Azar
em Lisboa
Lucy Pepper
5/2/2017, 1:02
Lisboa é ainda em
larga medida um mercado emergente para turistas. Uma má experiência
pode ser suficiente para não voltarem e recomendarem aos seus amigos
que não venham.
Há dias, uns amigos
meus voltaram a Lisboa para passarem um mês. Apaixonaram-se pela
cidade e decidiram mudar-se para cá permanentemente, com os seus
filhos pequenos e os seus negócios. Vieram por um mês à procura de
casa e de escolas, e para tratarem do mais que que é necessário
para se instalarem num novo país. São do tipo de pessoas que Lisboa
precisa e devia querer: profissionais altamente qualificados, cheios
de dinamismo, interessados pelo sítio onde vivem, com contactos
internacionais e filhos suficientemente novos para aprenderem a
língua e integrarem-se na sociedade portuguesa.
Tomei café com eles
ao terceiro dia da sua estadia em Lisboa. “Como é que vai a
procura de casa?” perguntei.
“Afinal, já não
temos a certeza de querer viver aqui,” responderam. “Graças a
deus que só viemos por um mês. E pensar que quase trouxemos tudo.”
O amor sem limites
que sentiam por Lisboa ainda há poucos meses desaparecera. A mudança
chocou-me. Claro que, sempre que conhecemos melhor uma pessoa, uma
coisa ou uma cidade, encontramos falhas, e o antigo amor à primeira
vista diminui um bocadinho. Mas neste caso, o objecto do seu amor
parece tê-los tratado horrivelmente, desiludindo-os de uma maneira
bem pior do que um namorado que, afinal, tem o mau hábito de atirar
com as peúgas sujas para o chão e nunca as apanhar.
Não foi a chuva
desta semana. Na última visita, também fazia frio e chovia, e mesmo
assim eles tinham adorado Lisboa.
Não foi a
quantidade enorme de construção que fere a cidade por todo o lado,
porque isso já acontecia há uns meses atrás.
Não foi também o
que eles entretanto leram sobre a ensarilhada situação financeira
do país. Sim, isso preocupou-os, mas os negócios deles são
internacionais e não dependeriam da economia portuguesa, embora,
claro, a economia portuguesa tivesse a ganhar com eles, porque viriam
criar riqueza e empregar pessoas em Lisboa.
Portugal, porém, no
espaço de três dias, mostrara-lhes uma das suas falhas mais
antigas, uma coisa que todos temos testemunhado, mas uma coisa que eu
pensava já estar a acabar, especialmente em Lisboa. Em resumo:
Lisboa sujeitara-os a três dias de falta de profissionalismo, à
moda antiga, com uma fúria forte e feia.
Primeiro,
aconteceu-lhes chegar ao apartamento alugado através de um dos
grandes sites de alugueres, e descobrir que, afinal, não
correspondia em nada ao anúncio, nem sequer satisfazia as suas
necessidades. Mas quando se atreveram a pedir de volta o (vasto)
pré-pagamento, a mulher que lhes alugara a casa, como vingança,
denunciou-os publicamente no facebook, clamando mentirosamente que
lhe tinham danificado a casa (por onde não passaram mais do que 24
horas), e devolveu-lhes apenas metade do (vasto) pagamento que tinha
pedido por um apartamento que afinal não tinha nada a ver com o que
anunciara.
Felizmente, os meus
amigos encontraram outra casa no mesmo site, uma casa melhor e maior,
mas, como é óbvio, ainda mais cara. A alegria, porém, não durou.
Na primeira manhã nessa casa, acordaram às oito horas, ao som de
obras de construção no andar de baixo. O senhorio que lhes alugara
essa casa escondera-lhes que havia obras no prédio, que essas obras
já tinham começado há quinze dias, e que iam durar mais um mês –
precisamente o mês que eles iam ficar em Lisboa.
Depois, pelo menos
duas instituições das quais os meus amigos precisavam de respostas
definitivas, sem as quais não podem mudar-se para cá, não se
mostraram capazes de dar essas respostas, nem de lhes dizer quando as
dariam. Houve ainda vários outros incidentes com lojas e serviços,
que não vale a pena contar. Todos lhe mostraram, de modo brutal, um
lado de Portugal que, felizmente, a maior parte dos visitantes de
hoje já não vê, e que fazem parte da crónica de um país sem
profissionalismo e sem graça. Quando é que haverá aulas de
profissionalismo nas escolas, independentemente das áreas
vocacionais?
Que diferença é
que podem fazer estas más experiências? Muita. Lisboa é ainda em
larga medida um mercado emergente para turistas e residentes
estrangeiros. Londres, Paris ou Madrid também têm os seus
“unprofessionals”, como é óbvio, mas essas cidades são
suficientemente reputadas pela enorme oferta que têm a todos os
níveis, e um incidente nunca dissuade um turista de voltar ou um
estrangeiro de ficar. Mas Lisboa não é assim. Depois de uma má
experiência, porque há-de um turista regressar, ou um estrangeiro
fixar residência aqui?
Tentei convencer os
meus amigos de que estes três dias foram uma simples e azarada
acumulação de coincidências, e que normalmente a vida em Portugal
não é assim. Argumentei que estes três dias são o pior que pode
acontecer em Portugal, e que, tendo presente as coisas catastróficas
que ocorrem em outros países em que eles já viveram — países
muito mais perigosos e corruptos — Portugal é canja.
Espero que eles
ainda acabem por decidir ficar, para ver como coisas mudaram.
Sem comentários:
Enviar um comentário