Marcelo
conheceu os sms de Centeno e Domingues (e não gostou)
Lobo
Xavier disse que havia dados escondidos sobre a polémica com
Domingues, e Marcelo quis saber o quê. Depois, veio um puxão de
orelhas público. E agora? Para já, ponto final em Belém. Os
socialistas é que não gostaram da nota presidencial.
DAVID DINIS, LEONETE
BOTELHO e SOFIA RODRIGUES 15 de Fevereiro de 2017, 6:45
Marcelo ficou em
sobresssalto quando, na útima quinta-feira, ouviu António Lobo
Xavier dizer na SIC-Notícias que havia SMS e outras comunicações
entre as Finanças e António Domingues, provando que houve não só
um acordo, como uma negociação para isentar a anterior
administração da Caixa de entregar no TC as respectivas declarações
de rendimentos. Se, até aí, o Presidente estava tranquilo com a
posição do ministro das Finanças, nesse momento resolveu falar com
Lobo Xavier — que é conselheiro de Estado, mas também advogado e
amigo de Domingues.
Falando com Lobo
Xavier, o chefe de Estado pediu dados sobre os meandros das
negociações do Verão passado: negociações de documentos legais e
SMS - incluindo um em que, alegadamente, Centeno dizia a Domingues
que o assunto das declarações estava encaminhado e que o Governo já
falara com o Presidente... Marcelo quis ver tudo o que pudesse levar
a acreditar que o Governo prometera a Domingues o que depois viria a
negar. Surpreendendo-se com as respostas do advogado — que recusa
comentar estes factos —, foi aí que o Presidente desencadeou um
verdadeiro xeque ao ministro das Finanças, apurou o PÚBLICO. Falou
com o primeiro-ministro, este deu indicação a Mário Centeno e o
ministro acabou por ir ao Palácio de Belém, ao almoço de
segunda-feira, dar-lhe explicações sobre os novos dados. Depois
veio a conferência de imprensa, o reconhecimento de um “erro” do
ministro e um comunicado de São Bento.
Na prática,
assegura ao PÚBLICO a mesma fonte, o Presidente sentiu que o Governo
lhe escondera dados. E deixou claro o desagrado numa nota publicada
às 23h47 de segunda-feira, no site da Presidência, em que diz que
“registou as explicações”, “tomou devida nota”, “reteve a
admissão, pelo Senhor Ministro das Finanças, de eventual erro de
perceção mútuo na transmissão das suas posições”. E acabou
por pôr o ministro na delicada situação de só aceitar mantê-lo
em funções “atendendo ao estrito interesse nacional, em termos de
estabilidade financeira”.
Para já é,
portanto, um ponto final — o que Marcelo colocou à polémica. Na
Presidência olha-se para uma demissão do ministro como
desencadeador de um problema de larga escala, à medida do que
aconteceu há três anos quando Vítor Gaspar se demitiu do Governo
de Passos Coelho.
O que ficou aberta
foi, por outro lado, uma ferida entre os socialistas, por causa do
comunicado de Marcelo sobre o encontro com Mário Centeno, em que o
Presidente declarou aceitar a manutenção do ministro das Finanças,
“atendendo ao estrito interesse nacional em termos de estabilidade
financeira”.
Se antes da nota de
segunda-feira à noite sobre Mário Centeno o Presidente da República
estava sob críticas do PSD, depois daquela comunicação ouve
reparos do PS. Porfírio Silva, deputado e membro do secretariado
nacional do PS, aconselhou Marcelo Rebelo de Sousa a “respeitar os
poderes próprios e os poderes dos demais órgãos de soberania”.
Vital Moreira lembra que o Presidente “não é co-titular da acção
governativa, pelo que não deve imiscuir-se no exercício desta pelo
Governo nem parecer como se fosse tutor ou arauto deste”. E o
deputado Ascenso Simões considerou “vergonhosa” a nota
presidencial.
“Não basta querer
ser ‘presidente de todos os portugueses’ para ser um bom PR”,
escreveu Porfírio Silva no Facebook. “É preciso não ter a
tentação de compensar o excessivo activismo com a técnica de ‘uma
no cravo, outra na ferradura’. E também é preciso evitar o método
que se costuma chamar ‘atirar a pedra e esconder a mão’”,
acrescenta.
“Os ministros não
carecem da confiança política do PR, nem este os pode demitir por
sua iniciativa, sem prejuízo de poder suscitar a questão da
permanência de um ministro perante o primeiro-ministro”, escreve o
constitucionalista e ex-eurodeputado Vital Moreira no seu blogue
Causa Nossa. Mais: “Quando um ministro se sente na necessidade de
colocar o seu lugar à disposição, fá-lo perante o
primeiro-ministro, não perante o Presidente.”
Reacções com
pinças à direita
Do lado da direita,
as reacções fazem-se com pinças. Nem PSD nem CDS, pelo menos na
linha oficial, parecem querer apontar baterias a Marcelo, preferindo
atirar ao Governo. Ontem, Diogo Feio, director do gabinete de estudos
do CDS, sustentou que o Presidente “ocupa o centro político” e
que “demonstrou aos mais precipitados que devem aguardar
serenamente pelo fim das histórias”.
O antigo líder
parlamentar do CDS considerou, no Facebook, que “o Presidente não
vai gerar crises”, mas que “na relação entre órgãos de
soberania exerce uma enorme preponderância sobre o Governo” e
sustentou que Marcelo “gere com cuidado o maior peso presidencial”
de que se lembra no “sistema de Governo”.
Também João
Almeida, porta-voz do partido, se escusa a fazer avaliações sobre a
intervenção presidencial. “Temos papéis constitucionais
diferentes. O da Assembleia da República é o de fiscalizar o
Governo”, afirma o deputado quando confrontado com a posição
assumida pelo Presidente da República.
Segunda-feira à
noite, ainda antes do comunicado da Presidência, o social-democrata
Luís Marques Guedes deixava um aviso ao chefe de Estado, mas
desprovido de crítica directa. “O Presidente da República que se
cuide. No saber de experiência feito do seu ilustre antecessor,
quando as palavras deixam de se conformar com a realidade dos factos,
convém passar a olhar com desconfiança para a ‘narrativa’ e as
‘boas notícias’ que lhe são vendidas pelo primeiro-ministro”,
escreveu o antigo ministro dos Assuntos Parlamentares na newsletter
do partido.
A
consagração da patranha
Se
o Governo cai tão facilmente na tentação de torpedear a verdade
num caso no qual só falta uma assinatura, o que fará na penumbra
dos bastidores em negócios que não sequer sabemos que existem?
ManuelCarvalho
15 de Fevereiro de
2017, 6:34
Anda por aí meio
mundo enfadado com a polémica das declarações de rendimentos do
ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos ao Tribunal Constitucional
(TC) e do papel que o ministro das Finanças teve nessa novela de
contornos nebulosos. O enfado não é apenas ridículo: é perigoso.
Um país que abdica de querer saber se o seu ministro das Finanças
disse a verdade ou se mentiu, onde as opiniões sobre os factos
conhecidos se dividem de acordo com as filiações ideológicas ou
partidárias é um país no limiar da resignação ou da desistência.
Não, no caso de Mário Centeno versus António Domingues, o
desempenho gélido de António Costa, o instinto necrófilo da
direita que, depois de conviver bem com a mentira quando esteve no
Governo se investe de legitimidade para a denunciar na oposição e o
zelo de um Presidente da República que cede valores para comprar
estabilidade somam muito mais do que uma banal trica. O que está em
causa é uma exigência ética sobre a verdade, sobre a
honorabilidade da política, sobre o direito que temos de exigir um
regime decente que não nos trate como tolos.
A primeira recusa
que se deve ter em relação a este lamentável caso é a da
banalização da mentira. Dizer que se Centeno mente, Passos Coelho,
Paulo Portas, ou Assunção Cristas também mentiram para daí
concluir que a oeste nada de novo é dar carta verde à
institucionalização da patranha. Cada mentira que se pressinta,
suspeite, perceba e confirme merece o mesmo tratamento, venha de onde
vier – é por isso uma vergonha ver os que tanto criticaram, e bem,
Maria Luís Albuquerque por causa das mentiras com os swaps a dizerem
agora que o que está em causa é um “folhetim” e vice-versa. Se
Mário Centeno mentiu, não pode passar incólume ao nosso juízo nem
ao nosso protesto apenas porque se limita a cumprir o ritual de uma
tradição. Da mesma forma, dizer que uma suposta mentira deve ser
relativizada, ou até esquecida, em função do sucesso do ministro
na travagem do défice é fazer da política uma operação
contabilística onde o resultado tangível vale tudo e o exemplo
moral de quem o protagoniza nada conta.
Feitos os
considerandos, vale a pena notar que se há na pele do ministro (que
esta segunda se dedicou a uma conferência de imprensa tão
desesperada como patética) e no Governo um enorme desconforto é
porque o caso não é assim tão feito de amendoins como se pretende.
Foi por causa da polémica da entrega das declarações de património
e rendimento no TC que António Domingues se demitiu, deixando por
mais uns meses o banco público sem gestão após quase um ano de
incertezas e de negociações duras entre a administração cessante,
a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu. Foi por causa de uma
história mal contada que Portugal se expôs a si próprio e lá fora
como um país inconsistente onde reinam as trapalhadas.
O caso existe e
resiste ao tempo e à tentativa de branqueamento apenas porque quem
se der ao trabalho de analisar o que se sabe e for capaz de meter por
segundos as fidelidades partidárias na gaveta percebe que, com ou
sem provas escritas, com ou sem assinaturas, com termos mais ou menos
explícitos, o Ministério das Finanças concordou em isentar António
Domingues e a sua equipa do dever de entregar as declarações no TC.
E, mais grave ainda, não é necessário ler todos os livros do
inspector Poirot para darmos conta de que essa negociação política
só não se concretizou porque, por inacreditável incompetência dos
serviços jurídicos do ministério e da equipa de advogados de
António Domingues, ninguém deu conta que não bastava alterar o
Estatuto do Gestor Público para se chegar lá: havia uma
inconveniente lei de 1983 que, para ser contornada, tinha de expor um
governo de esquerda ao vexame de aprovar no Parlamento princípios
escandalosamente inspirados nos valores do laisser faire da direita.
Os emails que
conhecemos do ex-líder da CGD e de Centeno podem não provar por A
mais B coisa nenhuma, mas o que nós temos à nossa frente não é um
exercício de matemática nem um julgamento por homicídio no qual
falta a arma do crime. O que nos cabe decidir é se perante o que
sabemos, face à inenarrável sucessão de actos de submissão do
ministro das Finanças às exigências de Domingues, que passaram até
pela atribuição ao banqueiro do poder de escolher a legislação
que mais lhe conviesse, aquilo que aconteceu foi apenas um putativo
"erro de percepção mútuo", como Mário Centeno agora
admite. Não foi. Quando em Outubro o seu secretário de Estado
desmentiu o oráculo (leia-se, Marques Mendes) dizendo que a isenção
da entrega das declarações “não era um lapso”; quando de
seguida Centeno usou quase ipsis verbis extractos dos emails de
Domingues para garantir que o escrutínio do património dos gestores
seria feito pelo Governo e pelos organismos de supervisão; quando o
ministro disse pretender que “a CGD passasse a ser como qualquer
outro banco” (nos outros bancos os gestores não têm de declarar
nada ao TC); quando em Novembro Domingues lembra ao ministro que a
fuga ao crivo do TC era “uma das condições acordadas para aceitar
o desafio de liderar a gestão da CGD”, o que falta para
suspeitarmos que querem fazer de nós uma cambada de tontos incapazes
de ver a verdade entre as teses do formalismo e da propaganda?
O caso Centeno
versus Domingues é grave e perigoso porque institui a dissimulação
dos “factos alternativos” como política oficial. O
Presidente-Rei avalizou essa prática ao exigir “um documento
escrito pelo senhor ministro das Finanças” a confirmar a
desobrigação do banqueiro às regras da transparência. Mas,
inteligente como é, Marcelo Rebelo de Sousa percebeu entretanto que
a verdade, como o azeite, acaba sempre por vir ao de cima. E, num
golpe de defesa pessoal, deixou Centeno estatelar-se ao afirmar que
aceitava a sua continuidade nas Finanças para garantir o “estrito
interesse nacional”. Repare-se no preciosismo do “estrito”:
significa que o Presidente reconhece que estamos perante uma história
mal contada, mas dispõe-se a tolerá-la apenas porque a saída de
cena do narrador faria da emenda coisa pior que o soneto. O bom
desempenho da economia e das finanças tornou-se assim o álibi com
que Centeno e o Governo se permitem subverter as mais elementares
noções do dever e da responsabilidade política.
Vir a terreiro falar
em erros de interpretações em vez de assumir os custos de uma
estratégia que, sendo bondosa na origem (livrar a Caixa das
tentações crápulas da política devorista), acabou num desastre
deixa no ar a pior das suspeições. Se o Governo cai tão facilmente
na tentação de torpedear a verdade num caso no qual só falta uma
assinatura, o que fará na penumbra dos bastidores em negócios que
não sabemos sequer que existem?
Nem
emails nem mensagens. Esquerda nega acesso à correspondência entre
Domingues e Centeno
A
maioria de esquerda da comissão parlamentar de inquérito à Caixa
considera que os documentos em causa – os emails e as mensagens
escritas trocadas por Mário Centeno e António Domingues – não
fazem parte do objeto de escrutínio da referida comissão
14 de fevereiro 2017
O CDS já tinha
entregue na semana passada um requerimento que pedia o acesso às
mensagens e aos emails trocados entre o ministro das finanças Mário
Centeno e António Domingues, um pedido que foi hoje secundado pelo
PSD. Ao que o SOL sabe, nenhum dos requerimentos foi aprovado na
comissão de inquérito à CGD.
Hoje, Hugo Soares,
coordenador do PSD na comissão de inquérito à recapitalização da
Caixa Geral de Depósitos, tinha anunciado que o PSD iria entregar um
pedido para aceder às trocas de correspondência eletrónica entre
o ministro das Finanças e o presidente demissionário da Caixa,
António Domingues.
Na prática, o PSD
queria que Domingues fizesse - e entregasse - a transcrição das
mensagens que terá trocado com Centeno “apenas e só a propósito
daquilo que a alteração ao estatuto do gestor público exclui,
designadamente a questão da entrega das declarações de
rendimentos, para que possa ficar claro de uma vez por todas a
extensão da mentira do doutor Mário Centeno e para percebermos
também o envolvimento do primeiro-ministro em toda esta matéria”,
disse o deputado à Lusa e à TSF.
Também o CDS tinha
submetido um requerimento semelhante, após terem sido divulgados na
semana passada, pelo jornal online Eco, emails confirmam um acordo
entre Domingues e Centeno para que os novos administradores da Caixa
não declarassem os rendimentos e o património.
Os pedidos tiveram
pouca duração. Hoje, o PS, BE e PCP chumbaram os requerimentos por
considerarem que esta matéria não é objeto da comissão de
inquérito à recapitalização da CGD.
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