É precisamente este tipo de Cidadania – Activa e
Participativa – a que eu me referia no meu último artigo no PÚBLICO “O meu
partido é Lisboa (2)” https://www.publico.pt/2021/04/22/opiniao/noticia/partido-lisboa-2-1959644
Uma Cidadania não apenas dirigida à importante
salvaguarda do Património Histórico-cultural, mas muito mais abrangente incluindo
temas ligados às questões Ambientais, sociais, económicas e habitacionais.
António Sérgio Rosa de Carvalho / OVOODOCORVO /
Historiador de Arquitectura
Carta Aberta – Quanto nos custa um aeroporto no centro de
Lisboa?
Tendo em conta a recentemente anunciada avaliação
ambiental estratégica da localização do Aeroporto de Lisboa e da sua hipotética
expansão ou relocalização, solicitamos que o XXII Governo da República
Portuguesa se digne a incluir nessa avaliação, a realizar por entidade pública
independente e cientificamente credível, os legítimos direitos da população
afectada.
30 de Abril de
2021, 0:25
https://www.publico.pt/2021/04/30/opiniao/noticia/carta-aberta-custa-aeroporto-centro-lisboa-1960495
Nós, as associações
e movimentos civis abaixo-assinados, activos e intervenientes em Lisboa,
estamos juntos por uma cidade socialmente justa e inclusiva, próspera e
equilibrada, ambientalmente sã, dedicada aos seus habitantes e aberta aos seus
visitantes. Consideramos que a intervenção cívica e a participação cidadã são
fundamentais nos processos políticos relacionados com este desígnio, os quais
só assim se tornam transparentes e colaborativos.
Reconhecidamente,
Lisboa é uma cidade em que o desenvolvimento socioeconómico, a qualidade
ambiental e o bem-estar dos seus habitantes têm sido fortemente condicionados
pelo aeroporto da Portela, actualmente denominado Humberto Delgado. Trata-se de
um aeroporto internacional de grandes dimensões, um dos 20 maiores da Europa, com
características de hub para voos intercontinentais, localizado no interior da
cidade, nas imediações de bairros residenciais, zonas de lazer e desporto e de
estruturas críticas como hospitais, escolas e universidades. No ano anterior ao
impacto (temporário) da pandemia de covid-19 sobre o tráfego aéreo, teve cerca
de 230.000 movimentos aéreos, movimentando mais de 30 milhões de passageiros –
um acréscimo de 200% em relação ao ano 2004 –, grande parte em turismo.
Esta situação
prejudica gravemente mais de 250.000 cidadãos em Lisboa e nos concelhos
limítrofes (dados da Agência Europeia do Ambiente publicados em 2020), expostos
a níveis de ruído muito acima dos limites máximos legalmente admissíveis em
zonas sensíveis – incluindo durante a noite –, ultrapassando em muito os
valores recomendados pela Organização Mundial da Saúde, revestindo-se a
operação actual de óbvia ilegalidade. Os efeitos do ruído excessivo sobre a
saúde humana incluem, para além da redução do bem-estar e da qualidade do sono,
um aumento das doenças cardio- e cerebrovasculares, de visitas e internamentos
hospitalares adicionais, e risco acrescido de mortalidade. Prejudica ainda nas
crianças a capacidade de aprendizagem e o desenvolvimento cognitivo. Na
proximidade do aeroporto, os cidadãos são ainda afectados por elevados níveis
de poluentes provenientes dos aviões, tais como óxidos de azoto (NOx),
partículas ultrafinas, monóxido de carbono (CO) e compostos orgânicos voláteis,
que fazem aumentar a ocorrência e a gravidade de doenças respiratórias como a
asma e a doença pulmonar obstrutiva crónica, podendo ainda provocar uma maior
incidência e susceptibilidade a formas agressivas de covid-19. Além disso, o
risco de acidente aéreo em zonas densamente povoadas, embora estatisticamente
pouco provável, não pode ser ignorado, pois teria consequências devastadoras.
Estamos, assim, perante uma situação insustentável em relação à saúde humana e
à qualidade de vida dos cidadãos.
Em toda a Europa,
apenas o maior aeroporto existente, o de Heathrow, nas proximidades de Londres,
se pode comparar ao Humberto Delgado no número de pessoas afectadas pelo ruído.
Contudo, dista 25 km do centro da cidade e não afecta com tanta intensidade
estruturas críticas como o de Lisboa. Os efeitos sobre a saúde destas infra-estruturas
também têm custos económicos enormes que, habitualmente, recaem sobre o erário
público. Um estudo feito para a Câmara de Londres avaliou o prejuízo acrescido
para a saúde pública da expansão da operação aeroportuária de Heathrow em 20 a
25 mil milhões de libras. Os restantes aeroportos no Continente Europeu que
estavam incrustados em zonas urbanas densas produzindo o mesmo grau de
afectação (incluindo o de Tegel – que servia Berlim e acaba de ser encerrado –,
Munique, Oslo e Atenas) foram relocalizados para áreas com muito mais fraca
densidade populacional, onde o risco para a saúde e segurança dos cidadãos foi
reduzido. Em todos estes locais a atractividade das cidades não baixou e os
custos para a saúde pública evitados com estas relocalizações permitiram
mitigar o investimento nelas realizado.
Lisboa não
conseguirá tornar-se um destino turístico sustentável se regressarmos ao mesmo
modelo de turismo de massas, em particular se o país persistir no seu
isolamento ferroviário, continuando a apostar numa dependência do transporte
aéreo que é incompatível com os objectivos ambientais e justiça climática
Para além destes
problemas, Lisboa vinha-se a debater até ao começo da pandemia com uma
elevadíssima carga turística. O Aeroporto Humberto Delgado, devido ao
crescimento exponencial da sua actividade até ao início de 2020, está
intimamente ligado a um modelo de desenvolvimento da cidade assente no turismo
de massas que capturou o espaço físico da cidade e o seu tecido económico,
deteriorando a qualidade de vida dos cidadãos e empurrando os seus habitantes
para a periferia. Reconhecemos a importância e o interesse económico do turismo
para a cidade, mas entendemos que o seu desenvolvimento deve ser planeado e não
conjuntural, obedecendo a uma visão sustentável e integrada, de longo prazo.
Uma carga turística desregrada e excessiva, associada à exploração intensiva e
não ponderada do território, é destruidora da coesão social da cidade,
gentrificando-a e afastando os seus cidadãos. O turismo é uma actividade
económica essencial para a vida da cidade que se deve desenvolver dentro dos
limites que os princípios da sustentabilidade social, económica e ambiental
admitem. O modelo de desenvolvimento turístico da última década em Lisboa
demonstrou ser profundamente extractivista, predatório e excludente, alienando
as comunidades residentes nos destinos turísticos, nomeadamente, as populações
dos bairros desta cidade. Lisboa não conseguirá tornar-se um destino turístico
sustentável se regressarmos, após o fim da pandemia, ao mesmo modelo de turismo
de massas, em particular se o país persistir no seu isolamento ferroviário,
continuando a apostar numa dependência do transporte aéreo que, para além dos
seus impactos sobre as populações, é incompatível com os objectivos ambientais
e justiça climática.
Assim, e tendo em
conta a recentemente anunciada avaliação ambiental estratégica da localização
do Aeroporto de Lisboa e da sua hipotética expansão ou relocalização,
solicitamos que o XXII Governo da República Portuguesa, representado por V.
Exas., se digne a incluir nessa avaliação, a realizar por entidade pública
independente e cientificamente credível, os legítimos direitos da população
afectada, tanto pela localização actual como por outras a considerar. Assim,
devem ser expressamente incluídos como fundamentos, na fase de definição de
âmbito, dessa avaliação:
1. Os impactos e
custos da operação, actual e futura, do Aeroporto Humberto Delgado, ou das
alternativas consideradas, sobre a população afectada no tocante:
a. à sua qualidade de vida, durante os horários
de trabalho, estudo e descanso;
b. à sua saúde, nomeadamente no que diz respeito
à qualidade de sono, ao sistema cardio- e cerebrovascular, e às doenças
respiratórias;
c. à exposição ao risco de acidente aéreo;
2. Os efeitos do
subjacente modelo de turismo sobre a região de Lisboa e, em particular, sobre a
cidade propriamente dita, em todas as suas componentes, incluindo social,
económica e habitacional, bem como o estudo da capacidade de carga turística em
meio urbano.
Os signatários:
Academia Cidadã
AIL – Associação
dos Inquilinos Lisbonenses
Amigos da Quinta
do Ferro, Associação de Moradores e Proprietários
APPA – Associação
do Património e População de Alfama
Artéria
Ateliermob
ATERRA
c.e.m – centro em
movimento
Céus Azuis
Coletivo XIS
Habita! –
Associação pelo Direito à Habitação e à Cidade
Largo Residências
Morar em Lisboa
Plataforma Cidadã
Braamcamp é de Todos
Quercus
Rede para o
Decrescimento
Stop Despejos
Trabalhar com os
99%
Urbanólogo
URTICA - Defesa
do Ambiente e Acção Climática
Vizinhos de
Arroios
Vizinhos de Penha
de França
Vizinhos de São
João (Penha França)
ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável
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