Presidente
aceita manutenção de Centeno “por estrito interesse nacional”
Numa
nota, Marcelo confirma ter recebido o ministro da Finanças e ter
ouvido a sua admissão de “eventual erro de percepção mútuo na
transmissão das suas posições”.
Leonete Botelho
LEONETE BOTELHO 13
de Fevereiro de 2017, 23:57 actualizada às 0:30
O Presidente da
República aceita que o ministro das Finanças se mantenha em funções
“atendendo ao estrito interesse nacional, em termos de estabilidade
financeira”. Disso mesmo dá conta numa nota publicada na noite
desta segunda-feira (23h47) no site da Presidência, em que confirma
ter recebido Mário Centeno em Belém e dele ter ouvido a admissão
de um “eventual erro de percepção mútuo na transmissão das suas
posições”.
Em cinco pontos,
Marcelo Rebelo de Sousa põe os pontos nos ii no caso da polémica em
torno das declarações de rendimentos dos ex-administradores da
Caixa Geral de Depósitos. Depois de confirmar ter recebido o
ministro das Finanças “a pedido do senhor primeiro-ministro”,
afirma que Mário Centeno lhe “deu conhecimento prévio da
comunicação que iria fazer ao país”.
Depois, enuncia os
pontos que considera essenciais. O primeiro é ter registado as
explicações do ministro, “bem como a decorrente disponibilidade
para cessar as suas funções, manifestada ao senhor
primeiro-ministro”. A este ponto regressa no fim da nota, onde
afirma “aceitar” a posição de António Costa, que lhe comunicou
manter a confiança em Mário Centeno.
Mas deixa claro que
apenas “aceitou tal posição, atendendo ao estrito interesse
nacional, em termos de estabilidade financeira”.
Da conversa com o
ministro das Finanças, Marcelo diz ter tomado “devida nota, em
particular, da confirmação da posição do Governo quanto ao facto
de a alteração do Estatuto do Gestor Público não revogar nem
alterar o diploma de 1983, que impunha e impõe o dever de entrega de
declarações de rendimento e património ao Tribunal
Constitucional”.
Posição essa que
afirma ter sido “desde sempre perfilhada pelo Presidente da
República – aliás, como óbvio pressuposto do seu acto de
promulgação – e expressamente acolhida pelo Tribunal
Constitucional”.
No terceiro ponto, o
chefe de Estado sublinha ter retido também a admissão, por Mário
Centeno, de “eventual erro de percepção mútuo na transmissão
das suas posições”, o mesmo argumento que o ministro reproduziu
na conferência de imprensa desta tarde.
Já o quarto ponto
serve para Marcelo responder às críticas de que foi alvo nos
últimos dias, sobretudo no PSD, por se ter entendido que saiu em
defesa do ministro das Finanças. “A interpretação autêntica das
posições do Presidente da República só ao próprio compete”,
lê-se na nota presidencial.
Com esta nota, o
Presidente tenta pôr um ponto final a uma polémica que também já
o atingia. Por um lado, deixa claro que a manutenção de Mário
Centeno se deve apenas ao interesse nacional, ou seja, que não ficou
convencido com as explicações por ele dadas.
Por outro, afirma
que sempre foi seu entendimento que a subtracção dos
administradores da CGD ao estatuto de gestor público não os
dispensava de apresentar as declarações de rendimentos ao Tribunal
Constitucional. Algo que já sugeria em Novembro, quando emitiu uma
nota a deixar claro que entendia que se mantinha a obrigatoriedade
das declarações.
Por último, com o
quarto ponto, vem sugerir que aqueles que entenderam as suas
afirmações da semana passada sobre o caso como um apoio inequívoco
a Centeno podem estar enganados. E assim tentar estabelecer algumas
pontes com o PSD, que depois daquelas declarações se desdobrou em
críticas ao Presidente da República.
Centeno
garante que não houve troca de correspondência com Domingues e não
mostra SMS
Centeno
revela que colocou o lugar “à disposição” do
primeiro-ministro, explica por que razão entende que não mentiu à
comissão de inquérito sobre a CGD e admite que houve "erros de
perceção mútuos" no acordo que fez com Domingues
13.02.2017 às 17h53
O Ministro das
Finanças, Mário Centeno, disse ter colocado o seu lugar
"naturalmente à disposição" do primeiro-ministro António
Costa. "Reiterei que o meu lugar está à disposição desde o
dia em que assumi funções", afirmou esta segunda-feira em
conferência de imprensa, em reação à polémica em torno dos
compromissos assumidos com António Domingues e a sua equipa quando
estes foram convidados para administrar a Caixa Geral de Depósitos
(CGD).
"Não pedi a
minha demissão. Reiterei que o meu lugar está a disposição",
repetiu Centeno em resposta aos jornalistas. "A verdade é que
nunca neguei que houvesse acordo [sobre a alteração do estatuto do
gestor público], só que ele não envolvia a eliminação do dever
de entrega das declarações de rendimentos [ao TC]", disse o
ministro. "Acordo do Governo para alterar o estatuto claro que
houve, acordo para eliminar aquele dever não houve."
O ministro das
Finanças fez ainda referência especificamente à entrega das
declarações de rendimentos, admitindo "um eventual erro de
perceção mútuo" com António Domingues, que o tenha levado a
entender que o acordo "poderia cobrir de alguma forma a
eliminação do dever de entrega da declaração ao Tribunal
Constitucional".
Centeno garante que
deu conhecimento da situação ao primeiro-ministro e ao Presidente
da República, explicando "detalhadamente o processo".
O ministro rejeitou
ainda ter mentido à comissão de inquérito parlamentar da CGD. Isto
porque, a 13 de janeiro, o ministério das Finanças disse que
"inexistiam" trocas de comunicações com António
Domingues. A resposta surgiu depois de o CDS, em novembro, ter pedido
toda a "correspondência e documentação trocada, nomeadamente
por correio electrónico, entre o Ministério das Finanças e o dr.
António Domingues, após a reunião de 20 de Março de 2016, de
alguma forma relacionadas com as condições colocadas para a
aceitação dos convites para a nova administração" do banco
público.
"A resposta que
demos correspondia ao entendimento que tínhamos desse mesmo
requerimento e, por isso, referíamos a não existência de
comunicações no âmbito e escopo da questão que nos foi
levantada", respondeu esta segunda-feira. Quer isto dizer que,
segundo Centeno, não houve troca de correspondência. Para Centeno,
a receção de uma carta, a de Domingues, não é "troca"
porque não foi respondida, apenas rececionada. E será este
entendimento que reitererá quando na quarta-feira, no Parlamento,
for, como tudo indica, questionado pelo CDS.
O ministro diz ter
tido "várias reuniões de trabalho" com António Domingues
e nelas foi discutida "a substância" do que seria o
decreto-lei que iria alterar o estatuto público. "Esse foi um
ato legislativo público, escrutinado, do perfeito e total
conhecimento do dr. António Domingues." E confirmou que esse
trabalho foi feito com uma equipa de "técnicos, juristas e
consultores financeiros, que estavam a colaborar em todo o processo e
com o perfeito conhecimento do Ministério das Finanças".
CARTAS E SMS COM
DOMINGUES
O tema da Caixa
Geral de Depósitos assumiu novos contornos na semana passada, depois
da divulgação de uma carta enviada por António Domingues a Mário
Centeno, avançada pelo jornal "Eco". Nela, o gestor fazia
referência à não entrega das declarações como “uma das
condições acordadas para aceitar o desafio de liderar a gestão da
CGD e do mandato para convidar os restantes membros dos órgãos
sociais”.
Desde então, Mário
Centeno tem sido confrontado com várias perguntas sobre quais foram
de facto os compromissos assumidos com António Domingues. Ainda na
semana passada, o CDS pediu acesso aos SMS trocados entre ambos, para
além das cartas e emails anteriormente requeridos.
Sobre as suas
comunicações com Domingues, Mário Centeno lembra que são
"privadas", mas que em todas o que fez foi "garantir
que o estatuto ia ser alterado, que a Caixa iria ficar isenta de
implementação do estatuto, sem nenhuma restrição adicional",
respondeu o ministro aos jornalistas, esta segunda-feira. "Isto
valia para questões como as remunerações, avaliação,
incompatibilidades que estão contidas no decreto-lei sobre o
estatuto."
Outra das questões
levantadas recentemente surgiu no domingo, quando Marques Mendes
acusou o Governo de ter manipulado a data de publicação do
decreto-lei para alteração do estatuto do gestor público para que
passasse despercebido aos deputados.
Em relação a essa
demora, Mário Centeno aponta a "extrema dificuldade" das
negociações em que o Governo se encontrava nessa altura "em
várias cidades europeias". "A importância que teve
obrigava a que todas as cautelas fossem mantidas."
Em entrevista ao
jornal "Eco", esta segunda-feira, Pedro Nuno Santos afastou
a responsabilidade de Mário Centeno, garantindo que o ministro não
mentiu e mantendo a confiança no governante.
“House
of Cards” na Caixa Geral de Depósitos
José Manuel
FernandesSeguir
13/2/2017, 18:31
Ao dizer que só com
"alguma coisa assinada" por Centeno se poderá dizer que
ele se comprometeu com os gestores da Caixa, Marcelo está a dizer
que a palavra dada por um político não tem qualquer valor.
É como nas cebolas:
por cada camada que se retire, há mais uma camada que surge. Todo o
processo da Caixa Geral de Depósitos é feito de uma sucessão de
disfarces e cinismos que nos recordam o pior do jogo político, ao
estilo de uma “House of Cards” doméstica, onde já vimos que
vale tudo.
O ponto em que hoje
se encontra o debate é lamentável. E quem o fez descer a esse nível
mais rasteiro foi o Presidente da República, em concubinato com o
Governo. Disse o primeiro, corroborou o segundo: uma mentira só é
mentira se houver uma assinatura. O que significa que, para os mais
altos representantes do Estado português, a palavra dada não tem
valor. Só vale a palavra escrita. Falta saber se, no fim do dia,
ainda vão exigir reconhecimento presencial num notário.
Se logo na altura em
que o caso se tornou público era evidente a hipocrisia e a manha
patentes em todo o processo, agora ultrapassaram-se todos os limites
da decência. Com a gravidade adicional de ser o Presidente da
República “himself” a ultrapassar esses limites.
Mas recapitulemos o
que se passou, pois já não há muitas dúvidas sobre como decorreu
o processo do convite a António Domingues para presidir à
administração da Caixa Geral de Depósitos:
1. António
Domingues, que planeava reformar-se do BPI no final de 2016, aceitou
o desafio de liderar a CGD colocando um conjunto de condições.
Entre essas condições contava-se, formuladas logo em Março do ano
passado, isentar a equipa de gestão das regras do gestor público,
quer no que respeita aos limites colocados aos vencimentos dos
gestores, quer sobretudo no que se refere à obrigatoriedade de
depósito da declaração de rendimentos no Tribunal Constitucional.
2. A equipa do
Ministério das Finanças – Mourinho Félix e Mário Centeno –
aceitaram essas condições e agiram em conformidade. Como sabemos
isso? Sabemos porque essas condições foram colocadas por escrito,
por António Domingues, tal como consta dos mails já conhecidos.
Sabemos porque não existe nenhum mail dos responsáveis do
Ministério a contrariar os termos da combinação e porque Domingues
aceitou o convite. Sabemos também porque, depois desta combinação,
os advogados contratados por António Domingues começaram a
trabalhar nas alterações legislativas, que fizeram seguir para o
Ministério.
3. Desde o primeiro
momento que o Governo tinha consciência dos problemas que esta
alteração legislativa levantava, nomeadamente ao contrariar o
disposto na lei de 1983. Nem se imagina que outra coisa pudesse
suceder: o primeiro-ministro é um jurista, o Presidente da República
até era ministro dos Assuntos Parlamentares na altura em que essa
lei foi aprovada. No entanto alterar a lei de 1983 exigia que o
diploma fosse ao Parlamento, e o Governo sabia que isso era
politicamente delicado. Optou-se por isso por um decreto-lei, a ver
se a coisa passava. E actuou-se com manha, adiando um mês a
publicação do Diário da República desse decreto-lei para que tal
só acontecesse no preciso dia em que a Assembleia entrava de férias.
4. O Presidente da
República nunca esteve de acordo com esta solução, mas antes do
Verão, quando o plano de recapitalização ainda não tinha obtido a
primeira indicação de aprovação em Bruxelas, aceitou engolir o
sapo. Em Outubro, já com a administração em funções e o plano
pré-aprovado pelas autoridades europeias, liberta, via Marques
Mendes, a bomba: o decreto-lei afinal não previa a obrigatoriedade
da entrega da declaração de rendimentos. Como se de um anjinho se
tratasse, Mendes interrogava-se melosamente: “Ou é um lapso,
admito que seja, que tem de ser corrigido rapidamente, ou foi de
propósito e é muito mais grave”.
5. Na terça-feira
seguinte, ingenuamente (ou credulamente?), Mourinho Félix começou
por esclarecer que se tratava de “uma solução combinada” com a
Direção Geral da Concorrência da Comissão Europeia e que “os
gestores da CGD terão obrigações de escrutínio de idoneidade
maiores do que os políticos ou os titulares de altos cargos
públicos”, mas sem acesso do público em geral às suas
declarações de rendimentos. O próprio Ministério das Finanças
começaria por, numa nota, reafirmar essa interpretação, para
corrigir o tiro horas depois. Rapidamente o spin governamental tratou
de virar o bico ao prego e construir uma outra narrativa. A que tem
vigorado desde então.
6. O cinismo de
algumas declarações públicas atingiram então níveis capazes de
tirar a respiração mesmo aos argumentistas do “House of Cards”.
António Costa, que tinha reunido a 2 de Junho com Domingues antes de
este avançar com mais convites, que chegou a interromper um conselho
de ministros para lhe dar luz verde, e que não podia senão estar
por dentro das condições colocadas pelo gestor, tratou de tirar o
corpo da polémica com a declaração mais sibilina de todo este
processo: “Eu entreguei a minha declaração…” Sim, e depois?
Não era isso que estávamos a discutir. Mas como facada nas costas
não ficou nada mal. Lembra a cena, logo no início de “House of
Cards” em que Frank Underwood esgana um cão que tinha sido
atropelado, concluindo que, em política, não se pode ter hesitações
ou piedade. António Costa não diria melhor.
7. Devo dizer,
contudo, que Marcelo Rebelo de Sousa conseguiu ir ainda mais longe.
Depois de, em Junho, ter estendido o tapete a António Domingues ao
assinar o decreto-lei que o Governo lhe enviou, depois de em Outubro
lhe ter tirado o tapete por interposto Marques Mendes, faz o que
nenhum Presidente antes dele fizera: um comunicado que é, ao mesmo
tempo, um parecer jurídico à atenção do Tribunal Constitucional e
uma sugestão ao Parlamento para que legisle em conformidade.
Tudo isto, ou quase,
já se sabia antes de, na Assembleia da República, se ter aprovado a
lei que tornou claro que os gestores da Caixa teriam mesmo de
entregar a sua declaração de rendimentos. E de estes se terem
demitido. O que agora vamos conhecendo são novos pormenores e a
certeza de que Mário Centeno mentiu quando disse aos deputados que
nada tinha combinado com António Domingues. Não só combinou, como
isso decorre dos emails já conhecidos, nos quais se chega ao detalhe
de perguntar ao gabinete de advogados que estava a trabalhar com o
gestor qual a melhor versão para o texto que estava a ser preparado
para o decreto lei. E não só combinou as combinou as condições,
como combinou a melhor estratégia para as fazer passar, algo que
ficará claro quando se conhecer o conteúdo dos SMS.
O Presidente terá
perguntado ao primeiro-ministro se havia algum papel assinado por
Mário Centeno, e quando lhe disseram que não, atravessou-se pelo
ministro. Talvez não considere “papel assinado” trocas de SMS.
Talvez não considere que o facto de “inexistirem” mails de
resposta à listagem das condições colocadas por António Domingues
representa, implicitamente a sua aceitação. Talvez também ache que
a palavra do ministro vale tanto como uma vichyssoise, por muito
estranho que isso possa parecer.
O secretário de
Estado combinou, o ministro fechou o acordo, o primeiro-ministro deu
o aval e a garantia, o Presidente colocou a sua assinatura num
decreto-lei sem desconhecer as intenções de quem o redigira. Depois
o Presidente puxou o tapete, o primeiro-ministro fez uma finta e
tirou o corpo fora, o ministro atrapalhou-se e mentiu no Parlamento e
o secretário de Estado meteu os pés pelas mãos. Todos, com a maior
das friezas e requintes de cinismo, trataram de deixar todo o ónus
nos gestores que tinham convidado para a Caixa e com os quais se
tinham comprometido.
Há quem aprecie
esta forma de fazer política. Eu prefiro ficar-me pela ficção do
“House of Cards”.
PS. Foi penoso
assistir à conferência de imprensa de Mário Centeno, onde procurou
demonstrar o indemonstrável. Em nenhum momento explicou como foi
possível chegar a acordo com António Domingues sem cumprir a sua
principal exigência, a de que não haveria “obrigações de
publicidade, transparência ou de declaração” dos rendimentos,
como está escrito, preto no branco, nos mails trocados com o
Ministério. Foi também penoso repetir a desculpa invocada para o
atraso na publicação do decreto-lei, referindo as negociações em
curso com Bruxelas. Uma lei já pronta e assinada pelo Presidente à
espera de “retoques”? Não faz sentido. Uma lei à espera do fim
das negociações nas instâncias europeias publicada no fim de Julho
quando estas só acabaram no fim de Agosto? Não faz sentido. Porque
não falam com verdade, ao menos por uma vez?
A
penosa conferência de imprensa de Mário Centeno
Essa
postura de cadafalso poderá ser-lhe útil, na medida em que serve
como um acto de semicontrição que o pode aguentar no Terreiro do
Paço.
João Miguel Tavares
14 de Fevereiro de
2017, 6:58
Aquilo não foi bem
uma conferência de imprensa. Foi mais uma sessão de tortura
transmitida em directo, com a curiosidade de o torturado ser, ao
mesmo tempo, o torturador. Nunca tinha visto nada assim. Mário
agredia Centeno, Centeno pontapeava Mário, Mário esmurrava Centeno,
Centeno espancava Mário. Foi uma conferência de imprensa onde o
ministro das Finanças abria a boca e a gente via, como nos desenhos
animados, um Mário angelical a segredar-lhe ao ouvido direito “diz
a verdade, diz a verdade, diz a verdade”, e um Centeno diabólico a
berrar-lhe ao ouvido esquerdo “esconde, esconde, esconde”. No
meio disto, estava um homem perdido, dois hemisférios cerebrais em
conflito, a tropeçar a cada três palavras, com uma cadência de
discurso semelhante ao de uma professora primária em dia de ditado,
constantemente alimentado por uns papelinhos que lhe eram passados
pelos colegas de mesa, com as frases que deveria dizer.
Há um lado bonito
nisto: o ministro das Finanças é um péssimo mentiroso, e,
portanto, esforçou-se ao máximo para se equilibrar na finíssima
linha que separa a verdade da mentira – se ele fosse demasiado
verdadeiro, iria admitir o que andou a negar durante meses; se fosse
demasiado falso, daria o flanco a uma futura divulgação de
correspondência comprometedora. É por isso que já vimos pessoas em
funerais bastante mais animadas do que Mário Centeno naquela penosa
conferência de imprensa, misturando uma espécie de mea culpa (a
custo, lá admitiu que possa ter havido um “erro de percepção
mútuo” entre ele e António Domingues) com uma espécie de clamor
de inocência. Centeno garante que aquilo que foi acordado entre
ambas as partes foi a exclusão do Estatuto de Gestor Público e não
a dispensa de declarações de património junto do Tribunal
Constitucional. É verdade. Só que, como é evidente, ambas as
partes pressupunham que a exclusão do Estatuto de Gestor Público
tivesse como consequência a dispensa de declarações de património
junto do Tribunal Constitucional.
Aliás, toda esta
minha argumentação acerca da consistência argumentativa de Mário
Centeno é relativamente supérflua perante as imagens da conferência
de imprensa – em cima da cara de Centeno estava o peso inteiro da
sua consciência. Daí a longa sessão de tortura para a qual o
próprio se voluntariou. Contudo, e em última análise, essa postura
de cadafalso poderá vir a ser-lhe útil, na medida em que serve como
um acto de semicontrição que o pode aguentar no Terreiro do Paço.
Substancialmente, Centeno está a mentir, claro, mas formalmente é
possível que tenha descoberto uma nesga de terreno (a ausência do
tal “papel” que Marcelo exigiu como prova da sua culpabilidade)
onde, mantendo-se em bicos dos pés, consiga evitar uma demissão. E
se os famosos sms aparecerem? Bom, se aparecerem, também para isso o
ministro deixou uma resposta digna de La Palice: “Todas as
comunicações privadas que tenho com o dr. António Domingues são
privadas.”
Neste jogo do
esconde-esconde à vista de todos, há, contudo, dois aspectos
relevantes aos quais ninguém pareceu dar o devido valor. Em primeiro
lugar, a própria situação da Caixa, que levou meses paralisada
devido a um conflito inútil. Em segundo lugar, a maneira como o
Governo deixou nas mãos de um escritório de advogados a feitura de
uma lei à medida das exigências do seu cliente. Tudo isto é muito
mais grave do que o psicodrama Centeno-Domingues. Só que perguntas
sobre isso, infelizmente, houve zero.
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