ANÁLISE
Xeque
à “política russa” de Trump
"A
marginalização de Flynn foi organizada pelas mesmas pessoas que
querem que as relações com a Rússia permaneçam más", diz
analista russo próximo do Kremlin.
Jorge Almeida
Fernandes
16 de Fevereiro de
2017, 8:11
Como vai Donald
Trump conduzir doravante a sua "política russa"? Tem
condições para a pôr em prática? Esta pergunta tem de ser feita
no seu contexto. Desde 20 de Janeiro, não pensando já na campanha,
o Presidente disparou tweets em excessivas direcções. Agora, é a
vez de ser apanhado num campo de minas que começam a rebentar. A
demissão de Michael Flynn é um acidente de percurso ou o sinal da
primeira crise da Administração Trump?
Nenhum Presidente na
era moderna viu a sua equipa embrulhada num tal caos menos de um mês
após a tomada de posse. "Não sabemos quem comanda, não
sabemos quem toma as decisões", protesta o senador John McCain,
presidente da Comissão das Forças Armadas. Especula-se em
Washington: "Que virá a seguir?"
Mitch McConnell,
líder republicano no Senado, diz ser "altamente provável"
uma investigação sobre Flynn e a intromissão russa nas eleições
americanas. Outros republicanos declaram apoiar tal investigação.
Depois da notícia de terça-feira dando conta de que, durante a
campanha, houve repetidos contactos entre a equipa de Trump e
responsáveis dos serviços secretos russos — escutados pela CIA e
pela NSA — o inquérito sobre Flynn pode transformar-se numa
investigação sobre a equipa da Casa Branca.
Trump precipitou-se
a tentar apagar o fogo. Tem de ser prudente depois de, na campanha,
ter ridicularizado os serviços de informação americanos e de ter,
ele mesmo, um passado de relações ambíguas com Moscovo. Declarou o
porta-voz Sean Spicer: "O Presidente Trump tornou muito claro
que espera que o governo russo trave a escalada de violência na
Ucrânia e devolva a Crimeia." Moscovo não gostou.
Putin mais longe
Comentou o analista
russo Serguei Markov, próximo do Kremlin: "Penso que Trump está
a sacrificar temporariamente o reforço dos laços com a Rússia para
fortalecer a sua posição. Com estas declarações sobre a Ucrânia
e a Crimeia, Trump está a tentar baixar a pressão do Congresso, que
está a tentar sabotar o seu programa. A marginalização de Flynn
foi organizada pelas mesmas pessoas que querem que as relações com
a Rússia permaneçam más."
Markov tem razão: a
maior parte dos congressistas republicanos não apoiam a sua política
russa. E não só congressistas mas membros do gabinete como o
secretário da Defesa, general James Mattis, que viaja para tentar
tranquilizar os aliados tradicionais da América.
O estabelecimento de
uma relação especial com a Rússia não é uma alínea da política
externa de Trump. É o ponto nodal. Trump deu a entender que uma
grande negociação com Moscovo deveria conduzir a uma rápida
reconciliação. E o "grande negócio" entre as duas
potências mudaria os equilíbrios internacionais.
Como empresários,
Trump e o secretário de Estado, Rex Tillerson, parecem partilhar da
ideia de "diplomacia do negócio" (transactional
diplomacy), que em vez de se fundar em princípios e alianças
estáveis assentaria em acordos ad hoc e temporários. O que inquieta
os aliados tradicionais, na Ásia e sobretudo na Europa, é que um
deal com um adversário pode ter prioridade sobre a defesa de uma
aliado. Os EUA dariam A, B e C e, em troca, Moscovo daria D, E e F,
resume um analista. Cada potência defende os seus interesses
nacionais. O que separa Trump dos "realistas" é que não
faz dos aliados a base da sua força ou da sua liderança. Esta
concepção marca uma ruptura em relação à política americana
desde a II Guerra Mundial: Trump sacrifica a liderança do que se
designa por Ocidente ao seu America First.
O "negócio"
com Moscovo teria como pretexto a aliança antiterrorista, contra o
Daesh, e ajudaria Washington nas suas batalhas prioritárias, contra
a China ou o Irão, marginalizando ao mesmo tempo a Europa. Os
analistas são na maioria muito cépticos em relação aos acordos
entre Trump e Putin.
O mais relevante é
que os últimos desenvolvimentos ameaçam pôr em causa a margem de
manobra e de iniciativa de Trump em relação a Moscovo, onde a
desconfiança tenderá a subir também. É um terreno em que Trump se
tornou pessoalmente vulnerável, o que facilita a oposição à sua
política russa no Congresso, por democratas e republicanos. A sua
actual baixa taxa de aprovação na opinião pública diminui o poder
de ameaça sobre os críticos. Fica a grande interrogação: vai isto
redundar num bloqueio da política externa de Trump?
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