quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Prémio Nobel para Mário Centeno / Acordo entre Centeno e Domingues desobrigava administradores da CGD de mostrarem rendimentos / Finanças informaram Costa sobre acordo com Domingues


Acordo entre Centeno e Domingues desobrigava administradores da CGD de mostrarem rendimentos

EXPRESSO 08.02.2017 às 13h18

A correspondência trocada entre o ex-presidente do banco e os responsáveis das Finanças revela a existência desse acordo, noticia o jornal online “ECO”

Mário Centeno desobrigou António Domingues e a equipa de administradores da Caixa Geral de Negócios de entregarem as declarações de rendimentos e património no Tribunal Constitucional, de acordo com a correspondência trocada entre os dois, enviada por Domingues à Comissão Parlamentar de Inquérito e revelada esta quarta-feira pelo jornal online “ECO”.

São onze os documentos, entre emails e uma carta, que os deputados da Comissão de Inquérito à CGD já exigiam conhecer, com a data de 15 de novembro. Nesta missiva, enviada por Domingues ao ministro das Finanças, lê-se que a desobrigação da entrega das declarações “foi uma das condições acordadas para aceitar o desafio de liderar a gestão da CGD e do mandato para convidar os restantes membros dos órgãos sociais”.


Segundo o “ECO”, da leitura da troca de correspondência entre António Domingues, Mário Centeno e o secretário de Estado das Finanças, Mourinho Félix, resulta que "houve mesmo uma discussão explícita sobre a exigência de Domingues para não entregar a declaração de rendimentos no Tribunal Constitucional. E um acordo que permitiu a entrada do gestor na Caixa".

Uma nódoa que atinge Centeno

HENRIQUE MONTEIRO
08.02.2017 às 18h00

Mentir numa Comissão de Inquérito Parlamentar é algo muito grave. Não me esqueço de que no Expresso publicámos, com destaque, a notícia de que Dias Loureiro tinha mentido ao Parlamento, informação muito glosada. É, pois, importante saber se Mário Centeno fez o mesmo a propósito da necessidade das declarações de rendimentos dos gestores da CGD. Porque, hoje mesmo, a revelação pelo jornal digital ‘Eco’ de uma carta de António Domingues ao ministro das Finanças dá a entender que este pode bem ter mentido não só aos deputados como a todos nós

Não vale a pena recapitular os factos. Todos se lembrarão deles. Quando foi retirado o estatuto de Gestor Público aos gestores da CGD apareceu Marques Mendes na SIC a recordar que isso os poderia desobrigar a entregar o património e rendimentos no Tribunal Constitucional. O comentador e ex-líder do PSD pôs a hipótese de ser um lapso. O Governo respondeu que não era um lapso; era assim mesmo. Mais tarde, sabe-se que uma lei mais antiga, de 1983, não eximia os gestores de mostrar as declarações. E daí nasce uma polémica, que depois de passar pelo primeiro-ministro e pelo Presidente da República, leva Domingues a entregar a declaração ao TC e, em seguida, demitir-se da CGD.

Finanças informaram Costa sobre acordo com Domingues
08 Fevereiro 2017 • Bruno Faria Lopes | FOTO: Lusa

A equipa ministerial das Finanças informou directamente o primeiro-ministro sobre as condições negociadas com António Domingues para este aceitar a liderança da Caixa Geral de Depósitos e formar uma equipa, apurou a SÁBADO junto de fonte governativa. Foi explicado a António Costa o objectivo de uma alteração ao Estatuto do Gestor Público susceptível de levantar polémica: mexer nos salários do banco público e nas obrigações de transparência dos seus gestores.
A SÁBADO noticiou em Novembro do ano passado que os serviços jurídicos do Ministério das Finanças e a sociedade Sá Carneiro & Associados, contratada por António Domingues, estudaram as implicações da alteração à lei (nomeadamente se deixava os gestores de fora da lei de 1983 que regula os deveres de transparência de titulares de cargos públicos) e redigiram essa mesma alteração, que seria aprovada e Conselho de Ministros em Junho de 2016. A troca de correspondência entre António Domingues e o ministério das Finanças, revelada hoje pelo jornal digital Eco, confirma que a dispensa de entrega das declarações era um ponto-chave do acordo e que a alteração à lei foi estudada e feita em conjunto por juristas dos dois lados.
Nas reuniões que teve com o primeiro-ministro, a 2 e a 16 de Junho, António Domingues não tocou directamente na questão da entrega da declaração (na sua audição parlamentar, no início deste ano, Domingues deixou António Costa fora do círculo de pessoas com quem negociou e tratou da excepção legal). Nessas reuniões a convicção do gestor era de que a questão já estava tratada e acordada e que não valeria a pena trata-la com o primeiro-ministro.
Uma vez mais, a troca de correspondência hoje revelada parece confirmar este ponto – a 3 de Maio, a chefe de gabinete do secretário de Estado Mourinho Félix faz este pedido à directora-geral do Tesouro, Elsa Roncon Santos: "Conforme já nós falamos, muito agradecia que habilitasse este gabinete com as informações necessárias para que a CGD deixe de estar abrangida pelo Estatuto do Gestor Público".
Quando o assunto rebentou na praça pública pela mão do Conselheiro de Estado e comentador Marques Mendes, as Finanças confirmaram num email enviado a vários jornais que a dispensa da entrega das declarações não era um lapso, assumindo a medida. Com o intensificar da polémica – que levou membros do Governo, do PS e o próprio Presidente da República (que tinha promulgado a lei) a considerarem obrigatória a entrega – as Finanças foram dando o dito pelo não dito, apontando que importante era cumprir o que o Tribunal Constitucional ditasse. Depois de António Lobo Xavier ter dito na SICN que havia um acordo escrito, o secretário de Estado Félix Mourinho negou a existência desse acordo. "Não assinei nenhum acordo, nenhum acordo aludia a essa questão", afirmou à TSF.
António Domingues demitiu-se no final do ano passado depois de o Parlamento ter posto um ponto final na questão jurídica sobre a obrigatoriedade da entrega das declarações, seguindo uma sugestão directa do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa. O Tribunal Constitucional ainda não divulgou, entretanto, o acórdão no qual deverá concluir, segundo o Expresso, que essa entrega era mesmo obrigatória, apesar da alteração ao Estatuto do Gestor Público.

Prémio Nobel para Mário Centeno
Foi o PERES que safou o Mário, que agora declara que saber “o que seria o défice sem as medidas do governo é um exercício estéril, apenas adequado a quem, com défice de aritmética, procura défices que não existem”.

João Miguel Tavares
9 de Fevereiro de 2017,

Há duas coisas aborrecidas em política. É aborrecido que um governo adopte políticas erradas. E é aborrecido que ele minta sobre os resultados dessas políticas. O primeiro aborrecimento é próprio da democracia: António Costa fez-se eleger, governa com o apoio dos partidos à sua esquerda, é natural que tome decisões que um liberal, como eu, considere erradas. Já o segundo aborrecimento é de natureza muito distinta, e bem mais grave: não se trata de divergência política, mas de pura e simples desonestidade intelectual. Foi a esta desonestidade intelectual que Mário Centeno recorreu para comentar o relatório da OCDE sobre Portugal. Ninguém se chateou muito com isso, porque estamos todos habituados a engolir patranhas como se fossem interpretações da realidade. Mas interpretações são interpretações. E patranhas são patranhas.

Baseado no argumento de que o défice de 2016 ficará abaixo dos 2,3%, o ministro das Finanças resolveu criticar as várias entidades que ao longo do último ano fizeram previsões pessimistas acerca do défice português. Entre as quais a OCDE. “Todas as instituições internacionais falharam nas suas previsões”, afirmou Mário Centeno. “Mas o seu erro não foram as previsões”, acrescentou ele, já no registo profético de Gonçalo Anes Bandarra. “Foi não compreenderem a essência da política económica do governo; foi não respeitar o esforço das empresas e dos trabalhadores portugueses.” Convém dizer, e redizer as vezes que forem necessárias, que isto é uma maneira extraordinária de olhar para o défice de 2016 e para a bonita arte das previsões económicas. É que a “essência da política económica do governo” consistiu em desfazer toda a estratégia que tinha vendido aos portugueses em 2014, 2015 e no início de 2016: o défice iria baixar com base no crescimento da economia.

As previsões internacionais não falharam. Mário Centeno e António Costa é que foram corrigindo o tiro ao longo da execução orçamental, com base no congelamento do investimento e de um programa de colecta fiscal com amnistia de juros inventado à 25ª hora. Foi o PERES que safou o Mário, que agora declara que saber “o que seria o défice sem as medidas do governo é um exercício estéril, apenas adequado a quem, com défice de aritmética, procura défices que não existem”. Ora, é aqui, nesta frase resvaladiça, que a divergência política escorrega para a desonestidade intelectual. Sim, o défice foi cumprido. Não, o défice não foi cumprido graças à estratégia original do governo. Sim, eu já escrevi isto dez vezes. Não, não me vou cansar de o repetir enquanto o ministro das Finanças e o primeiro-ministro insistirem em vender-nos a mesma aldrabice.

As terríveis “instituições internacionais”, tais como as terríveis instituições nacionais, já agora, porque a UTAO e o Conselho das Finanças Públicas também apanharam por tabela, baseiam as suas previsões nos programas de governo. Mário Centeno prometeu há um ano: “Vou tomar as medidas x e, com o crescimento y, vou chegar ao défice z.” As instituições responderam: “Com as medidas x, o crescimento não vai ser y, e, portanto, o défice não vai ser z.” Ao longo de 2016, confirmou-se que o crescimento não foi y e confirmou-se que as medidas não foram x. Mas como o défice, graças a vários planos B e a medidas extraordinárias, conseguiu ficar em z, Mário Centeno e António Costa dizem: “Incrível! Todos se enganaram menos nós!” Prémio Nobel para Centeno – e já. Não o da Economia, claro, mas o da Tanga.

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