Caso
encerrado? Só se estivéssemos lelés da cuca
Hoje
não dou notas – porque se as desse ia tudo corrido a zero. Mas
deixo muitas perguntas. E um alerta: por que é que querem decretar
este caso encerrado?
DAVID DINIS
17 de Fevereiro de
2017, 6:35
Convém lembrar como
é que isto começou. Em Outubro, Marques Mendes foi à SIC dizer o
seguinte: o Governo mudou uma lei que tem como consequência a não
apresentação de declarações de património da nova administração
da Caixa. "É grave", disse ele, só não sabendo se foi
propositado ou se foi sem intenção. Durante duas semanas, o próprio
Marques Mendes (que é conselheiro de Estado) estava convencido de
que não havia volta a dar: Domingues estava mesmo dispensado de
entregar declaração ao TC. O PSD achava o mesmo - e foi Marques
Guedes, um constitucionalista, que o disse. E até o Ministério das
Finanças confirmou que não tinha sido um acaso, pela simples razão
de que a CGD já tinha escrutínio suficiente do BCE.
Depois entrámos
numa outra versão: o PÚBLICO escreveu, citando uma fonte do TC, que
havia outra lei que, apesar da mudança da legislação, obrigava na
mesma Domingues a fazê-lo. Os partidos da esquerda começaram a
remexer-se, sem saber por que porta sair sem ferir de morte o
Governo. E o Presidente da República, regressado de uma longa visita
de Estado, fixou uma nova orientação: vincou que a nova lei se
devia aplicar, mas que devia ser o TC a decidir (havendo, portanto,
dúvidas). E até desafiou os partidos a mudar a lei caso o TC
decidisse o contrário. Foi aí que António Costa fixou o discurso
oficial do Governo: ficava tudo na mão do TC, mesmo que o PS fosse
votando contra a tentativa de alteração da lei no Parlamento.
Centeno, coitado, limitou-se a seguir o argumento.
Até este ponto, só
António Domingues dizia que o assunto tinha sido discutido muito
antes, tendo sido uma pré-condição à sua aceitação do cargo de
presidente da Caixa. O Governo alegava que não. E até referia uma
reunião do Conselho de Ministros onde teria sido explicitado (sem a
presença de Centeno) que as declarações eram para entregar no
Ratton. Tudo isso mudou esta semana.
Vamos, então, à
terceira versão da mesma história: afinal, o assunto foi mesmo
discutido em Junho. E foi discutido entre Costa e Marcelo, o
Presidente. Sabemos que Marcelo resistiu, mas que há versões
contraditórias sobre se o PR anuiu ou se, como alega o próprio, se
manteve firme na recusa.
E daqui aparecem
várias dúvidas. Se Marcelo recusou, como é que mantinha dúvidas
sobre a aplicação da lei quando a bomba rebentou em público? Se
estas matérias foram discutidas, porque é que Marcelo não disse
nada na nota de promulgação? Se tudo foi discutido (até num
Conselho de Ministros e com o Presidente) como é que ninguém avisou
Domingues? E porquê?
Mas há mais espaços
em branco nesta história: por que é que o Governo demorou um mês a
publicar o decreto? Por que é que o Presidente demorou uma semana a
publicar a nota sobre a promulgação? Por que é que só agora
confirmamos que o assunto foi discutido e negociado antes? Por que é
que Marques Mendes estava convencido que não tinham que entregar?
Por que é que o ministro das Finanças dizia há uma semana que o
CDS lhe estava a fazer um ataque "indigno" e, de repente,
assume que talvez tenha existido "um erro de percepção"
mútuo, dando explicações antes negadas e garantindo que esteve "de
boa-fé" perante a comissão de inquérito (uma maneira
juridicamente inteligente de se proteger)?
E sim, também
António Domingues tem coisas para explicar. Como esta, muito
simples: se esta pré-condição era tão importante, como é que
ele, Domingues, nunca refere o Tribunal Constitucional nas 170
páginas de emails que entregou na comissão de inquérito? E onde
estão os emails com as negociações até à versão final? E os
sms, o que dizem? Eles não deviam ser disponibilizados (ou contados)
à comissão de inquérito?
Devo dizer que teria
dúvidas, muitas dúvidas, em dizer que sim a esta última pergunta.
Mas não é possível admitir que Marcelo tenha passado do "sem
nada escrito, não há caso" para um comunicado como o de
segunda-feira à noite sem passar pelos malditos sms. E não é
possível achar que eles foram suficientes para o Presidente mudar de
ideias sobre o caso sem concluir, por maioria de razão, que o país
tem que saber também o que eles dizem (sem saber até onde foram
negociadas as intenções de isentar Domingues, por quem passaram e
como terminaram). Gosto de saber que o Presidente da República
concluiu, apesar de tudo o que soube, que o interesse nacional o leva
a concluir que Mário Centeno deve permanecer como ministro. Mas numa
democracia normal não cabe ao Presidente determinar esse julgamento
sozinho, deixando-nos na penumbra sobre o que de facto aconteceu - ou
achando que o caso fica "encerrado" com um comunicado seu.
É por isto tudo que
o que se está a passar na comissão de inquérito à Caixa é grave
- mesmo para lá da espuma da luta política. Uma comissão de
inquérito potestativa é um direito fundamental da oposição, um
dos que lhe permitem fazer uma fiscalização minimamente eficaz da
acção do Governo. Se uma comissão é pedida potestativamente,
dizem as regras que a oposição escolhe as regras do jogo, dentro do
quadro legal que é entregue. Mas quando uma maioria se dispõe a
bloquear-lhe todos os passos, incluindo pedidos de informação,
quando lhe recusa sequer argumentos para justificar esse bloqueio,
isso quer dizer que estamos perante um risco muito mais grave do que
o da protecção de um par de sms: estamos perante a ditadura de uma
maioria, que está a proteger um Governo. Governo esse que está
protegido por um comunicado do Presidente, que dita a sua versão
sobre o interesse nacional (sabendo nós agora que ele esteve
envolvido no processo, bem ou mal). Se o PS não souber o significado
de "ditadura da maioria", James Madison explica bem nos
Federalist Papers, mas posso dar uma bibliografia extensa para
ajudar.
Na prática,
estão-nos a impor um caso encerrado, deixando-nos na penumbra de
como tudo aconteceu. Deixando-nos na dúvida sobre o que vale a
palavra de cada um dos intervenientes, de Domingues a Marcelo,
passando por Centeno e Costa. Encerrado? Só se estivéssemos lelés
da cuca.
O
que Galamba queria dizer com: "Marcelo está tão implicado como
Centeno"
Para
o deputado socialista, o Presidente da República pode ser acusado da
"mesma coisa" que Mário Centeno e o comunicado do chefe de
Estado "é inaceitável à luz dos poderes presidenciais".
LILIANA BORGES e
LILIANA VALENTE 16 de Fevereiro de 2017, 15:00 actualizado a 16 de
Fevereiro às 18:00
João Galamba
explicou melhor o que queria dizer quando acusou Marcelo Rebelo de
Sousa de estar “profundamente implicado” no caso da Caixa Geral
de Depósitos, a propósito da negociação das condições de
contratação de António Domingues. "Tudo aquilo de que é
acusado Mário Centeno pode Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente da
República português, ser, ipsis verbis, acusado exactamente da
mesma coisa”, havia afirmado João Galamba no programa Sem
Moderação, do Canal Q e da TSF.
Ao PÚBLICO o
deputado faz a leitura das suas próprias palavras: “O que eu disse
foi que a polémica era em torno de nada, que era uma fabricação
política e, por isso, nem o senhor ministro das Finanças, nem o
Presidente estão implicados em nada. Se há quem ache que há
implicação do senhor ministro – que não é a minha interpretação
–, então têm de ter consciência que é extensível ao senhor
Presidente.”
João Galamba
acrescentou que as declarações foram proferidas em nome pessoal e
não na condição de porta-voz do PS.
No comentário do
Canal Q e da TSF, Galamba dizia ainda: “O que ele tentou fazer, na
segunda-feira, político hábil como é, foi tentar demarcar-se disto
e tentar desresponsabilizar-se de algo que também é
responsabilidade sua.” “Ou os argumentos do Governo são que não
era preciso isso [a referência no decreto-lei à entrega das
declarações de rendimento], porque a lei de 83 era válida e
Marcelo Rebelo de Sousa concordou, ou os argumentos do Governo eram
que era fundamental não entregar [as declarações ao Tribunal
Constitucional] e que o Presidente da República não poderia incluir
isso na promulgação", analisa o socialista.
Galamba considera
que o Presidente da República "concordou num sentido ou
concordou noutro", e, seja qual tiver sido a sua posição, terá
sido "sempre a mesma que Mário Centeno". "Portanto de
tudo aquilo que se acusar Mário Centeno acusar-se-á também Marcelo
Rebelo de Sousa, porque fez exactamente o mesmo", vincou,
passando por cima da responsabilidade do primeiro-ministro neste
processo.
Já na segunda parte
do programa Daniel Oliveira também critica Marcelo Rebelo de Sousa
pela nota publicada na segunda-feira à noite, em que afirma que
"aceita" a manutenção de Mário Centeno "por estrito
interesse nacional". Para o ex-bloquista, o ministro das
Finanças manteve-se, porque assim o entendeu o primeiro-ministro. É
que "o Presidente da República não demite ministros, não
decide quem fica", afirmou, considerando que a nota serviu para
Marcelo "se safar a si próprio".
João Galamba
aproveitou a deixa para voltar às críticas ao chefe de Estado: "O
Daniel Oliveira tem razão, isto foi uma malandrice do Presidente da
República. O Presidente esteve mal, está profundamente implicado
nisto, as consequências políticas são também dele, que tentou
sacudir a água do capote." E rematou o porta-voz do PS: "Aquele
comunicado é inaceitável à luz da Constituição e dos poderes
presidenciais."
Quanto às
responsabilidades do Governo, o socialista apenas admite que "o
ministro Mário Centeno e a sua equipa foram ineptos politicamente a
gerir tudo isto”.
"Não há
nenhuma negociação com uma pessoa chamada António Domingues. Há
um problema chamado Caixa Geral de Depósitos no qual António
Domingues e a sua equipa tinham uma percepção maximalista do que é
que era necessário, o que é que queriam, para garantir uma
recapitalização pública sem ajuda do Estado e as Finanças tinham
uma visão minimalista."
“Reconheço, e é
esse para mim o significado do erro de percepção mútuo, que Mário
Centeno e António Domingues estavam convencidos que o alcance
daquela alteração legislativa que foi feita também incluía as
declarações de rendimento e património”, considera. E "se
estavam ambos convencidos e depois não se constata, é problema de
António Domingues, porque não há nenhuma quebra de acordo",
acrescentou. com Leonete Botelho
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