OPINIÃO
Movimento Europa e Liberdade e tudo o que a direita não
precisa
O que tanto me entristece como diverte é ver a direita
(masculina e empresarial) muito satisfeita debatendo os seus delírios, em vez
dos problemas dos portugueses.
Maria João
Marques
28 de Abril de
2021, 0:10
Quando surgiu o
Movimento Europa e Liberdade, em 2019, e as suas conferências para discutir o
país e a direita, tive sentimentos mistos. Por um lado, gosto de pessoas que
tenham iniciativa, pensem em projetos e os concretizem, espicacem a nossa
sociedade civil normalmente amorfa. Gosto ainda mais quando o fazem com
recursos próprios ou apoio de empresas (se bem que neste caso há a aferir o
interesse das empresas patrocinarem tais projetos), ao invés de correrem atrás
do subsídio do Estado. A discussão e o debate públicos são bons, certo? Quem os
promove não merece censura.
Por outro lado,
era muito visível que o MEL não trazia nada de novo. Organizado por dois
homens, de perfil corporativo, zero imaginação, o clímax do statu quo,
centrados exclusivamente em temas económicos e naqueles assuntos que as ditas
direitas alternativas adoram por todo o mundo: o politicamente correto e
queixumes sobre o estado e a esquerda (nos mantras ‘esquerda radical’ ou
‘socialismo radical’). Movimento assumidamente de direita – e, novamente, nada
contra – mas, infelizmente, só trazendo o que a direita já tem em demasia e não
faz falta mais. Pelo contrário.
Uma direita
sectária, cinzenta, a piscar o olho aos temas trumpistas: as aleivosias da
imprensa (‘a manipulação da esfera pública e o papel da comunicação social’);
‘a ditadura do politicamente correto e o domínio cultural da esquerda radical’;
‘as novas ameaças à liberdade’ (contando a liberdade só de alguns, e algumas
escolhidas a dedo, bem entendido). De resto, os temas dos painéis, bem como os
oradores, repetem-se de ano para ano, com pequenas mudanças cirúrgicas. Não
entendo se é falta de imaginação se muitos convites recusados.
Temas de
cidadania não se vislumbram nos eventos do MEL. Aparentemente não interessam a
uns estados gerais da direita. O mundo inteiro (incluindo os partidos de
direita inteligentes – a CDU alemã, por exemplo) fala de sexismo, racismo,
necessidade de sociedades inclusivas. Não só porque é justo e moral, mas também
porque as sociedades inclusivas aproveitam melhor o talento de todos, são mais
produtivas, inovadoras e eficientes. Estranho: pessoas de perfil tão
corporativo como os fundadores do MEL não conhecerem os vários e elucidativos
relatórios da consultora McKinsey sobre diversidade, dando conta de como
diversidade nos executivos de uma empresa está associado a maior rentabilidade.
Sintomaticamente,
o evento de 2019 tinha um rácio de género interessante. Sete mulheres para
quarenta e quatro homens. Este ano há 20% de mulheres. É a loucura. Também é
uma direita masculina, reputando os assuntos que lhe apelam os únicos que
contam.
Questões de
educação? Tema que é só dos pilares mais estruturantes para o sucesso de uma
comunidade? Outra vez: não interessam para a direita MEL. Estrangulamentos na
Justiça mais que evidentes? Criando distorções na vida social e, ademais,
impedimentos sérios àquilo que preocupa todos os segundos de vida dos
fundadores e participantes do MEL – a atividade económica? Não querem saber.
A habitação?
Problema muito sério e que está longe de se sentir só em Lisboa e Porto? Falta
de casas para arrendar para habitação permanente nas cidades grandes, médias e
pequenas? Não há um painel com pessoas fazendo propostas interessantes para
tornar fiscalmente apelativo aos donos das casas arrendarem para habitação
permanente (e que não impliquem quase um contrato para a vida com os
inquilinos)? Resolução rápida de despejo de inquilinos incumpridores (não,
ainda não acontece; há inúmeras manobras dilatórias possíveis)? Simplificação
dos absurdos regulamentos de construção e reabilitação de casas que tornem o
processo mais fácil e barato? (Por que carga de água em 2021 é obrigatório por
um bidé em cada casa?)
Bom, discutir
este problema que aflige as novas gerações e boa parte dos portugueses, bem
como debater as suas possíveis soluções, significaria tirar tempo ao
politicamente correto, ou a dizer mal dos socialistas nacionais, pelo que não
pode ser. As prioridades da direita MEL estão bem definidas. O problema social
da habitação é-lhes indiferente e nem entendem as potencialidades económicas
que daí poderiam advir.
Cultura? Para
rir. As pessoas da direita MEL, no máximo, vão ao cinema. Os mais afoitos
talvez à ópera ou à Gulbenkian – para serem vistos. A arte, a cultura e as
atividades criativas são setores com grande potencial de crescimento, que de
resto se interligam por todo o mundo com outra atividade tão necessária para o
país: o turismo. Debalde: são ignoradas mesmo assim.
Os fundadores do MEL convidaram no ano passado, e
reincidem nas conferências do próximo mês, André Ventura. Não espanta: afinal,
o que conta é só a economia e trumpismos avulsos e aqui Ventura não destoa.
Tudo o resto, para esta direita, são assuntos menores
Atentem: não
obsto, pelo contrário, à direita valorizar e discutir temas económicos. E que
não se embarque no lirismo da esquerda mais floreada que considera taxar ricos
em Portugal uma panaceia (sem perceber que fora meia dúzia de pessoas não
haveria ricos para taxar). Ou, dando um exemplo do presente, se prepara para
burocratizar tanto e tornar o teletrabalho tão caro para as empresas que vão
conseguir espatifar a possibilidade de trabalhadores usufruírem desta
flexibilidade – porque as empresas não estarão para isso. (Claro que há
detalhes a afinar, sobretudo quanto à separação de vida privada e profissional.
Mas afogar a solução em burocracia e custos é exterminá-la.) É muito redutor,
no entanto, centrarem-se exclusivamente na economia. Para mais entendida de
forma preguiçosa e com vistas estreitas.
Não bastando já
esta versão paroquial e pequena da direita, os fundadores do MEL convidaram no
ano passado, e reincidem nas conferências do próximo mês, André Ventura. Numa
clara intenção de normalizar o Chega. De criar o ambiente propício a uma união
da direita em futuro governo incluindo quem propõe a prisão perpétua, a
diabolização de certos cidadãos portugueses e tem os direitos das mulheres como
alvos a abater. Não espanta: afinal, o que conta é só a economia e trumpismos avulsos
e aqui Ventura não destoa. Tudo o resto, para esta direita, são assuntos
menores.
O MEL é em partes
iguais sintoma e catalisador do bafio que se alarga à direita. O que tanto me
entristece como diverte é ver a direita (masculina e empresarial) muito
satisfeita debatendo os seus delírios, em vez dos problemas dos portugueses.
(Delírios que entusiasmam uma dúzia de excitados das redes sociais e geram
bocejos nos demais.) E julgando-se, assim, a construir uma alternativa aos
maldosos encarnados que nos governam. O PS agradece.
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