Maldita
Lituânia
Portugal
continua nos cuidados intensivos. Felizmente está melhor, mas ainda
não se curou.
MANUEL CARVALHO
22 de Fevereiro de
2017, 6:20
Nestes dias de muito
boas notícias (o desemprego em baixa, o crescimento em alta, o
défice finalmente domado na casa dos 2%), os desmancha-prazeres do
Expresso deram-se ao desplante de titular na primeira página do
último sábado: “PIB: Lituânia ultrapassa Portugal em 2017”. No
actual clima de ranço e ódio que abunda nas redes sociais, quando
ter uma opinião é um risco que ou leva à condenação por
serventia ao Governo ou submissão à oposição, a notícia de
desempenhos como o da Lituânia servirá apenas de festa para alguns
e de desdém para outros tantos. Mas, esqueçamos por um momento esse
país a preto e branco que a devoção acéfala ou o ódio bafiento à
“geringonça” suscita e comparemos os resultados da frente
económica com os resultados dos outros. Não, não é para
desesperar: é apenas para firmar os pés na terra e evitar o
embandeiramento em arco que há tão pouco tempo nos levou ao limiar
do precipício.
Comecemos pelo
princípio, pelos dados da economia e das finanças, para esclarecer
o óbvio: Portugal vive um dos seus mais esperançosos períodos da
última década. Os resultados que os ministros da Economia, das
Finanças ou o primeiro-ministro apresentaram ficaram muito para lá
das melhores expectativas. Raramente houve igual fundamento para um
Governo abrir o peito às balas da oposição e reclamar louros.
Negar é realidade só se faz por ressabiamento, fundamentalismo
partidário ou ideológico ou por mau perder. Diga-se o que se disser
(e nesta coluna disseram-se muitas coisas sobre os limites do modelo
do Governo para a economia), António Costa, Mário Centeno e Manuel
Caldeira Cabral estão em alta. Não apenas por causa dos indicadores
fechados em 2016 mas, principalmente, porque em causa está uma
tendência de aceleração no crescimento, no emprego e no
investimento que podem tornar 2017 ainda mais optimista.
Só que fazer destes
dados uma festa que ilustra a genialidade do Governo e atesta a
incompetência da oposição é como comer batatas com batatas e
exibir no rosto uma satisfação pantagruélica. Os resultados,
principalmente o do crescimento de 1.4%, só são bons porque
deixámos de ter expectativas. Perante os erros da troika, a
vacuidade do anterior governo e a fragilidade e inconsistência
programática do actual, face à dívida, ao rating da República à
condição da Europa e do Mundo, limitamo-nos trocar estados de alma
ao ritmo dos resultados trimestrais. Há 30 anos jurávamos a pés
juntos que haveríamos de ser prósperos e modernos como os alemães;
agora, nem sequer somos capazes de ser tão ricos como a Lituânia,
ou Malta, ou Chipre, ou a Eslováquia, ou a República Checa. Ficámos
para trás, cada vez mais perto da cauda da Europa.
Os resultados só
são bons porque contrariam o pessimismo e a falta de confiança que
uma boa parte do país depositou no Governo. E são-no também porque
depois de 2000 nos viciámos no discurso da sobrevivência, ou da
resistência, e alimentámos o vício com doses industriais de
desesperança. Foram-nos dizendo que o problema se resolveria com
tempo, com dádivas da Europa, com o brilho da nova geração de
crânios ou de empresas e muitas reacções aos novos indicadores da
economia parecem legitimar essa expectativa sobre a existência de
milagres. Com excepção dos anos da troika, em que o sobressalto fez
disparar as exportações, reinventou a agricultura e nos levou a
desprezar a protecção aos “campeões nacionais” designados na
secretária de Ricardo Salgado, José Sócrates e quejandos, gostamos
de viver na modorra. O Governo de António Costa, com o floreado do
virar da página é de alguma forma o regresso a essa vida calma,
previsível, onde crescer 1.4% até é bom. O mundo, infelizmente,
não é bem assim.
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