Os
limites do poder de Trump
Tanto
George W. Bush como Barack Obama tomaram no primeiro mês muito mais
medidas do que Trump.
Jorge Almeida
Fernandes
20 de Fevereiro de
2017, 5:54
O traço marcante do
primeiro mês do mandato de Donald Trump é ter revelado os limites
do poder do Presidente. O desprezo que manifestou sobre as
instituições durante a campanha eleitoral rapidamente se traduziu
em actos arbitrários como o decreto sobre a imigração. Estados e
tribunais impugnaram--no na Justiça e Trump teve de obedecer. Os
célebres checks and balances funcionaram.
Tem havido
declarações de pessimismo quanto à possibilidade de travar um
presidente de estilo autoritário, cujo partido tem a maioria
absoluta nas duas câmaras do Congresso, que governa a maioria dos
estados e que em breve poderá dispor da maioria no Supremo Tribunal,
além de ter um elevado número de altos funcionários para nomear.
Para além da extraordinária acumulação de poder, há o
temperamento de Trump, adverso a submeter-se a regras e
constrangimentos.
Não se trata de
menosprezar os poderes presidenciais, que, aliás, se alargaram nas
últimas décadas. Trata-se de sublinhar que estão submetidos a
regras e que o sistema funciona. Para lá do poder legislativo e do
poder judicial, o executivo tem outros travões. Em primeiro lugar a
liberdade de imprensa, apesar do esforço de Trump para “demonizar”
os grande media. Depois, o alto funcionalismo e as agências federais
que aplicam as políticas e as leis, passando pela própria
“comunidade da informação”, o chamado “estado profundo”
(deep state). Um grande Estado federal e democrático é uma máquina
muito complexa.
Quase todas estas
instituições estiveram em jogo nas duas grande crises do “estado
de graça”: a dos imigrantes e a da Rússia. Acontece ainda que a
“questão russa” e a demissão do general Michael Flynn deram
sinais de enfraquecer a subordinação dos congressistas republicanos
ao Presidente. É o que em breve se verá quando chegar, por exemplo,
o debate das tarifas alfandegárias — a “guerra comercial” que
Trump se prepara para declarar. Anuncia-se também a abertura de
contenciosos com vários estados.
O outro limite do
Presidente é o chamado “muro da realidade”. Ele não controla
todos os acontecimentos. Se na ordem interna tem de respeitar as
regras de equilíbrio dos poderes, na ordem internacional tem de ter
em conta a resistência do outros Estados — o equilíbrio das
potências. A primeira prova de força com a China — através da
questão de Taiwan — traduziu-se num recuo humilhante.
Tanto George W. Bush
como Barack Obama tomaram no primeiro mês muito mais medidas do que
Trump. Por outro lado, segundo a Gallup, Obama demorou 600 dias para
atingir uma taxa de reprovação de 55%. Trump só precisou de 23
dias.
Polarização e
tribalismo
Estes números podem
levar a uma apreciação errada. O “trumpismo” não é
maioritário na América, mas tem uma base de apoio de 40% do
eleitorado. E as reportagens indicam que o “povo de Trump”
continua mobilizado e seduzido pelo “seu” Presidente. Dizem que
está a fazer aquilo que prometeu e vêem-no disposto a reconstruir o
país “como fez nas empresas falidas”. É a mitologia de Trump,
mas os mitos pesam muito nas opções.
Sublinhei noutro
texto (“Como sobreviver a Donald Trump”, de 5 de Fevereiro) que
Trump se alimenta da polarização do país. E as “duas Américas”
não lêem a política da mesma maneira. A caótica conferência de
imprensa de quinta-feira foi execrável e ridícula para os liberais,
mas para os “trumpistas” foi um sucesso que aplaudiram.
Se a oposição a
Trump manifestar desprezo pelo seu eleitorado, é o Presidente quem
marca pontos. A polarização verifica-se também no Congresso, que
está “tribalizado”, o que torna cada vez mais difícil fazer
acordos bipartidários. Esta é uma questão vital para o Congresso
manifestar maior independência perante o Presidente.
O “caos” da Casa
Branca dá aos democratas uma oportunidade de romper esse tribalismo
e explorar as brechas entre Trump e os republicanos — que querem
ser reeleitos em 2018. Não será fácil, pois há uma grande pressão
das bases, que ainda não se recompuseram da “catástrofe” de
Novembro e pedem um combate sem tréguas. A estratégia do confronto
sistemático reforça a polarização política e consolida as
posições de Trump.
jafernandes@publico.pt
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