Iglesias
radicaliza o Podemos. Incapaz de crescer, desiste de ganhar eleições
Podemos
escolhe ser uma força de choque e luta e não um partido para chegar
ao governo.
Jorge Almeida
Fernandes
18 de Fevereiro de
2017, 9:24
https://www.publico.pt/2017/02/18/mundo/noticia/iglesias-radicaliza-o-podemos-incapaz-de-crescer-desiste-de-ganhar-eleicoes-1762455
1. Ao fim de meses
de um implacável e mediatizado confronto político e pessoal entre
os dirigentes, Pablo Iglesias impõe uma viragem na estratégia do
Podemos, desvalorizando a luta nas instituições e apostando numa
radicalização e nas mobilizações de massas. As eleições
internas e o congresso Vistalegre 2, no passado fim-de-semana,
consagraram a liderança de Iglesias e a derrota das teses do
ex-número dois, Iñijo Errejón.
A nova estratégia
foi aprovada por 56% dos votantes e a lista de Iglesias passa a
controlar 37 dos 62 lugares do “Conselho Cidadão” (espécie de
comité central). A proposta de Errejón obteve 34% e a sua lista
conquistou 23 lugares na direcção. O documento dos
“Anticapitalistas” (de origem trotskista) obteve 9% e elegeu dois
dirigentes. Votaram, pela Internet, 155 mil pessoas.
2. Uma imagem do
Congresso ilustra o contraponto: Iglesias saúda com o punho cerrado,
Errejón com os dedos em V. O “duro” Iglesias contra o
“sorridente” Errejón. Na campanha, Iglesias defendeu uma
radicalização “para meter medo aos poderosos”. Errejón
respondeu que o desafio não era meter medo aos poderosos, que já o
sentem, mas seduzir “aqueles que sofrem e que não votam no
Podemos”.
A primeira impressão
é de uma implacável luta pelo poder, em que o aparelho
“neoleninista” de Iglesias, assente em antigos quadros das
Juventudes Comunistas, triturou o populismo “doce” de Errejón.
Sublinha o
politólogo José Ignacio Torreblanca: “Chegaram —diziam — para
regenerar a política, representar os não representados, abrir um
caminho para que os jovens comprometidos pudessem fazer política, e
fazê-la de forma distinta.”
Mas, “desde as
eleições de Julho passado, o Podemos converteu-se num obscuro sótão
de conspiradores onde o ambiente é de cortar à faca. (...) Um
ambiente em que os egos de cada um e as ânsias de poder duma vida
inteira deixam pouco oxigénio para respirar.”
“No Podemos não
batalham correntes amplas e definidas, antes elites internas que
tomam o debate como um jogo de soma zero: para que uns ganhem, os
outros devem perder”, anota o politólogo Jorge Galindo. Também os
velhos partidos da “casta” passaram por incontáveis guerras
internas. “Porque a paz não existe em política, só existem o
equilíbrio e a trégua. Essa é a vantagem oculta de ser,
simplesmente, um partido mais.” Os novíssimos partidos, que
prometem “uma forma nova de fazer política”, envelhecem muito
depressa.
O mais basista dos
partidos adopta um modelo centralista em que o poder se concentra no
chefe.
3. Tanto Iglesias
como Errejón querem a hegemonia da esquerda e ocupar o espaço
político do PSOE. Divergem em como o fazer. Deixo de lado o
esotérico debate do populismo, tal como o facto de o Podemos ser uma
confederação de partidos, em que avultam as suas “confluências”
nacionais — Catalunha, Valência, País Basco e Galiza. Centro-me
na mudança de linha política.
O conflito estalou
nas eleições de 26 de Julho de 2016, em que o Podemos, aliado à
Esquerda Unida (IU, de matriz comunista) falhou o objectivo de
ultrapassar o PSOE. Errejón atribuiu o desaire à aliança com a IU,
imposta por Iglesias, que teria dado uma imagem de extrema-esquerda
ao partido. Iglesias acusou “a campanha branda de sorrisos”
dirigida por Errejón de ter desmobilizado os eleitores. Seguiu-se um
longo impasse.
O politólogo Lluís
Orriols faz uma análise interessante da opção de Iglesias. À
primeira vista, o Podemos deveria aproveitar “a janela de
oportunidade aberta pela crise do PSOE para seguir uma estratégia de
compromisso de modo a tornar-se atractivo junto daqueles socialistas
que se sentiam órfãos”.
O Podemos não devia
“dedicar-se a cavar trincheiras exactamente quando o seu principal
rival eleitoral tinha as suas fileiras divididas e sofria uma sangria
de deserções”. Era a linha de Errejón, que tinha no horizonte um
certo grau de colaboração com os socialistas visando a futura
participação num “governo progressista”.
Orriols cita a
objecção que lhe foi feita pelo jornalista Fernando Berlin: a opção
de Iglesias ganha sentido se o Podemos tiver atingido o limite do
crescimento, um “tecto eleitoral”. Neste caso, uma estratégia de
moderação não lhe traria novos eleitores, podendo antes afastar
algumas das actuais bases.
Estudando os
inquéritos e dados eleitorais, Orriols concorda com a objecção. Há
uma franja de eleitores do PSOE que estão ao alcance do Podemos. Mas
não a maioria dos “potenciais órfãos”, que têm péssima
opinião de Iglesias. Por outro lado, é possível que o Podemos
tenha atingido o seu “tecto de vidro”. E para o romper deveria
mudar parte da sua liderança e do seu ideário político. “Tal
estratégia não seria isenta de custos: os dados sugerem que não se
pode afastar um cenário em que os benefícios da moderação acabem
por ser compensados, ou ultrapassados, por perdas à esquerda. Em
suma: se o potencial de crescimento for modesto ou incerto, então
talvez não seja má ideia ‘cavar trincheiras’ para consolidar os
actuais apoios eleitorais.”
A recusa da linha de
Errejón para alargar o partido, vencer eleições e aceder ao
governo seria um sinal de fraqueza. E também de inércia das
heranças, escreve o jornalista Pablo Pombo: “Afinal de contas, o
que se aprende nas Juventudes Comunistas é a governar uma
organização, não a chegar ao governo ou a governar um país.” O
partido é o que agora interessa a Iglesias.
4. “Vistalegre não
muda nada” no quadro partidário, assinala Galindo. A cúpula do
Podemos apenas espera que a crise e a sua estratégia acelerem a
erosão do centro para polarizar mais o país. Não é provável,
diz.
A radicalização
diminui a força institucional do Podemos mas pode aumentar a conexão
com as bases e a devoção dos militantes. Vai agitar o sistema
constitucional e agravar a tensão independentista na Catalunha.
O PSOE parece sentir
certo alívio a curto prazo pois a radicalização de Iglesias
deixa-lhe mais tempo e espaço. Errejón seria mais atractivo para os
seus desiludidos de esquerda. O PP, que fez o seu congresso ao mesmo
tempo, está exultante e torna-se mais provável a convocação de
eleições antecipadas para 2018. A radicalização do Podemos
garantir-lhe-ia uma votação acima dos 30%.
Rajoy terá sido,
assim, quem mais lucrou com o Vistalegre 2. Iglesias é a oposição
que lhe convém.
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