Fisco:
O advogado Paulo Núncio desmente o secretário de Estado Paulo
Núncio
JOÃO RAMOS DE
ALMEIDA 14 de Agosto de 2012, 18:26
A 3.ª versão em
sete anos do regime de regularização de capitais ilegalmente saídos
do país deu "protecção" a 3,4 mil milhões de euros.
Em Janeiro de 2010,
o então advogado Paulo Núncio, do escritório Garrigues &
Associados, divulgou aos seus clientes o regime excepcional de
regularização tributária (RERT) para os capitais saídos
ilicitamente do país e chamou-lhe "amnistia fiscal". Mas
desde que é secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Núncio tem
querido que essa designação não seja usada na comunicação
social.
O PÚBLICO tentou
obter do Ministério das Finanças uma explicação para esta
discrepância de opiniões de Paulo Núncio. Em vão.
O RERT, nas suas
três versões de 2005, 2010 e 2011, constitui um regime para
contribuintes singulares que, irregularmente, tenham posto capitais
fora do país, ainda sem processos a correr contra si. Isso inclui
depósitos, valores mobiliários e instrumentos financeiros, como
apólices de seguro do ramo vida ligados a fundos de investimento.
Para isso, só têm
de pagar uma taxa. No RERT I e II, era de 5% sobre esses valores. No
RERT I, a taxa desceu para 2,5% se fossem títulos de dívida pública
portuguesa. Mas a Comissão Europeia viu nisso uma violação à
livre circulação de capitais e o Governo retirou o desconto,
passando - desde Abril de 2010 - o repatriamento a ser obrigatório.
No RERT III, a taxa subiu para 7,5%, embora sem repatriamento.
O pagamento extingue
a responsabilidade das infracções fiscais de "conduta ilícita
(...) por ocultação ou alteração de factos ou valores" . O
contribuinte deixa de ter de justificar a origem dos capitais para
efeito de sinais exteriores de riqueza.
A elaboração da
legislação das três versões do RERT esteve - como garantiu o
Expresso em Maio passado - a cargo também de técnicos de
consultoras multinacionais, como a KPMG. Firmas que, tal como os
escritórios de advogados, têm o seu papel em esquemas que visam
reduzir os rendimentos tributáveis.
Estes regimes não
são pacíficos: são uma forma rápida de receita fiscal, mas
correspondem a amnistias ou perdões. Assim o considerou a Comissão
Europeia na nota que emitiu a 16 de Maio de 2007 quando divulgou a
sua posição sobre o RERT I. "A amnistia fiscal portuguesa de
2005 não respeita o livre movimento de capitais", refere-se.
Um "escudo
protector"
Foi da mesma forma
que Paulo Núncio e Tiago Cassiano Neves qualificaram este regime
numa nota divulgada a clientes e potenciais clientes do seu
escritório. Ao resumir em Janeiro de 2010 as medidas do Orçamento
do Estado desse ano, os dois juristas informavam sobre o RERT II do
Governo Sócrates e sublinhavam que "o novo programa de amnistia
fiscal (RERT II)" já não requeria a transferência física
(repatriação) do capital e activos para Portugal.
Caso regularizassem
a sua situação, os contribuintes beneficiariam de "um escudo
protector (relativamente aos valores declarados) de todas as
obrigações fiscais e mesmo de todas as infracções cometidas"
até no prazo fixado na lei. "As sanções criminais que não
tenham uma natureza fiscal (incluindo, por exemplo, as sanções por
lavagem de dinheiro) mantêm-se aplicáveis."
Mas já o secretário
de Estado tem dito a jornalistas ser incorrecto usar a expressão
"amnistia". Na sua última edição, a quem Paulo Núncio
deu uma entrevista, o Expresso refere que "o Governo rejeita
expressões como "amnistia fiscal"ou "perdão
fiscal"".
Com este regime, em
2005, houve uma receita de 43,4 milhões de euros e regularizou 820
milhões de capitais. O RERT II deu uma receita de 82,8 milhões de
euros e regularizou 1660 milhões. Já o RERT III que funcionou até
Julho passado, arrecadou - como noticiou o Expresso de sábado
passado - a receita de 258,4 milhões de euros e protegeu 3,4 mil
milhões de capitais fraudulentamente saídos do país.
A subida da receita
é atribuída por Paulo Núncio ao agravamento das penas por
ocultação de depósitos no estrangeiro (de cinco para oito anos) e
da interposição de sociedades em paraísos fiscais para ocultar
rendimentos. Por outro lado, ao alargamento do prazo de caducidade e
de prescrição das dívidas fiscais entre 12 e 15 anos (antes de
quatro a oito anos) e do maior número de acordos de troca de
informação com diversas praças financeiras, como da Suíça.
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