são trabalhadas em delicados arabescos. Móveis que dividem a estrutura entre gavetas e prateleiras, estas protegidas com portas de vidro. Atrás, resguardados, estão os bordados.
O tom claro dos móveis, quase brancos, mistura-se com os bordados, também eles maioritariamente feitos em tecidos brancos. A contrastar apenas as cores de algumas das peças.
À falta de namorados, Vítor Castro junta outro problema para o enfraquecimento do negócio: «Os bordados da China que têm acabado com as bordadeiras. Hoje é tudo feito à máquina». Apesar do cenário, Vítor tem esperança que a sua filha dê continuidade ao trabalho iniciado pela avó, Maria Cristina de Castro. «Tenho uma filha economista e tenho esperança que mantenha o negócio e o bom nome da avó», partilha Vítor Castro.

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