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Vi o Seaspiracy. E agora?
Procurem espécies pescadas na nossa costa, pelos nossos
pescadores. Explorem receitas e deixem-se maravilhar pelos atributos do nosso
peixe fresco. Afinal, não precisamos (tanto) de salmão, bacalhau ou pescada
como pensamos.
Priscila Silva
Bióloga,
doutoranda em Ciências do Mar. Apaixonada pelos oceanos e sempre a acreditar na
mudança das mentalidades para uma pesca mais sustentável.
28 de Abril de
2021, 8:28
https://www.publico.pt/2021/04/28/p3/noticia/vi-seaspiracy-1960236
O mais recente documentário da Netflix sobre o impacto da
pesca, Seaspiracy (2021, Ali Tabrizi) tem liderado as visualizações da
plataforma em vários países e Portugal não foi excepção.
À semelhança do
Cowspiracy, realizado há alguns anos por Kip Andersen, agora produtor no
Seaspiracy, o documentário choca quem o assiste. Ora, se por um lado creio que
faz um excelente trabalho em sensibilizar o público para a exploração dos
recursos marinhos (até quem já deixara de comer carne, mas que ainda não tinha
reflectido da mesma forma acerca do pescado, ou tinha até aumentado este último
em detrimento de abandonarem a carne), por outro lado traz informações perturbantes
que deixam qualquer pessoa a achar que não há solução menos drástica senão
deixar totalmente de consumir.
Mas será que o
documentário traduz a realidade portuguesa? E o que é que um consumidor
nacional pode mudar?
Em Portugal, a
pesca é uma actividade tradicional importante económica e socialmente para
muitas comunidades costeiras. Contribui directa e indirectamente para o emprego
e rendimento destas comunidades onde as oportunidades de trabalho são mais
restritas. Existem, aproximadamente 160 portos de pesca em todo o país, nos
quais são desembarcadas capturas de 3902 embarcações. Dessas embarcações, cerca
de 90% têm um comprimento inferior a 12 metros, considerada pesca de pequena
escala ou artesanal. Apesar de sermos um país pequeno do sul da Europa,
consumimos muito peixe. E quando digo muito, é mesmo muito. Somos o maior
consumidor per capita da Europa (56,8 kg/pessoa/ano) e o terceiro maior do
mundo. Ora então, de onde vem este peixe todo? Sim, vem de outros países. Mas
isto não é apenas por termos uma pesca artesanal. É, em grande parte, porque
nós consumimos muito peixe que não é pescado nas nossas águas pelos nossos
pescadores. Isto resulta em que a produção nacional alcance apenas parte do
consumo e as importações representem cerca de dois terços do nosso
abastecimento de peixe. Ficamos então com saldo negativo.
E o que é que nós
mais consumimos? Aquelas espécies emblemáticas que a maior parte da população
conhece e escolhe: bacalhau, salmão, atuns, pescada, carapau, sardinha e polvo.
No entanto, capturamos e desembarcamos umas 200 espécies diferentes. Resumindo,
consumimos muito pouco daquilo que o nosso mar nos dá e o que pescamos não nos
chega, o que tem consequências ambientais (como a sobrepesca) e económicas
(importação). Uma das consequências resultante desta incoerência entre o que é
pescado e o que é consumido é a rejeição de pescado. Muitas das espécies
capturadas não são procuradas, não tendo grande valor de mercado. Assim, os
pescadores preferem devolver ao mar as espécies que sabem ter um valor muito
baixo em lota do que ocupar espaço da sua pequena embarcação que poderia ser
usado para espécies mais valiosas.
De uma
perspectiva ecológica, a diversificação do consumo pode levar a uma
distribuição do esforço de pesca, sendo um método viável para reduzir a pressão
sobre espécies desejadas e frequentemente sobre-exploradas, à medida que estas
forem sendo substituídas por espécies pouco consumidas. Isto é, um consumo mais
sustentável é um consumo mais diversificado. Além da vantagem ecológica, também
nos faria depender menos das importações.
Procurem espécies
pescadas na nossa costa, pelos nossos pescadores. Explorem receitas e deixem-se
maravilhar pelos atributos do nosso peixe fresco. Afinal, não precisamos
(tanto) de salmão, bacalhau ou pescada como pensamos.
A sugestão é
comer menos (quantidade) e comer mais (variedade).
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