PARABÉNS !
Guilherme Pereira !
OVOODOCORVO
Em
defesa da Baixa
A
especialização no turismo é má para um urbanismo vivo e
multifuncional, como sempre foi: torna-se uma ilha, corpo estranho à
cidade.
GUILHERME PEREIRA
25 de Fevereiro de
2017, 6:48
Nestes últimos anos
na Baixa os hotéis passaram de três para 21, as lojas de artesanato
português de 24 para 17, as de souvenirs importados da Ásia,
pretensamente representativos de Lisboa, passaram de nove para 90.
Fecharam, por despejo ou por aumento de renda não comportável, 117
estabelecimentos, mais de 20% dos comércios existentes. Desde o
início deste ano, chovem as denúncias de contratos por parte dos
senhorios: Tabacaria Martins, Paris em Lisboa, só entre os
conhecidos. Os emblemáticos restaurantes Palmeira, Central da Baixa,
Fernando, Pessoa, o Bar Pirata encerraram não por falta de clientes,
viáveis que eram, em normal funcionamento.
Esta especialização
na hotelaria e no turismo está a esvaziar a Baixa de moradores e a
expulsar o comércio local. Justificam-se para viabilizarem obras de
restauro e reabilitação. Mas a maior parte das atividades
recém-instaladas são-no em prédios não reabilitados: das grandes
renovações, 16 foram para hotéis; 44 prédios foram para
habitação, comércio, alojamento local; 11 para residências de
luxo. Este último segmento virá a ser a próxima vaga de
construção. Só por observação exterior, 22% dos prédios da
Baixa precisam de obras, 31% aparentam aceitável estado de
conservação e 46% não precisam ou já foram reabilitados. Prédios
já despejados continuam expectantes e sem obras. Uma paisagem algo
contraditória: prédios degradados, prédios pouco ou não renovados
e prédios totalmente remodelados para residências ou hotéis.
Denota-se a sistemática demolição do interior, só ficando a
fachada.
A estrutura
pombalina desaparece e, com ela, azulejos, escadarias, gaiola
anti-sísmica, telhados, sobrados — e um modo construtivo único! É
isto reabilitar? O interior com as características do pombalino —
azulejos, escadarias, gaiola anti-sísmica, telhados, sobrados — é
de preservar. A manutenção da Ginjinha Eduardino ou da Ourivesaria
Aliança em prédios renovados, conservando paredes graças a uma
cofragem, são exemplo a seguir, pois “as paredes também falam”.
E percebe-se agora porque não se prosseguiu com a classificação da
Baixa e Chiado a Património da UNESCO em 2004: havia que preservar o
edificado pombalino! Surgem fantasistas lojas, pastiches para turista
ver! É construção anti-sísmica? Assiste-se a uma retoma da
construção e do imobiliário, agora virados para o mercado externo.
A Baixa e todo o
país tornaram-se um paraíso fiscal! A lei do arrendamento é o
primeiro instrumento, mas não o único, dessa invasão de capitais e
gentes. Por outro lado, desde 2014 que a classificação das Lojas
com História se arrasta, com critérios de classificação pouco
claros e vagos. Como justificar que a Paris em Lisboa, Manuscrito
Histórico, Livraria Bertrand, Joalharia do Carmo, Ourivesaria
Aliança, Ginjinha Rubi não figurem entre as primeiras
classificadas? Será esta classificação garantia efetiva de
proteção contra despejo ou remodelação?
Paralelamente à
invasão de turistas, ocorre a abertura por indostânicos de lojas de
recuerdos, o que associado às autorizações de imigração
irregulares deixa supor um complexo processo de interesses. Mas a
maior invasão é sem dúvida o da atribuição de vistos a quem
“investe” em residências de luxo e a compra de quarteirões,
prédios inteiros, por fundos e capitais estrangeiros, com isenções
e benefícios fiscais. Surgem fantasistas lojas, pastiches para
turista ver! Maisdo que gentifricação, substituição de moradores
antigos de rendas baixas por novos residentes mais abonados, é uma
substituição por públicos forasteiros, uns de curta permanência
deambulando pelas ruas, outros em seus novos apartamentos.
Outro fenómeno: a
substituição de antigas atividades, prósperas e dinâmicas, por
novos negócios. Exemplo: a não renovação de arrendamento à Paris
em Lisboa para dar lugar a mais uma Padaria Portuguesa é o exemplo
de como novos negócios querem expulsar os já existentes, isto
quando bem perto existe uma outra loja da mesma cadeia! Para quê
trocar um estabelecimento de primorosa decoração, bela fachada, por
uma padaria igual a tantas outras e sem valor estético? Percebe-se
uma movimentação da câmara e do Parlamento em ano de eleições,
para a classificação e proteção de Lojas com História, que
tarda. A própria autarquia pouco tem feito através dos
licenciamentos de novas construções, como em outras épocas o
município levou a cabo e com sucesso.
A sobrecarga dos
transportes públicos agrava-se: mal chegam para a procura local,
quanto mais para os de fora! Elétricos cheios, quando outros passam,
mais caros ou para circuitos turísticos. Não deverá a Carris
comprar novas carruagens para o serviço público e afetar as antigas
para serviço turístico?
Concluindo — a
Baixa vive um abalo, não sísmico, mas global. Ao invés da Cidade
do Panamá, onde os capitais se escondem em escritórios, aqui
alojam-se em prédios renovados onde só a fachada pombalina subsiste
para turista ver! A especialização no turismo é má para um
urbanismo vivo e multifuncional, como sempre foi: torna-se uma ilha,
corpo estranho à cidade. Reabilita o que estava em ruínas? Mas para
quem e como? Para a construção civil e a especulação imobiliária
retomarem os seus ganhos. Para tal impõe-se a revisão da lei do
arrendamento. Os “pequenos” capitais mundiais também vieram,
ocupando vãos de escada, pequenas lojas, num inverso caminho
marítimo para a Índia, por indostânicos portadores não de
especiarias, mas de recuerdos low cost, que ainda mais adulteram a
imagem da cidade! Entram milhões? Mas quantos destes vão para os
empregados na construção, hotelaria e restauração? Quanto para a
melhoria de transportes? Quanto para a construção anti-sísmica?
Quanto para a criação de museus, reabilitação do património,
comércio, indústria, artes e ofícios? E para nova habitação “a
preços locais”? E quantos desses milhões voltam a sair sem deixar
rasto nem ganho?
Sociólogo
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