Partidos
já admitem revisão pontual do acordo ortográfico
O
presidente da Academia das Ciências de Lisboa, Artur Anselmo, vai à
Comissão Parlamentar de Cultura apresentar a sua proposta de
melhorar o Acordo sem o deitar fora.
LUÍS MIGUEL QUEIRÓS
7 de Fevereiro de 2017, 7:47
O presidente da
Academia das Ciências de Lisboa (ACL), Artur Anselmo, vai hoje à
Comissão Parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto
defender que o Acordo Ortográfico de 1990 (AO90) deve ser revisto e
melhorado, e que é possível fazê-lo sem rasgar o tratado
internacional que o sustenta. Que haveria vantagens em se corrigir
alguns aspectos do Acordo é uma convicção que hoje parece bastante
consensual mesmo entre os partidos que o aprovaram, mas adivinha-se
que Artur Anselmo terá alguma dificuldade em conseguir convencer o
Parlamento de que Portugal deve introduzir as melhorias que entender
necessárias na norma euro-africana, sem as negociar previamente com
o Brasil.
A delegação da ACL
a esta audição, proposta pelo Bloco de Esquerda e agendada para as
15h, incluirá ainda o escritor e histórico socialista Manuel
Alegre, o jurista Martim de Albuquerque, ex-director da Torre de
Tombo, e Ana Salgado, a lexicógrafa que orientou a elaboração do
documento Sugestões para o aperfeiçoamento do Acordo Ortográfico
da Língua Portuguesa, que a Academia aprovou na semana passada, com
18 votos contra 5, e que pretende ser um ponto de partida para se
discutir a revisão do A090.
O presidente da
Academia afirma-se "optimista" e cita um título do
escritor oitocentista Alberto Pimentel — O que Anda no Ar — para
justificar a sua confiança. "O que me chega dos jornais e da
Internet parece-me simpático para a posição da Academia e para a
sua linha de actuação, que é isenta e não pretende agravar
ninguém", diz. E acredita que "há hoje em Portugal um
ambiente mais saudável e amadurecido, que permite o diálogo e o
confronto de opiniões". E esta audição solicitada pelo BE,
bem como a recente proposta do PSD, redigida pelo deputado José
Carlos Barros, sugerindo a criação de um Grupo de Trabalho que
avalie o impacto do AO90 e verifique até que ponto os seus
propósitos estão a ser cumpridos, são também sinais de que a
Assembleia da República parece disposta a discutir seriamente a
possibilidade de uma revisão do AO90.
O deputado bloquista
Jorge Campos, um dos vice-presidentes da Comissão Parlamentar de
Cultura, presidida pela socialista Edite Estrela, sublinha que o BE
"não considera o AO uma prioridade", mas quer "perceber
melhor" o que Artur Anselmo propõe, e aquilo que "está
efectivamente em causa quando fala de pequenas intervenções que
podem tornar o Acordo mais claro".
Reconhecendo que
algumas dessas alterações lhe "parecem sensatas" e que o
seu partido é "sensível aos argumentos adiantados para se
melhorar" o AO90, Jorge Campos lembra, no entanto, que "o
Acordo está assinado" e que se trata de um tratado
internacional, relativamente ao qual a Assembleia da República (AR)
"pode fazer recomendações, mas não mais do que isso".
Também a deputada
socialista Gabriela Canavilhas, ex-ministra da Cultura, salienta que
"as posições políticas estão tomadas" e que "não
há enquadramento para alterações profundas", mas reconhece
"dificuldades em algumas decisões tomadas no quadro do AO",
acrescentando que "ninguém nega a vantagem de haver acertos".
Mas se a Academia de Ciências quer propor alterações, que a
deputada até considera "bem-vindas", terá de as articular
com as instituições congéneres dos outros países abrangidos pelo
tratado.
"Não pode
haver iniciativas unilaterais por parte de país nenhum, e espero que
o presidente da Academia tenha articulado a sua posição com as
academias dos outros países e com o Instituto Internacional da
Língua Portuguesa, que tem a seu cargo a elaboração do Vocabulário
Ortográfico Comum, que é a sede própria para se estabelecer
alterações ao Acordo", diz Canavilhas.
Argumentando que "o
que cabe aos políticos é decidir a estratégia nacional", e
não os aspectos técnicos do AO90, a deputada continua a rever-se na
ideia de que este tratado veio "evitar a fragmentação da
língua portuguesa, que estava a dividir-se em duas". E acredita
que "se não houvesse unificação, passaríamos a ser uma
língua usada por apenas dez milhões", já que os restantes
países iriam "descolar para outras formas de falar e escrever
português".
O deputado
social-democrata José Carlos Barros também admite que "houve
intenções recomendáveis" no AO90, como o de "reforçar o
papel do Português como língua de comunicação internacional",
mas não lhe parece evidente que esse propósito esteja a ser
cumprido, e ainda menos o objectivo de definir uma base ortográfica
comum. "Todos reconhecemos que o Acordo veio provocar uma grande
instabilidade ortográfica, mas quando é a Academia de Ciências,
com as competências que tem, a dizer isso mesmo, afirmando que o
texto é ambíguo, omisso e lacunar, não podemos ignorar essa
posição".
Tal como Jorge
Campos e Gabriela Canavilhas, o social-democrata acha que "não
devem ser os políticos a discutir hífenes ou facultatividades",
mas recorda que a AR "aprovou o Acordo com grandes consensos
políticos e partidários", e que se este não está a cumprir
os desígnios que ditaram a sua criação, os deputados não podem
deixar de discutir o problema. Garantindo que o Grupo de Trabalho que
o PSD propôs não nasce com "conclusões prévias", José
Carlos Barros diz que o seu objectivo "é fazer, com a ajuda da
comunidade científica, um ponto da situação da aplicação do
Acordo, e só depois apresentar as recomendações que se vierem a
justificar".
O próprio Artur
Anselmo sublinha que a ACL não partilha "a ideia radical de
rasgar tudo o que está feito". A questão é a de saber se
aquilo que propõe não levanta questões legais equivalentes, já
que se trataria de decidir o que faz sentido alterar na (e
exclusivamente para a) norma europeia, sem qualquer negociação com
o Brasil. "Os brasileiros fizeram o mesmo quando rasgaram a
convenção de 1945, após a morte de Getúlio Vargas, e convivemos
lindamente com as normas brasileira e africana até 2010",
argumenta.
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