Cipriotas sem saber quanto poderão levantar quando os bancos abrirem
Por Sérgio Aníbal in Público
Num país onde a incerteza domina, há a promessa de que as agências abrem amanhã, mas nem isso está garantido; o Banco de Chipre vai manter-se, mas o presidente divergiu do Governo e demitiu-se
A um dia da mais recente data marcada para a abertura dos bancos em Chipre, ainda ninguém sabe quais os controlos de capital que vão ser impostos, ou seja, quanto dinheiro é que efectivamente se vai poder levantar em cada banco.
Um dos principais objectivos do acordo assinado entre a troika e as autoridades cipriotas era, de acordo com os seus responsáveis, acabar com o clima de incerteza no país. Para isso, foi anunciado que o Banco Laiki - o segundo maior do país - seria dissolvido, com os depósitos abaixo de 100 mil euros e os empréstimos seguros a serem transferidos para o Banco do Chipre - o maior do país. O resto do Laiki, incluindo os depósitos acima de 100 mil euros, seriam usados para fazer face às imparidades do banco e dissolvê-lo. O Banco do Chipre será salvo pelos empréstimos da troika, mas os depositantes com valores superiores a 100 mil euros poderão sofrer um corte próximo de 40%.
No entanto, apesar destas decisões, ainda há muitas coisas por saber. A que mais preocupa os cipriotas é quanto dinheiro vão poder levantar quando os bancos voltarem a abrir amanhã (se desta vez o prazo definido pelo Governo for cumprido). Nas caixas automáticas, o limite diário para levantamento baixou na segunda-feira para 100 euros no Banco de Chipre e no Banco Laiki, sendo mais elevado nos outros bancos. Mas, quando os bancos abrirem, deverão ser aplicados novos limites, provavelmente semanais, para evitar uma eventual corrida aos bancos. Na sexta-feira passada, o Governo cipriota ficou com poderes inéditos na zona euro de controlo de capitais, que incluem o direito de limitar o valor dos levantamentos, de restringir as transferências interbancárias e o uso de cheques e o de obrigar que os depósitos a prazo só possam ser levantados quando atingirem a maturidade, por exemplo.
No caso dos clientes do Laiki, as dúvidas ainda são maiores, porque não existe sequer a certeza se as dependências da instituição voltarão a abrir. O Governo ainda não esclareceu se será já o Banco de Chipre a tratar dos assuntos relacionados com o seu anterior concorrente. "Não faço ainda ideia daquilo com que posso contar. Quanto dinheiro é que posso gastar por dia. Eles não dizem nada", lamentava-se ontem Iannis, um trabalhador de seguros que tem a sua conta no Laiki, à saída da caixa automática, onde tinha levantado mais 100 euros.
As autoridades estão num autêntico contra-relógio para assegurar que a abertura dos bancos acontece amanhã e de uma forma pacífica. "Está a ser feito um esforço sobre-humano para que os bancos abram na quinta-feira", disse ontem Panicos Demetriades, o presidente do banco central.
O presidente do Banco de Chipre, Andreas Artemis, demitiu-se de manhã, por discordar da forma como estão a ser transferidos activos e passivos do Banco Laiki para a sua instituição. À tarde, o banco central anunciou que um administrador especial foi nomeado para gerir o banco. Esse anúncio foi visto pelos trabalhadores como a colocação de um gestor de insolvência e cerca de 300 funcionários dirigiram-se ao banco central para protestarem. A manifestação apenas dispersou quando o presidente do banco central garantiu aos representantes dos trabalhadores que o administrador especial apenas tinha como tarefa tratar da transferência da parte boa do Laiki para o Banco de Chipre.
De manhã, os protestos tinham sido feitos por estudantes de escolas secundárias. Juntaram-se perto do parlamento e depois dirigiram-se para o palácio presidencial, passando pela representação da União Europeia em Nicósia. As palavras de ordem mais ouvidas eram: "Troika fora de Chipre". "Eles estão a tomar as decisões e o que estão a fazer é destruir o nosso futuro", afirmava uma das estudantes.
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Depositantes vão voltar a pagar pelos erros dos bancos?
Por Isabel Arriaga e Cunha, Bruxelas in Público
A controvérsia instalou-se entre os responsáveis da zona euro sobre a questão de saber se o modelo de salvamento e liquidação dos bancos previsto no programa de ajuda a Chipre vai ser ou não o modelo para futuras operações do mesmo género. Jyrki Katainen, primeiro-ministro da Finlândia, defendeu ontem que "os proprietários e os investidores têm de sofrer perdas em caso de falência de um banco". Segundo afirmou em Helsínquia, este deverá ser um dos pilares da união bancária europeia que está a ser construída na zona euro. Senão, frisou, "continuaremos com a situação actual em que o contribuinte paga os custos das crises bancárias".
Esta posição já tinha sido assumida na véspera por Jeroen Dijsselbloem, ministro das Finanças da Holanda e presidente do Eurogrupo (as reuniões dos ministros das Finanças do euro). Poucas horas depois da aprovação do programa de ajuda a Chipre - que impõe perdas importantes aos accionistas, investidores e depositantes com mais de 100.000 euros no processo de reestruturação e liquidação de dois bancos -, Dijsselbloem afirmou que este vai passar a ser o modelo de futuras operações de salvamento.
Depois da turbulência que esta afirmação provocou nos mercados financeiros, o ministro holandês emitiu uma declaração em que se contradiz a si próprio, precisando que Chipre constitui um caso único. Katainen fez a mesma precisão, depois do seu discurso de ontem.
Benoit Coeuré, membro do comité executivo do Banco Central Europeu (BCE), reagiu ontem afirmando que Dijsselbloem "não tem razão no que diz". A solução encontrada para Chipre refere-se a um "problema que se tinha tornado desesperado" devido ao estado de insolvência do país e dos seus bancos, "o que não existe em mais lado nenhum". "A situação era de tal forma particular que precisou de uma solução particular, mas não vejo razões para que se voltem a usar os mesmos métodos" noutros países, acrescentou. Ewald Nowotny, governador do banco central da Áustria, assumiu a mesma posição.
"A solução de Chipre só diz respeito a Chipre por causa do seu sistema bancário particular, não há uma linha [para futuras decisões] neste sentido", disse igualmente em Atenas o ministro grego das Finanças Yannis Stournaras.
Apesar destes precauções destinadas a evitar lançar o pânico noutros países, a ideia de transferir a responsabilidade dos riscos assumidos pelos bancos dos contribuintes para os investidores, está a fazer o seu caminho na zona euro.
A viragem ocorreu no Verão passado, quando Mario Draghi, presidente do BCE, defendeu que, no programa de ajuda à banca espanhola, os detentores de dívida dos bancos, incluindo os credores preferenciais, deveriam assumir parte dos custos com perdas nos seus investimentos. A medida foi então recusada por parte dos ministros das Finanças do euro.
Dois anos antes, foi o BCE que recusou a possibilidade de a Irlanda fazer pagar os credores preferenciais dos seus bancos, obrigando o país a reembolsá-los. Dublin assumiu então mais de 60 mil milhões de euros de dívidas dos bancos, o que provocou um agravamento brutal da dívida do Estado, que está a ser paga pelos contribuintes através de vários anos de dura austeridade.
A novidade do programa cipriota refere-se sobretudo à imposição de perdas igualmente aos depositantes com mais de 100.000 euros - os montantes inferiores permanecerão protegidos por garantias dos Estados -, o que os coloca no mesmo pé que qualquer outro investidor.
Esta eventualidade já está contemplada nas propostas apresentadas no Verão passado pela Comissão Europeia sobre a criação de um mecanismo europeu de liquidação dos bancos insolventes que deverá entrar em vigor já em 2015. "Queremos uma situação em que os contribuintes deixem de pagar pelos erros dos bancos", afirmou Chantal Hugues, porta-voz de Michel Barnier, comissário europeu responsável pelos serviços financeiros, embora insistindo em que o caso de Chipre é único. "Não se deve dizer que [o programa de Chipre] é um modelo perfeito ou que será preciso reutilizá-lo no futuro, porque não deveremos voltar a estar na mesma situação com o nosso sistema de união bancária integrada", afirmou.
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