Plantações
e más notícias. Ou boas
Os
encontros entre Merkel e Jean-Claude Juncker sobre a proposta da
Comissão têm corrido mal, justamente porque ela recusa ver o futuro
do euro inscrito na declaração .
TERESA
DE SOUSA
26
de Fevereiro de 2017, 7:30
1. Na sexta-feira, o
dia correu-me mal. De manhã, na rádio, Nuno Melo tentava minimizar
a história dos 10 mil milhões de euros desaparecidos nas brumas dos
offshores, pelo caminho mais fácil: atacando o jornal (este) que se
prestara aos fretes ao Governo. À noite, pelo acaso de um zapping,
ouvi Francisco Louçã elaborar sobre uma notícia da minha autoria,
devidamente “plantada” pelo Governo com o objectivo de fazer boa
figura em Roma, no Conselho Europeu de 25 de Março, que deverá
aprovar uma Declaração sobre o futuro da Europa. Louçã foi à
imprensa europeia, não viu nada sobre o assunto e tirou as devidas
conclusões. A questão é simples: António Costa não quer aceitar
uma Declaração de Roma da qual a chanceler alemã quer retirar
qualquer referência ao euro, insistindo em que a conclusão da
reforma da zona euro é fundamental para evitar crises futuras de
efeitos porventura tão devastadores como aquela que vivemos. A má
notícia é que ainda não está garantido que consiga vencer esta
batalha. A outra má notícia é que o que escrevi era fácil, ponto
de vista jornalístico.
O Conselho Europeu
já realizou dois encontros informais, um em Bratislava, outro em La
Valleta, para discutir o futuro da Europa depois do Brexit e o
conteúdo da Declaração que querem aprovar no 60.º aniversário do
Tratado de Roma, renovando o seu compromisso com a integração
europeia e dando-lhe uma perspectiva de futuro, depois desta crise
monumental que a Europa vive há sete anos e que está longe do fim.
Quer ser um sinal de esperança mas ainda pode ser um sinal de
divisão e paralisia. O futuro da união monetária é obviamente
fundamental. Não constar é, para dizer o mínimo, muito estranho.
Ou melhor, corresponde à vontade de Merkel, no momento em que
enfrenta as mais difíceis eleições da sua carreira política. Fui
acumulando informação sobre as negociações, que incidiam sobre o
chamado Livro Branco que a Comissão está a preparar para servir de
base à Declaração de Roma. É verdade que o processo está a ser
feito no segredo dos deuses, mas é possível ir sabendo alguma
coisa, seja em Bruxelas, seja em Lisboa. Quanto ao que está em causa
para a Europa e para o nosso país, é público. Bastou-me assistir,
na quarta-feira passada, a três horas e meia de intenso debate sobre
as reformas que a zona euro ainda precisa, se não quer soçobrar na
próxima crise, que decorreu numa sala da Gulbenkian em que cada
minuto valeu a pena para perceber o que está em causa. A sessão era
pública. Partia de um relatório publicado em Setembro passado da
responsabilidade de um grupo de políticos e académicos de várias
origens sob a égide da Fundação Notre Europe, cuja leitura é
altamente recomendável para se perceber o que está em causa. As
intervenções proferidas por António Vitorino (um dos autores) ou
por Mário Centeno, já chegariam para perceber com bastante clareza
a posição de António Costa. Ou seja, já era possível escrever
sobre o assunto, mesmo sem qualquer “plantação” do
primeiro-ministro e sem saber se conseguirá vencer a batalha. Louçã
dizia que sim e que, por isso, “plantou” a notícia no PÚBLICO
para, depois, mostrar como era bom. Para nosso azar, os sinais nem
sequer são os melhores. Os encontros entre Merkel e Jean-Claude
Juncker sobre a proposta da Comissão têm corrido mal, justamente
porque ela recusa ver o futuro do euro inscrito na declaração (ver
artigo no destaque do PÚBLICO de sexta-feira). Falta saber o que
resultou do seu último encontro com a chanceler, quarta-feira
passada. Numa entrevista de apresentação do seu programa económico,
Emmanuel Macron dizia justamente que, para convencer Berlim, o melhor
que há a fazer é abandonar as grandes tiradas contra a austeridade
ou a necessidade de reformar o euro, e apresentar factos. António
Costa tem factos para apresentar, que até o comissário Dombrovskis,
cultor da austeridade a todo o custo, veio a Lisboa reconhecer.
2. Há ainda um
outro vector deste debate que ajuda a complicar as coisas. Berlim e
Paris (que não se entendem sobre o euro) entenderam-se sobre outra
questão que vai estar presente em Roma: que o futuro da Europa passa
por uma integração a várias velocidades. Os franceses sempre foram
favoráveis à ideia. Merkel defendia que os (agora) 27 deviam
caminhar juntos. Esta cedência, cujos contornos ainda não são
conhecidos, traz consigo mais um problema para Portugal e para outros
países, mais distantes do centro político e económico da Europa.
Merkel defende a necessidade de uma “cooperação estruturada” no
domínio da segurança e defesa que os últimos acontecimentos
colocaram no topo da agenda europeia (Putin e Trump). Até aqui, tudo
bem e Portugal aceita. Desde que, parafraseando Enrico Letta, fique
muito bem clarificado que o núcleo político central é definido
pela zona euro.
3. Percebe-se,
entretanto, que a direita (PSD e PP) esteja cada vez mais nervosa com
o rumo do país, disparando em todas as direcções e acusando este e
aquele de fazerem fretes ao governo ou porem em causa a democracia. A
história dos 10 mil milhões de euros terá ensombrado a história
dos SMS. Cristas foi fazer queixa de Ferro Rodrigues a Belém. Não
terá tido grande resultado, porque a primeira e a segunda figura do
Estado comungam de uma mesma bonomia e boa disposição que é a
melhor forma de ficarem todos amigos. Resta, no entanto, um outro
motivo de irritação absolutamente imprevisível. Refiro-me ao facto
de alguma imprensa europeia de referência estar a olhar para o
Governo português como um caso exemplar. Os jornalistas andam à
procura de uma tradução exacta para a palavra “geringonça”,
inventada por Paulo Portas em boa hora. Querem perceber como é que o
PS consegue aliar-se à esquerda radical, cumprir as metas do défice
e garantir a estabilidade política. Alguns interrogam-se se Costa
não será o salvador do centro-esquerda europeu, que atravessa um
péssimo momento. Outros ressalvam que foi sob a sua batuta que o
país se tornou “open for business”. Outros ainda, que Lisboa
conseguiu provar que havia alternativa à austeridade no quadro da
moeda única. Claro que também não escondem as fragilidades que o
nosso país mantém, como não poderia deixar de ser. Mas há coisas
que os outros europeus não conhecem e, portanto, encontram mais
dificuldade em compreender o “fenómeno”. A história da
democracia portuguesa vacinou os socialistas, sejam eles mais à
direita ou mais à esquerda, imunizando-o de tentações que outros
socialistas em outras paragens mantêm. António Costa é pró-europeu
sem qualquer estado de alma, não lhe passa pela cabeça contestar a
NATO, não vai nacionalizar nada, não persegue os ricos com impostos
exacerbados, nem vê a globalização como uma ameaça, mas como uma
oportunidade que o país não pode voltar a falhar. Aceita, como se
viu, as regras do euro, mesmo que defenda que devem ser revistas de
forma a servir todos os países e não apenas alguns. O que pretende
a médio prazo é acabar com a “bipolarização imperfeita”, uma
batalha que ainda pode vir a falhar. Cedeu à esquerda algumas coisas
bastante criticáveis, mas não a pertença do país ao euro, à
Europa e à comunidade transatlântica. O resto, infelizmente para
alguns do seus colegas europeus, é explicável pelas suas qualidades
políticas. E essas não são copiáveis: ou se têm ou não se têm.
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