Quando o cinismo corrói a democracia
Editorial hoje Público / 21/03/2013
Ao comentar a decisão do Tribunal Cível de Lisboa que impede Fernando Seara de se candidatar à câmara da capital, o deputado socialista Mota Andrade deixou para a posteridade uma exemplar mensagem de cinismo, ao dizer que o PS nada tem a ver com o que se passa, que o que está em causa é "um problema de outras forças partidárias". Para os socialistas, a defesa da credibilidade do sistema político só lhes parece interessar quando há ganhos em causa própria. Como a decisão judicial põe em causa apenas os partidos do Governo, o problema não é deles. Que, como se temia, as próximas autárquicas se transformem em fóruns de interpretação do espírito da lei de limitação de mandatos ou da própria Constituição, não os comove; que o poder político se demita e convide o poder judicial a limpar o lixo que varre para debaixo do tapete, não os preocupa; que o descrédito que ameaça demolir o sistema partidário se acentue, não os importuna. Se houvesse um pouco mais de decência política, os partidos tratariam de seguir a recomendação do provedor de Justiça e esclarecido no Parlamento o espírito da limitação de mandatos. Mas na lógica mesquinha em que todos os partidos se colocaram não há lugar para a responsabilidade: há apenas interesses e aquela forma pequenina de enfraquecer o adversário, nem que, para isso, se debilite o regime e se comprometa o país. Por muito que o PSD tenha desafiado os limites do bom senso, por muito que haja legítimos argumentos a favor e contra as suas candidaturas, o país em crise devia ter sido poupado ao espectáculo deplorável que se anuncia. Com os valores da representação democrática engolidos, com o Parlamento condenado a entregar aos tribunais competências que lhe cabiam, as eleições locais em vários municípios do país, entre os quais Porto e Lisboa, estão contaminadas pela jurisprudência quando deviam ser norteadas pela política.
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