domingo, 17 de março de 2013

Já nem o Papa é europeu.

Já nem o Papa é europeu.

Por Teresa de Sousa in Público
17/03/2013



Mesmo para uma Europa desenvolvida e laica, o Papa é mais inspirador do que qualquer líder europeu

1.Que me lembre, houve nos últimos anos dois momentos em que os experimentados e cépticos jornalistas europeus (e de outras paragens) bateram palmas no fim de uma conferência de imprensa. Espontaneamente e sem remorso. Na primeira conferência de imprensa do Presidente Obama, quando, em Abril de 2009, veio a Londres participar na sua primeira cimeira do G20. Ontem, no final do encontro do novo Papa com os jornalistas que cobriam os últimos acontecimentos do Vaticano. Obama era uma tremenda lufada de ar fresco e uma fonte de inspiração onde cada um podia projectar as suas expectativas, ao ponto de fazer esquecer que ele era, antes de mais, o Presidente dos Estados Unidos da América. A eleição do Papa Francisco transformou-se num acontecimento inspirador, ao ponto de fazer esquecer que ele é, acima de tudo, o chefe da Igreja Católica. Com Obama, a América provou a sua extraordinária capacidade de renovação. Com Francisco, a Igreja Católica mostrou que compreende o mundo em que vive e está disposta a mudar. O novo Papa vai acabar por desiludir muita gente. Reformar uma Cúria em decadência, maioritariamente europeia, fechada sobre os seus privilégios e entretida em lutas de poder muito pouco cristãs, é uma tarefa hercúlea. Teve um poderoso aliado em Bento XVI, cuja renúncia não vai permitir que tudo fique exactamente na mesma.
Obama foi o primeiro Presidente negro dos Estados Unidos. Francisco é o primeiro Papa que veio "do fim do mundo" e que é um jesuíta. São sinais poderosos que nos interpelam. São acontecimentos vividos à escala global e em directo, graças a cobertura mediática. O novo Papa mostrou que compreende a função dos media, oferecendo uma sucessão de gestos simples que pretenderam mostrar ao que vinha e o que queria: "Uma Igreja pobre e dos pobres". É impossível ficar-lhe indiferente. É impossível não reflectir sobre o significado político da sua escolha. Que nasce de uma nova ruptura. A primeira foi a escolha do primeiro Papa não italiano, que veio do Leste e que precedeu a queda do Muro de Berlim e a unificação da Europa. "Com João Paulo II, a Santa Sé deixou de parecer um clube de italianos", escreve a Economist. A segunda ruptura começou com a resignação de Ratzinger, que não desistiu apenas de mudar a Cúria, da qual fez parte quase toda a sua vida, mas desistiu também de uma Europa que via como cada vez mais desprovida de valores. Com o seu gesto abriu as portas à escolha, pela primeira vez em mais de mil anos, de um Papa que não é europeu. Este é mais um sinal indesmentível de que o Velho Continente está a ver o mundo passar-lhe ao lado sem sequer dar por isso, mesmo quando os sinais vêm da cidade onde foi assinado o Tratado de Roma.

2. Enquanto olhávamos para Roma e para o seu novo bispo, os líderes europeus reuniam-se mais uma vez no tristonho edifício Justus Lipius de Bruxelas para uma cimeira que não gerou qualquer expectativa. Com a Europa em recessão, com os países do Sul mergulhados numa crise económica e social que não pára de se agravar, com as eleições italianas a constituírem o último e mais sério aviso do preço político que está a ser pago pelos programas de austeridade, a cimeira foi um não-acontecimento. Serviu para mais do mesmo. Ou seja, para mais um exercício de retórica sobre a necessidade de conciliar austeridade e crescimento, absolutamente vazio no que toca à segunda parte da equação. Já se sabia que iria ser assim. Berlim já tinha avisado que não haveria qualquer alteração real de estratégia. Reconhecer que os programas de ajustamento estão a falhar clamorosamente em Portugal ou na Grécia e que a austeridade está a penalizar brutalmente a Itália e a Espanha não é coisa que as autoridades de Berlim e os seus amigos do Norte tencionam fazer, pelo menos no curto prazo. As gesticulações de Christine Lagarde ou de Durão Barroso sobre os resultados desta estratégia, por enquanto não passam disso. Nem sequer têm o mínimo efeito nas avaliações da troika aos países intervencionados, cujos representantes continuam diligentemente a debitar o mesmo discurso e as mesmas receitas. E nem vale a pena deitar foguetes com a possibilidade de prolongar por mais um ano o cumprimento das metas do défice ou alguma abertura para alargar os prazos de pagamento dos empréstimos. Isso não significa nenhuma mudança política, mas apenas a constatação de que o cumprimento nas datas previstas era pura e simplesmente impossível graças aos erros clamorosos dos próprios programas e ao total falhanço das suas previsões. Nem o tempo a mais chega para resolver alguma coisa, nem a mesma política dará diferentes resultados. "Os factos são muito teimosos. Quando os factos mudam, ou se tornam mais claros, as políticas têm de ser ajustadas", escrevia Timothy Garton Ash na sua última coluna do Guardian, que é também um apelo à Alemanha para que faça alguma coisa em nome do seu próprio interesse.
Podemos não estar de acordo com tudo aquilo que Jean-Claude Juncker disse na entrevista à Spiegel da semana passada quando comparou a actual situação da Europa com 1913. Mas historiador britânico, embora um pouco mais optimista, não resistiu à mesma comparação. "É pura coincidência que a Alemanha enfrente este desafio quando nos aproximamos do centésimo aniversário de 1914; mas é uma coincidência que revela uma histórica oportunidade (...). Vá lá, Alemanha, agarra aquilo que Fritz Stern chamou uma vez a tua histórica segunda oportunidade e utiliza-a bem".

3. Já nem Vítor Gaspar parece acreditar no que está a fazer. Imagina-se o que lhe terá custado apresentar, na sexta-feira, os resultados da sétima avaliação e as previsões subsequentes. O primeiro-ministro, que continua a falar como se fosse o chefe de uma empresa, só se lembrou de dizer que é preciso derrotar as previsões. Como? Há formas de o fazer. Mas não, certamente, aquelas que ele tem defendido.
O problema é que, às vezes, as coisas têm mesmo que mudar, como o prova a escolha do novo Papa. E o que foi exposto pelo ministro das Finanças sobre a realidade portuguesa mais a pobreza de Conselho Europeu podem acabar por abrir as portas a uma crise política de resultados imprevisíveis. As autárquicas estão à porta e os partidos da coligação que nos governa ficarão cada dia mais nervosos. António José Seguro resolveu anunciar que "rompia" com o Governo, numa súbita radicalização do discurso cuja lógica só pode estar na sua própria fraqueza. O que havia de dizer no mesmo dia em que uma sondagem (da Católica para o DN, a Antena 1 e a RTP) revelava um empate técnico entre PSD e PS, mesmo que a favor do segundo? Outras sondagens dão resultados diferentes, é verdade. Mas quase todas elas mostram uma verdade incontornável: o PS não consegue ser percebido pelos eleitores como uma alternativa. As pessoas estão a precisar urgentemente de alguma coisa que lhes devolva a esperança e não há o mais ligeiro sinal de que isso possa acontecer. Aqui ou em Bruxelas. Mesmo para uma Europa desenvolvida e laica, o Papa Francisco é mais inspirador do que qualquer líder europeu.

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