Marquises,
caixotes de ar condicionado e outras excrescências
ANTÓNIO SÉRGIO
ROSA DE CARVALHO
PÚBLICO /
06/09/2009 - 00:00
O tema das
marquises e da forma como estas excrescências têm invadido, como
verrugas, a pele dos nossos edifícios, tem sido motivo de desespero
para todos aqueles preocupados com o património de Lisboa.
Com efeito, a
varanda, espaço-plataforma que devia garantir o nosso contacto
natural com os elementos; que devia ser terraço, jardim suspenso,
espaço de lazer e transição térmica natural num clima com as
nossas caracteristicas, foi transformada através da marquise,
irracionalmente, em estufa asfixiante e excrescência desfiguradora.
O desespero vem do
sentimento que este fenómeno, tão terceiro-mundista, parece
constituir uma fatalidade irreversivel e incontrolável, tal como os
carros em cima dos passeios ou os "cachos" de caixotes de
ar condicionado que invadiram tudo quanto é fachada.
Tomámos
conhecimento através do PÚBLICO, que alguém tomou a iniciativa
louvável de desencadear uma campanha sensibilizadora, tendo como
objectivo, se não acabar, pelo menos inverter progressivamente esta
calamidade. Este texto tem como objectivo contribuir através de uma
proposta concreta, "de facto" para o sucesso progressivo
desta campanha. A única forma efectiva de desenvolver um exemplo
estimulante e pedagógico, capaz de mudar mentalidades e estabelecer
disciplina, é conseguir uma situação de conjunto, onde num
conjunto arquitectónico significativo, a situação seja invertida e
o desastre e o atentado sejam corrigidos.
Na história do
urbanismo português, a Baixa pombalina e o bairro de Alvalade
constituem dois exemplos paradigmáticos.
No entanto, além da
diferença fundamental de discursos determinada pelas diferentes
épocas, eles só são comparáveis não só na escala gigantesca dos
projectos urbanisticos, mas também pelo facto de que foram
executados na íntegra. Fora disso, enquanto um, o da Baixa, nasce da
urgência de reconstrução do centro depois do cataclismo, e é
portanto sistemático tanto na linguagem arquitectónica unificada e
única, como nos métodos de produção, o outro apresenta
características diferentes.
O bairro de Alvalade
é planeado por Faria da Costa, e conhece o início da sua execução
coerente, na década do apogeu do Estado Novo, ou seja os anos 40.
Ele é desenvolvido, em diversas fases e células, numa dialéctica
simbiótica de diversas inspirações e modelos internacionais, e da
"receita-síntese" tradicionalismo-modernismo.
Dentro dele, o
bairro das Estacas (1949) surge como uma peça única para a época,
de pura influência CIAM - Carta de Atenas (1933) e de linguagem
corbusiana, com todos os seus elementos de morfologia e detalhes
arquitectónicos (pilotis, brise-soleils, etc). O estado de
conservação e de alienação deste notável conjunto é lastimável.
Ainda por cima,
quando sabemos que o Icomosdispõe de um departamento dedicado aos
monumentos do modernismo, o Docomomo, com trabalho internacional de
restauro, ou mesmo de reconstruções integrais, de grande prestígio
(Openlucht School Amsterdam, Zonnenstraal Sanatorium Hilversum, Café
de Unie Roterdam, Pavilhão de Barcelona, etc., etc.,)
Não teríamos aqui
uma oportunidade de classificação de conjunto urbano, de restauro
integral e de limpeza de todas as excrescências como marquises,
caixotes de ar condicionado e cabos pendurados? Esta mensagem é
dirigida à CML, ao Ministério da Cultura e acima de tudo ao
Igespar, lembrando esta última instituição de que a forma de como
"arrumou" o caso da Classificação do Bairro Social do
Arco Cego, é simplesmente inaceitável!
Historiador de
Arquitectura
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