Marcelo
debaixo de críticas da direita. Acabou o estado de graça?
A
forma como o Presidente tem defendido o Governo e o ministro das
Finanças em particular, tanto no caso das declarações de
rendimentos da CGD como na performance do défice, veio pôr a
descoberto as críticas que antes se faziam em surdina.
LEONETE BOTELHO 13
de Fevereiro de 2017, 7:00
É oficial: a
direita está de costas voltadas para o Presidente da República.
Depois de 11 meses de mandato, Marcelo Rebelo de Sousa tanto
desdramatizou a solução governativa que acabou por se confundir com
ela e colocar o partido de que é militante suspenso a criticá-lo
abertamente. Também o CDS não tem gostado de ver o chefe de Estado
a entoar loas ao Governo socialista, desvalorizando as realizações
do governo anterior e já não esconde esse desconforto.
A louça partiu-se
na última semana. Começando pelo fim: José Eduardo Martins, um
social-democrata apoiante de sempre do actual chefe de Estado,
declara agora que o Presidente da República se "descredibilizou"
com a falta de imparcialidade ao proteger o ministro das Finanças.
“Custa-me muito dizer isto mas tenho de o fazer. Se há apoiante de
Marcelo no PSD sou eu. Mas ele está a descredibilizar-se. A ele e à
função presidencial", afirma o ex-dirigente laranja ao Diário
de Notícias.
A gota de água
foram as declarações de Marcelo em defesa do ministro Mário
Centeno na polémica sobre se mentiu ou não ao Parlamento no que diz
respeito ao compromisso que terá assumido com António Domingues
para isentar os ex-administradores da CGD de apresentar as
declarações de rendimentos ao Tribunal Constitucional. "Ou há
um documento escrito pelo senhor ministro das Finanças em que ele
defende uma posição diferente da posição do primeiro-ministro ou
não há. Se não há é porque ele tinha a mesma posição do
primeiro-ministro, para mim é evidente", disse o Presidente da
República.
Esta declaração
deixou José Eduardo Martins "um bocadinho envergonhado", o
suficiente para dizer que, se até já ele se tornou crítico, então
"já não pode haver ninguém no PSD que esteja contente"
com Marcelo. “Ninguém pode ser feliz pegando fogo ao sítio onde
nasceu", acrescentou ao DN.
Já na quinta-feira,
quando pediu a demissão de Mário Centeno por ter “mentido ao
Parlamento e ao país”, o eurodeputado Paulo Rangel comentara
criticamente aquelas afirmações do chefe de Estado: “Se disse
isso, fez mal. Compreendo a preocupação com a estabilidade do
Ministério das Finanças. Mas o Presidente da República é o
garante da ética e da transparência”, disse ao PÚBLICO.
Ao Sol, também
Marco António Costa, vice-presidente do PSD, assumiu este
fim-de-semana que por vezes fica "algo perplexo com as
declarações" que Marcelo produz. "São declarações que,
a meu ver - e digo isto na qualidade de cidadão - não me parecem
estar adequadas às circunstâncias e à realidade", disse,
garantindo respeitar opinião do Presidente.
Mais cauteloso, mas
também a sinalizar algum desconforto com as declarações
presidenciais, Hugo Soares, deputado próximo de Passos Coelho, tinha
afirmado à TSF: “Eu creio que o Presidente da República está a
desvalorizar – ou ainda não ouviu, pode ter acontecido –
documentos que já vieram a público (…). O PSD nunca se sente
desautorizado por qualquer declaração do senhor Presidente, o PSD
responde perante o seu eleitorado e perante os portugueses. E não
tenho dúvida nenhuma que não haverá hoje um português que não
perceba que o ministro das Finanças, de forma repugnante, continua
ele próprio a atirar lama para a cara dos portugueses”.
Certo é que a
semana já tinha começado com declarações do chefe de Estado que
puseram a direita com os cabelos em pé. Instado a comentar a
estimativa da UTAO para o défice de 2016, Marcelo considerara ser
uma “grandiosa realização” que o défice se situasse nos 2,3%
do PIB. E que o resultado “é obra do Governo anterior, mas é em
larga medida obra deste Governo”.
“Não havia
necessidade”, escreveu Nuno Melo, eurodeputado do CDS-PP, nas
páginas do Jornal de Notícias. “Receber um défice de 11,2% em
2011, reduzindo-o para 2,98% no final de 2015 (ajuda ao Banif
incluída) como conseguiram o PSD e o CDS no Governo (…) foi uma
‘grandiosa realização’”, acrescenta o vice-presidente
centrista, que depois se centra nos ataques às políticas do Governo
de António Costa.
Mas sobre Marcelo,
ainda acrescenta mais uns pozinhos: “Gosto do Presidente da
República (…) Será também, querendo, o Presidente de todos os
portugueses. Não por inerência da função, mas porque não tome
partido. Com pena minha, uma ou outra vez tem tomado. Confesso que me
custa”.
Críticas em
crescendo
À direita, até
agora, as críticas ao chefe de Estado ouviam-se baixinho, sobretudo
a condenar a excessiva colagem do Presidente ao Governo. Mas é
sabido que as relações entre Pedro Passos Coelho e Marcelo Rebelo
de Sousa não são boas há muitos anos. Ainda assim, ambos evitam
digladiar-se publicamente. Mas quando um dá uma estocada, raramente
fica sem resposta.
O último episódio
aconteceu no início de Dezembro, com Passos Coelho ao ataque: “Ainda
bem que [Marcelo] não é presidente do PSD. Está a fazer tudo o que
está ao alcance dele para que o mercado, os agentes económicos,
acreditem mais num Governo de que desconfiavam”. Logo a seguir,
ouviu a réplica presidencial. Por terras da Beira, onde andava a
fazer uma jornada do Portugal Próximo, Marcelo foi implacável: “O
PSD está bem entregue e o país também”.
Da esquerda, o
Presidente também tem ouvido críticas, mas mais cautelosas. Do PS,
a voz mais acutilante é a do deputado Porfírio Silva, membro do
secretariado do PS e muito próximo de António Costa. No caso da
Cornucópia, quando Marcelo tentou forçar o Governo a encontrar uma
solução que impedisse o fecho daquele teatro, Porfírio escreveu no
seu blogue: "Não fui ao velório de ontem, desde logo porque os
compromissos com amigos me merecem tanto respeito como as
instituições. Mas fiquei descansado em não poder ir quando
antecipei que a ocasião iria ser mais um palco para algo que Eduardo
Paz Ferreira descreveu, noutro contexto, como alguém ‘extravasar
os seus poderes constitucionais’”.
Também o
ex-eurodeputado pelo PS Vital Moreira tem dado os seus remoques ao
Presidente. “Nas funções do Presidente não cabe intervir
publicamente e emitir parecer, feito jurisconsulto oficioso (por
melhores que sejam os argumentos) sobre a interpretação da questão
legal, cuja decisão cabe ao Tribunal Constitucional. Há o princípio
da separação dos poderes...”, escreveu o constitucionalista no
seu blogue, a propósito da nota presidencial sobre a obrigação de
entrega de declarações pelos administradores da CGD.
Do Bloco, tem cabido
a Luís Fazenda o papel de observador crítico e ainda na semana
passada, a propósito do “chumbo” da redução da TSU, o fundador
do BE afirmava que o chefe de Estado “desconsiderou algum tipo de
convergência política que existe entre o Governo e os partidos à
sua esquerda”. Também o líder comunista, Jerónimo de Sousa, já
fez reparos públicos à actuação do Presidente, e desde cedo.
Pouco depois de ter tomado posse, o chefe de Estado convidou Mario
Draghi para o seu primeiro Conselho de Estado. “Achamos no mínimo
estranho”, considerou Jerónimo.
Marques
Mendes acusa Governo de manipular data de publicação de diploma no
caso da CGD
Vítor Matos
O comentador da SIC
acusou o Governo de ter manipulado a data de publicação da
alteração ao Estatuto do Gestor Público para perto das férias dos
deputados, de modo a passar despercebido.
Luís Marques Mendes
acusou o Governo de ter manipulado a data de publicação do
decreto-lei que excluía os administradores da Caixa Geral de
Depósitos do Estatuto do Gestor Público (EGP). No seu espaço
semanal de comentário na SIC, o social-democrata afirmou que o
Governo “fez uma coisa feia e que não é normal e é inaceitável”:
manipulou a data de publicação deste decreto em Diário da
República. E explicou a sua tese:
O Presidente da
República promulgou o diploma a 21 de junho. Mas este só foi
publicado a 28 do mês seguinte. O Governo congelou este decreto-lei
em São Bento, no gabinete do primeiro-ministro ou na Presidência do
Conselho de Ministros, portanto, manipulou a data de publicação”.
O ex-governante, que
teve funções em vários Executivos como responsável pelo processo
legislativo, explicou que, depois de aprovado em Conselho de
Ministros, o diploma vai ao Presidente da República que o promulga
e, com a luz verde de Belém, “depois é um dia, dois, três, ou
quatro”, até sair no Diário da República.
Marques Mendes foi
mais preciso na análise. Na sua opinião, a alteração legislativa
foi publicada naquela data “porque 28 de julho é o inicio das
férias dos deputados”. Acusou assim o Governo de querer “diminuir
o risco” de os partidos pedirem apreciações parlamentares para se
pronunciarem sobre o diploma ou até para o revogarem, como aconteceu
em casos recentes como na Taxa Social Única (TSU).
“Houve acordo [com
António Domingues], houve reserva mental, houve falta de
transparência e houve a tentativa de que não tivesse escrutínio”,
acusou o comentador. “Quando se diz que é uma trica”, como disse
António Costa sobre a questão de Mário Centeno e a contratação
de António Domingues para a Caixa, “não é uma trica quando se
quer fugir ao escritório democrático”, afirmou o ex-líder do
PSD. “A democracia é o regime do escrutínio das decisões dos
Governos”.
Segundo Marques
Mendes, o que correu mal “foi tudo ter vindo a público”, sem
mencionar que foi ele próprio a desencadear a polémica quando, em
outubro, disse que os gestores da Caixa estavam abrangidos por uma
lei de 1983 que os obrigava a entregar declarações de rendimentos e
património no Tribunal Constitucional. “Tudo isto estava a ser
preparado em segredo, feito às escondidas, à socapa”, para não
se correr o risco de ser divulgado.
Embora diga que
Mário Centeno “não é um génio político”, o comentador
reconhece que o ministro das Finanças “era uma pessoa respeitada,
não pela sua qualidade política, mas por alguns resultados que teve
no défice”. Agora, acha que “perdeu autoridade” e afirma que
“se fosse em Inglaterra, França ou Alemanha já se tinha
demitido”. No fundo, está em causa o início de todo este
processo: “Fez uma lei à medida para um caso particular”. As
palavras que Mendes usa para classificar o desempenho do ministro
neste caso são duras:
Quando viu a casa a
arder não se portou como um homenzinho. Um homenzinho assumia a
verdade. Podia ter tido a humildade assumido que era um erro.”
Quanto ao
comportamento do ministro na comissão de inquérito à CGD, trata-se
“de um exercício de um chico-espertismo. Politicamente, é tudo
menos rigoroso”, afirmou o comentador.
Em relação ao
papel de António Costa em toda esta novela, Marques Mendes disse que
o adiamento da publicação da alteração legislativa em Diário da
República “tem mais a ver com o primeiro-ministro do que com Mário
Centeno”. Mendes ainda se referiu às declarações do Presidente
da República sobre o assunto, dando cobertura a Costa e Centeno.
“Preferia que o Presidente não tivesse feito declaração
nenhuma”, disse, numa rara crítica a Marcelo Rebelo de Sousa.
Lobo
Xavier sobre a CGD: “Já não há ninguém em Portugal que não
perceba o que aconteceu”
Mariana de Araújo
Barbosa e Tiago Varzim
9 Fevereiro 201
https://eco.pt/2017/02/09/lobo-xavier-ja-nao-ha-ninguem-em-portugal-que-nao-perceba-o-que-aconteceu/
Lobo Xavier disse,
esta noite, na Quadratura do Círculo, que "já não há ninguém
em Portugal que não perceba o que aconteceu". "Não
percebo porque é que o Governo continua agarrado à semântica",
disse.
António Lobo
Xavier, futuro vice-presidente do BPI, criticou o Governo pelo modo
como tem gerido a polémica à volta da correspondência trocada com
António Domingues. O centrista disse, esta quinta-feira, na
Quadratura do Círculo, na SIC Notícias, que “já não há ninguém
em Portugal que não perceba o que aconteceu”. “Não percebo
porque é que o Governo continua agarrado à semântica”, disse,
afirmando que os documentos revelados “mostram que houve obviamente
troca de correspondência sobre as condições de exercício do
cargo”.
Já
não há ninguém em Portugal que não perceba o que aconteceu.
Lobo Xavier
Vice-presidente do
BPI
Segundo Lobo Xavier,
que já anteriormente tinha vindo revelar pormenores sobre o processo
e diz manter “tudo o que disse”, a então nova equipa de gestão
da Caixa Geral de Depósitos “impôs condições por escrito e
oralmente”, mas o Ministério das Finanças “foi negligente a
corresponder a essas condições”. De acordo com o centrista, “os
técnicos de ambos os lados foram discutindo sobre se bastaria ou não
alterar o Estatuto do Gestor Público”. “Os jornais não trazem
tudo”, avisou.
Lobo Xavier chama a
atenção para um pormenor: o comentador da Quadratura do Círculo
refere que essa alteração no Estatuto era da “competência do
Governo”, ou seja, “podia legislar sobre essa matéria”, “coisa
que fez ao abrigo das férias de verão disfarçadamente”. Contudo,
a lei de 1983 que viria a obrigar a apresentação das declarações
está no âmbito das competências da Assembleia da República e, por
isso, “o Governo não podia mudar sozinho”.
Assim, o Executivo
teria de levar a alteração a discussão parlamentar e, argumenta o
comentador, “não tinha a certeza que podia fazer passar a lei”.
Lobo Xavier refere que o Governo optou por uma “via mais
disfarçada” na esperança de que “ninguém levantasse a lebre”.
No entanto, foi Marques Mendes que, no seu comentário semanal da
SIC, alertou para este problema e o Presidente da República reiterou
essa preocupação.
Vai-se
perceber que há uma troca abundante de conversas.
Lobo Xavier
Vice-presidente do
BPI
Mas para Lobo Xavier
há algo claro: “Vai ser muito difícil se estes documentos e
outros que eu sei que existem (…) vão ser do conhecimento do
público e vai-se perceber que há uma troca abundante de conversas e
diligências”. Para o centrista o Governo não tinha necessidade de
se sujeitar a uma situação destas, mas também “agora já é
tarde”. “As posições estão tão extremadas que é preciso ir
às últimas consequências”, afirmou.
Esta quinta-feira, o
CDS acusou o ministro das Finanças de entrar em contradição no
caso da correspondência da Caixa Geral de Depósitos. O Ministério
das Finanças já respondeu à acusação que dizem ser uma
“tentativa vil de assassinato de caráter”.
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