RELAÇÕES
Catarina Furtado revela que foi assediada por três
pessoas em cargos superiores hierárquicos
“Uns fizeram-me convites insinuantes, óbvios, que não
davam margem para eu ter dúvidas do que era pretendido, outros eram mais
rebuscados”, revela a apresentadora em entrevista ao Expresso.
PÚBLICO
30 de Abril de
2021, 11:56 actualizada às 13:01
As revelações de
que sofreu de assédio não são novas. Em 2018, Catarina Furtado falou
abertamente do tema num programa da Rádio Comercial. Agora, e depois de a
actriz Sofia Arruda ter assumido não só que foi vítima de assédio sexual, mas
também que foi prejudicada profissionalmente por não ter cedido, a apresentadora
da RTP volta ao tema, numa entrevista ao Expresso. Catarina Furtado foi vítima
e enumera três pessoas com cargos superiores ao seu, não revelando os seus
nomes. “A mediatização dos nomes não é o relevante, é só voyeurismo, e não leva
a uma alteração daquilo que é importante”, ou seja, a mudança de
comportamentos, defende.
“Fui alvo de
assédio sexual em diferentes situações, por parte de três pessoas com cargos
hierárquicos superiores a mim, no início da minha carreira. Uns fizeram-me
convites insinuantes, óbvios, que não davam margem para eu ter dúvidas do que
era pretendido, outros eram mais rebuscados. Mas percebia-se completamente as
suas intenções. Não havia margem para dúvidas. Eu sei distinguir piropos
inconsequentes de intenções do foro sexual”, afirma ao Expresso.
A actriz e
apresentadora, de 48 anos, refere que era “muito nova”, estava no início de
carreira e que não tem dúvidas de que foi assediada. Então, fez o que tantas
mulheres fazem, fingiu que não era nada consigo, continua. “Fui esquiva,
descartando a possibilidade de acontecer alguma coisa. Mas não disse o ‘não’
que hoje em dia diria, com o empoderamento que ganhei para o fazer. Hoje em dia
teria dito claramente ‘não’. Na altura não o disse, no entanto não permiti que
acontecesse nada”, declara a embaixadora da Boa Vontade do Fundo das Nações
Unidas para a População (UNFPA, na sigla inglesa).
Um percurso de
sucesso
A apresentadora
estudou no Conservatório Nacional de Lisboa. Depois de uma lesão e por sugestão
do jornalista Adelino Gomes, amigo do pai, ingressou no Cenjor, o centro de
formação para jornalista. Fez estágio profissional na Correio da Manhã Rádio.
Em 1991, apresentou o programa Top+ , na RTP; e, no ano seguinte mudou-se para
a SIC onde apresentou o programa Chuva de Estrelas, um sucesso, tornando-a num
dos rostos mais populares da televisão portuguesa. Mais tarde, enveredou pela
representação, em filmes e séries, tendo mesmo ido estudar representação para
Londres. Voltou à apresentação televisiva em 1999, altura em que foi escolhida
para embaixadora da UNFPA — é das mais antigas e mais activas, orgulha-se. Em
2003, regressa à RTP onde está até à actualidade e onde, além dos programas de
entretenimento, começou a fazer reportagens e documentários, aproveitando a sua
experiência como embaixadora das Nações Unidas, como o Príncipes do Nada. Em
2012, criou a Associação Corações com Coroa, que trabalha com raparigas e
mulheres em projectos de apoio e empoderamento feminino. Em 2019 escreveu o
livro Adolescer é Fácil #só que não, com dicas e conselhos para os
adolescentes.
Na altura,
conseguiu resolver a questão sozinha, sem sofrer represálias. “Apesar da minha
tenra idade, recorri à minha inteligência emocional, ao jogo de cintura, não
caí na armadilha, e consegui evitar uma relação de hostilidade, de conflito.
Mas é preciso analisar porque é que consegui não cair na armadilha. Apesar de
sentir medo de perder alguma coisa que estava a conquistar por mérito próprio,
tinha uma retaguarda familiar, sabia perfeitamente que tinha um porto seguro”,
continua a fundadora da Associação Corações com Coroa, ao Expresso. Recorde-se
que a apresentadora é filha do jornalista Joaquim Furtado, um nome de
referência na profissão, e reconhece: “Muitas raparigas e mulheres não têm um
porto seguro e vêem os seus empregos ameaçados. É particularmente grave quando
o assédio vem de alguém com mais poder e compreende-se o medo que as mulheres
sofrem numa situação destas.”
Machismo de
homens e mulheres
A ascendência das
mulheres não é um impedimento para os assediadores. Aos 22 anos, Gwyneth
Paltrow foi assediada pelo produtor Harvey Weinstein — que, há um ano, foi
condenado a 23 anos de prisão. A actriz não era uma recém-chegada a Hollywood
pois é filha do realizador Bruce Paltrow e da actriz Blythe Danner, e, na
altura, namorava com Brad Pitt. Quando o escândalo que deu origem ao movimento
#MeToo, nos EUA, rebentou em 2017, Gwyneth Paltrow soube que o ex-produtor
usava o seu nome e fotografias suas, dizendo que tinha dormido com ela, para
convencer outras mulheres a fazê-lo.
A carreira de
Harvey Weinstein foi destruída depois de o New York Times e a New Yorker
publicarem artigos sobre o comportamento do produtor, de assédio e abuso
sexual, incluindo violação. Em muitos dos alegados casos, mulheres denunciaram
que Weinstein as convidava para o seu quarto de hotel sob o pretexto de uma
reunião profissional, mas depois pedia-lhes massagens ou sexo. Foi o que
aconteceu com Paltrow, declarou a mesma.
Catarina Furtado,
que fez a sua formação em dança no Conservatório, acredita que o assédio é
fruto da desigualdade de género, do machismo — de homens e de mulheres, no caso
destas, que tantas vezes atribuem a culpa às vítimas, aponta. “A tónica está
sempre muito mais nas vítimas do que nos agressores. É fundamental encontrar as
causas, perceber como as combater, dialogar com todos os intervenientes de
forma construtiva, com exigente reflexão, apoio da legislação, partilha de
informação e urgente prevenção”, escreve na sua conta de Instagram, no sábado
passado, onde revela que nos últimos dias foi contactada por vários meios de
comunicação social para falar sobre o tema.
O vídeo, nessa
publicação, é sobre o Relatório Mundial sobre População, das Nações Unidas, e
Catarina Furtado testemunha a sua passagem, quer como embaixadora da UNFPA,
quer como documentarista, por diversos países onde mulheres vítimas de
violência tomaram as rédeas das suas vidas, trabalhando com outras mulheres e
sendo agentes de mudança. A responsável acredita que o primeiro direito das
raparigas e das mulheres é o da autodeterminação sobre o seu corpo.
Ao Expresso,
Catarina Furtado termina dizendo que deseja que o Governo e as instituições
tenham “tolerância zero” para a violência e o assédio sexual, para que as
vítimas estejam mais protegidas. “É preciso libertar as vítimas do peso dos
segredos monstruosos e os agressores têm de começar a repensar o papel que têm
tido e devemos dar-lhes a oportunidade de fazerem diferente.”
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