segunda-feira, 18 de março de 2013

"Dossier" Chipre.

Um recuo justificado pelo clima de medo

Na visão maniqueísta da troika, a coacção moral pode sobrepor-se a qualquer acto de racionalidade
19/03/2013
Editorial hoje no Público


Depois da Grécia, de Portugal e da Irlanda, o Chipre foi este fim-de-semana o último alvo dos resgates punitivos da troika. Desta vez, não haverá severos planos de austeridade para servir como punção moral pelos "crimes" da irresponsabilidade, da falta de organização ou pela preguiça de portugueses ou gregos; o que ficara decidido é que, para que o seu país receba assistência financeira, os cipriotas terão de ceder parte das suas poupanças. Para já, ninguém fala em voz alta da corrupção do Governo ou da indolência mediterrânica, mas o "crime" que alicerça a estratégia punitiva foi identificado: os bancos cipriotas servem de local de lavagem de dinheiro dos magnatas russos. Aos decisores europeus e do FMI, pouco importava que o sistema financeiro cipriota tenha sido fortemente abalado pelo perdão da dívida à Grécia que eles próprios decidiram no ano passado. Nem lhes ocorrera que os russos são os principais clientes da banca da Lituânia e estão entre os principais animadores da City londrina, ou que, entre os clientes da banca cipriota, há pessoas normais que puseram as suas poupanças na banca por ela lhe garantir toda a segurança. Nem os preocupava sequer que em causa esteja um problema com o sistema financeiro, que existe e foi atacado com ajuda europeia em Espanha, e não um problema de finanças públicas, como em Portugal. Muito menos os perturbava a possibilidade de uma corrida aos depósitos nos países em ajustamento. Na visão maniqueísta da troika, a coacção moral sobrepõe-se a qualquer acto de racionalidade. Só a ameaça do fim da aparente calma na crise do euro fez com que o Eurogrupo decidisse reabrir a discussão, admitindo agora salvar os depositantes com menos de 100 mil euros do castigo. Com tanta insensibilidade e estupidez juntas, que garantias podem ter os cidadãos e os mercados de que há um rumo no combate à crise? Nenhumas. Com decisões destas, sobra apenas um convite para o medo. Entre pais e mães

As nossas poupanças estão em risco?
Por Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas
19/03/2013 – in Público

Ontem de manhã a resposta era: ninguém sabe. Hoje de manhã a resposta será: por enquanto não.
Mesmo se se apressou a corrigir o erro monumental cometido com o programa de ajuda a Chipre, pouco mais de 48 horas depois de o ter aprovado, a zona euro vai demorar tempo a reconquistar a confiança dos europeus que chegaram a temer pelas suas poupanças.
Segundo a decisão tomada ontem à noite, os depósitos bancários com menos de 100 mil euros já não vão participar no programa de ajuda a Chipre. É uma boa notícia que deverá acalmar as angústias e incertezas que desde sábado sentir nas ruas do país e entre os investidores.
Só que o simples facto de a zona euro ter ponderado, e mesmo decidido, mexer nos pequenos depositantes, rebentando com o tabu da protecção europeia de todos os depósitos até 100 mil euros, é suficiente para instilar a dúvida nos países mais frágeis e que venham a eventualmente a precisar de empréstimos dos parceiros europeus, Portugal incluído: se não foi desta, será que é para a próxima?
Moralmente, a nova taxa - desde que limitada aos depósitos acima dos 100 mil euros que não estão protegidos por qualquer regra europeia - até tem sentido: afinal vai incidir sobre a riqueza em vez do rendimento, que é o que tem acontecido em todos os países com programas de ajuda.
Entre uma taxa sobre os depósitos bancários e os aumentos sucessivos do IRS, IVA e outras taxas municipais impostos em Portugal por conta da austeridade, talvez a primeira opção nem seja a pior. E tributar os milhares de estrangeiros que estacionaram o dinheiro em Chipre para beneficiar das suas vantagens enquanto paraíso fiscal, é tudo menos chocante.
O que começava a ser complicado era o facto de o imposto cipriota ser completamente iníquo: segundo as intenções iniciais do Governo, os depósitos de 1.000 euros teriam exactamente a mesma taxa que os de 99.000.
Mas o verdadeiro problema do pacote de ajuda a Chipre era mesmo a inclusão dos depósitos inferiores a 100 mil euros.
Segundo vários relatos da reunião que decidiu a ajuda, foi a Comissão Europeia que propôs incluir estes depósitos, embora a uma taxa bem mais baixa, a rondar os 3%. Disse bem: a Comissão Europeia, a instituição que tem a obrigação de impôr o respeito pelo direito comunitário nos Estados membros.
Dos relatos ficou igualmente claro que foi Chipre que impôs o valor de 6,75% para a taxa sobre os depósitos inferiores a 100 mil euros, para não ter de tributar demais os valores superiores. Para não afugentar os grandes depositantes estrangeiros?
Felizmente que os ministros das Finanças corrigiram ontem o verdadeiro tiro no pé que chegaram a assumir e que ameaçava voltar a pegar fogo à zona euro, arruinando a relativa acalmia conseguida desde que o Banco Central Europeu se assumiu como o bombeiro de último recurso dos países com problemas de financiamento. Mas como é que, no sábado, não pensaram nas consequências desta decisão?

Corrida aos bancos em Chipre


Bank run in New York in 1933.

O paraíso bancário de Abramovich e de outros russos ricos afundou-se


Por Clara Barata
19/03/2013 in Público



Chipre está a sofrer as consequências de ter deixado os seus bancos crescer mais do que o suportável, como o fizeram outras ilhas-nações, diz Paul Krugman. Com oligarcas à mistura

Perfil de Roman Abramovich.


A "Villa" de  Abramovich in Chipre
 Roman Abramovich, o milionário dono do clube de futebol inglês Chelsea, controla o seu império financeiro através de uma empresa com sede em Chipre, a Lanebrook. É um dos milhares de russos que residem ou que se aproveitam das condições favoráveis oferecidas pela parte grega da ilha do Mediterrâneo: faz parte da União Europeia, mas é laxista na aplicação da regulação financeira, cobra impostos baixos e tem fama como centro de lavagem de dinheiro.
Dos 64,8 mil milhões de euros depositados nos bancos cipriotas em Dezembro, 15,4 mil milhões de euros eram de cidadãos russos, afirma o presidente da Associação Regional de Bancos Regionais da Rússia, Anatoli Aksakov. E este não é dinheiro que foge do país, porque a parte grega da ilha mediterrânica é "o maior investidor estrangeiro na Rússia", assegurou Aksakov, citado no El País.

Russian oligarch Dmitry Rybolovlev
São de russos as villas construídas como cogumelos à beira-mar, e a cidade portuária e centro financeiro de Limassol passou a ser alcunhada "Limagrad", por causa da enorme quantidade de expatriados russos que lá vivem. Se Chipre já teve a fama duvidosa de ser o país onde o dirigente nacionalista sérvio Slobodan Milosevic tinha o seu banco, e por onde era violado o embargo internacional durante as guerras da Jugoslávia, fez um esforço para se ajustar às regras internacionais e acabar com a lavagem de dinheiro nos seus bancos.
Mas continuou a atrair muitos eslavos e, em particular, russos - que não têm de ser todos desonestos, claro, mas a fama fica.
Na Alemanha, a perspectiva de um resgate para salvar os bancos cipriotas gregos é moralmente repugnante. Em especial, depois de no final do ano passado um relatório dos Serviços de Informação Federais de Alemanha ter concluído que continua a fazer-se lavagem de dinheiro nos bancos de Chipre. Se Bruxelas desse luz verde ao resgate pedido por Nicósia, quem beneficiaria seriam os famigerados oligarcas russos.
Por isso, tanto Os Verdes alemães como o Partido Social-Democrata, SPD, o maior partido da oposição, que aprovaram os restantes quatro resgates de países europeus, dizem querer estudar o caso de Chipre.
"A história de Chipre tem paralelismos óbvios com a da Islândia e a da Irlanda, com lavagem de dinheiro da máfia russa como ingrediente extra", escreveu o Nobel da Economia Paul Krugman no seu blogue no New York Times. "Estas três ilhas-nações tiveram períodos de crescimento muito rápido como paraísos bancários, que os deixaram com bancos demasiado grandes para serem salvos. A Islândia, no pico, teve bancos com activos que eram 980% do seu PIB, o que é dez vezes superior ao que se passa nos EUA. A Irlanda teve 440%. Chipre, 800%. Em todas estas crises, o problema foi o descontrolo do sistema bancário", afirmou Krugman.
Com os interesses russos em jogo, Moscovo demonstrou a sua fúria com a acção da troika. Um porta-voz de Vladimir Putin disse que o Presidente considera o plano de resgate europeu "injusto, não-profissional e perigoso", relata a agência Interfax.
Chipre contraiu um empréstimo com a Rússia no ano passado, de 2,5 mil milhões de euros, enquanto negociava o resgate com a troika. Moscovo diz que poderá vir a reestruturar o empréstimo.
O comunista Demetris Christofias, que era Presidente da República de Chipre até ao mês passado, e as suas políticas, com uma recusa veemente de austeridade, são também responsabilizadas pela crise em que caiu o país, que antes de 2008 viveu um período de prosperidade e com desemprego abaixo de 4%. Quando se juntou ao euro, em 2008, o ano em que Christofias chegou ao poder, Chipre tinha um superavit de 3,5; no ano passado, o défice atingiu 6,3% do produto interno bruto. Christofias foi substituído pelo conservador Nicos Anastasiades, por quem a chanceler alemã, Angela Merkel, chegou a ir a Nicósia fazer campanha eleitoral. Era o desejado pelos líderes europeus, alguém com quem se poderia negociar reformas e o resgate.
Para os próximos anos será importante a exploração do campo de gás natural descoberto no ano passado ao largo da costa sudoeste de Chipre, cujas reservas se calcula serem de 227 mil milhões de metros cúbicos - mais do que a ilha consumiria num século. Mas os turcos do lado norte da ilha - que está dividida desde 1974, quando os gregos tentaram um golpe de Estado para unir a ilha à Grécia - não estão dispostos a deixar os cipriotas gregos ficar com tudo.

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