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A arrogância dos
“arquitectos famosos” sobrepondo-se a tudo e a todos os valores é
uma velha tradição em Portugal. Como ilustração revisitem este
artigo da minha autoria no Público datado de 2001. António Sérgio
Rosa de Carvalho / OVOODOCORVO
Arquitectos,
património e a síndroma criadora
ANTÓNIO SÉRGIO
ROSA DE CARVALHO 27/11/2001 –
Foi-nos anunciado
que, no próximo dia 29 de Novembro, irá tomar lugar no Laboratório
Nacional de Engenharia Civil um encontro que pretende discutir o
futuro da Baixa como conjunto patrimonial, eventualmente propor a sua
classificação como Património Mundial e sensibilizar a opinião
pública.Simultaneamente, fomos também confrontados com uma
surpreendente proposta de arquitectos e engenheiros para cobrir a
Baixa com uma estrutura retráctil. Será esta a melhor maneira de
sensibilizar a opinião pública para o imperativo de uma recuperação
da Baixa à altura da sua importância histórica e da urgência do
seu repovoamento?Francamente, depois do programa de valorização de
Lisboa Valis e do elevador do castelo, já nada nos surpreende. Mas
pensávamos que os arquitectos e os engenheiros se tinham deixado
destas coisas...Talvez a próxima proposta seja a concretização da
utópica cúpula geodésica de Buckminster Fuller, mas agora cobrindo
Óbidos, tipo campânula transparente a envolver bolo em confeitaria
Pompadour.Tudo isto é ilustrativo da confusão que reina em terras
lusas no que respeita às definições delimitadoras do que é um
arquitecto de restauro e do que é um arquitecto criador. Dos limites
impostos pela pertença colectiva do património arquitectónico,
como teatro de memória, à síndroma criadora do arquitecto.É
preciso dividir as responsabilidades. Uma parte da culpa reside nos
arquitectos. Outra parte nas instituições oficiais de defesa do
património, exercendo ou não a sua responsabilidade disciplinadora.
Uma outra parte no sistema de ensino, onde a consciencialização
histórica dos futuros arquitectos não é feita por historiadores de
arquitectura (licenciados na perspectiva de Letras e, portanto, não
sofrendo da síndroma criadora), mas por arquitectos subjectivamente
autodidactas nas áreas históricas. Nos países do Norte da Europa,
o ensino da História de Arquitectura é exercido por historiadores
(de arquitectura). As outras áreas - projecto, estruturas - por
arquitectos, engenheiros. Um arquitecto de restauro é formado
exclusivamente com uma especialização nesse sentido, e geralmente
só faz restauro. É detentor de um código que aplica com rigor
ético.Em Portugal, a XVII Exposição Europeia deixou-nos com um
festival de intervenções ambíguas. A Casa dos Bicos foi aumentada,
baseando-se correctamente nas fontes iconográficas posteriores à
época, mas não sem se ter feito um "abrilhantamento criativo"
das janelas, num álibi "patrimonialmente correcto", mas
que esconde atrás do argumento da Carta de Veneza uma síndroma
criadora. Isto para não falar da fachada das traseiras, que
apresenta a qualidade de uma agência bancária de província, ou do
interior, "pioneiro" de simbolismos e dinâmicas
protodesconstrutivas. Seguiram-se as irresponsáveis coberturas dos
Jerónimos e da Torre de Belém.Para não nos alargarmos, ficaremos
por um último exemplo: a própria Casa dos Arquitectos, templo ou
cabana primitiva de exemplos e virtudes, emanando referências
didácticas. Isto é, a transformação dos Banhos de S. Paulo em
sede da ordem. Está bem, não se tratava propriamente das Termas de
Caracalla, mas apenas de um modesto - mas raro - exemplo do
neoclassicismo em Portugal. O "restauro", ou recuperação,
levou à total destruição do interior do edifício e à total
alienação do exterior. E eu que pensava que um f+bpedimentof-b era
uma referência de virtudes cívicas e um arquétipo tectónico...
afinal é uma moldura para espelhos de barbear. Ou será detentor de
um simbolismo mais profundo, dirigido à memória das manipulações
científicas e militares de Arquimedes ? Andávamos preocupados pelo
misterioso caso da Quinta da Bacalhoa, que, na sua gravidade, só
pode ser comparado à destruição de uma parte da Torre de Belém.
Mas tranquilizaram-nos pela atitude firme no golfe das Amoreiras.
Andávamos preocupados por nos sentimos secundarizados, desconvidados
ou mesmo ignorados na Europa. Afinal, podemos consolar-nos com o
reconhecimento da nossa criatividade única.Mal acabámos de acordar
para o verdadeiro pesadelo, ao reconhecermos que os nossos centros
históricos constituem o último reduto de resistência à destruição
e ao caos que nos rodeiam, e já estamos a propor uma "Manhattan"
de Cacilhas. Ainda não definimos a tal filosofia global, coerente,
unificada e rigorosa para a intervenção na Baixa, e já estamos a
propor coberturas surrealistas. Perante o desafio do caos urbanístico
e das inqualificáveis periferias, verdadeiras "bombas-relógio",
um programa de tertúlias resolveu convidar ilustres
participantes.Num rasgo de criatividade, ilustrando uma leviandade
pós-moderna própria daqueles que usufruem do dom da graça todos os
dias, um dos seus representantes deixou-nos com uma conclusão
profunda e uma imagem inspiradora. Referindo-se à superioridade das
nossas cidades sobre as "civitas" do Norte da Europa, que
estão prisioneiras e sofrem dos horrores da civilização, rematou:
"As nossas são mais rascas, mais ordinárias, mais mulatas."
Palavras para quê ? É um artista português.
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Cidadãos
mobilizam-se contra o avanço do prédio de Souto Moura na Praça das
Flores
POR O CORVO • 28
FEVEREIRO, 2017 •
Um grupo de
cidadãos vai manifestar-se, entre as 11 horas e as 17h, desta
terça-feira (28 de fevereiro), contra a demolição de um edifício
antigo situado nos números 10 a 14 da Praça das Flores, no lugar do
qual está previsto ser edificado um prédio desenhado pelo
arquitecto Eduardo Souto Moura, já autorizado pela Câmara Municipal
de Lisboa (CML). Após o lançamento de uma petição no mesmo
sentido, na semana passada, reforça-se assim a mobilização popular
em oposição ao polémico projecto, que muitos temem poder vir a
significar uma irreparável descaracterização de uma das mais
icónicas praças lisboetas. Com a destruição do referido imóvel,
perder-se-á um cenário quase imaculado, pautado por construções
de arquitectura tradicional do século XIX, a fim de nascer no seu
lugar um edifício de traço contemporâneo, por muitos visto como
violentador da harmonia visual do arruamento.
“Junta-te a nós,
se sentes que tudo deve ser feito para preservar a beleza da Praça
das Flores. Tragam placards e apitos”, apelam na convocatória
feita através do Facebook os organizadores do protesto, que incluirá
também responsáveis pela petição, lançada pelo grupo Fórum
Cidadania LX. A recolha de assinaturas, lançada a 21 de fevereiro e
que ao final da tarde desta segunda-feira (27 de fevereiro) tinha
sido subscrita por pouco mais de 1190 pessoas, intitula-se “Salvar
a Praça das Flores e a identidade de Lisboa”. Nela, pede-se à CML
à suspensão da “demolição de um edifício histórico e
construção de um edifício dissonante” na Praça das Flores n.ºs
10 a 14, no âmbito do processo de um licenciamento autorizado pelo
vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, em 20 de julho de 2016. O
alvará de construção foi atribuído a 6 de dezembro passado,
apesar do parecer negativo dos serviços camarários, salienta o
texto de suporte da petição.
Segundo essa
avaliação técnica, o edifício a demolir “possui características
arquitectónicas com relevância tais como a composição simétrica,
a trapeira com grande presença, o beirado à portuguesa, os cunhais
de pedra, os vãos de sacada com varanda, etc, que garantem uma
integração equilibrada no conjunto homogéneo das edificações que
definem urbanisticamente a Praça das Flores”. E sobre a proposta
de Souto Moura – muito semelhante a outro projecto seu já
construído Rua do Teatro, no Porto -, o mesmo parecer terá
assinalado que alguns dos seus elementos fundamentais, entre os quais
o desenho proposto para o alçado, “não possuem qualquer relação
com a linguagem arquitectónica dos edifícios confinantes, nem
referências nas composições arquitectónicas dominantes no
conjunto da Praça das Flores em termos morfológicos e tipológicos”.
O que leva os
autores da petição e da mobilização desta terça-feira de
Carnaval a considerarem que se está perante uma autorização cujo
impacto será “a abertura de um precedente que retira à CML
qualquer legitimidade para reprovar intervenções semelhantes, na
Praça das Flores ou noutras praças e ruas de igual cariz, com
prejuízo para a imagem e património da Cidade de Lisboa”. “Em
causa está, por um lado, a perda de identidade de Lisboa, ao
permitir-se a demolição de um edifício que, embora anónimo,
contribui para a harmonia de uma das praças mais emblemáticas da
cidade e, por outro lado, a construção de um edifício dissonante,
sem nenhuma relação com a cultura arquitectónica e urbanística do
centro histórico onde se insere, e que prejudica fortemente a imagem
da Praça das Flores”, afirmam os peticionários, alegando ser a
obra desrespeitadora do Plano Director Municipal, “bem como outras
imposições legais, como os alinhamentos de pisos e vãos com os
edifícios confinantes, a ocupação do logradouro e os requisitos da
admissibilidade de demolições”.
O projecto de Souto
de Moura – um prédio com cinco pisos, vidro a toda a largura da
fachada, assente numa estrutura de betão armado revestida com perfis
de ferro, lâminas de alumínio para ensombramento e telas de rolo –
acabou por receber luz verde de um director municipal, apesar do
parecer em sentido contrário dos serviços do município. Segundo o
texto da petição, o referido responsável terá alegado que “na
arquitectura, como em qualquer outra arte, (…) podemos ter vários
olhares e todos eles válidos”. O processo havia já sido acolhido
favoravelmente pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC),
auscultada por o local se situar na Zona de Protecção Especial do
Bairro Alto, classificado como Conjunto de Interesse Público.
Os promotores da
recolha de assinaturas – que fazem notar a crescente tendência na
relação entre “arquitectos de renome” e “novos edifícios a
construir implicando demolições que dificilmente se enquadram na
lei” – enviaram, a a 10 de fevereiro, cartas denunciando o caso
para o Ministério Público, Provedoria da Justiça e Ordem dos
Arquitectos.
Texto: Samuel
Alemão
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