Fisco
deixou sair 10.000 milhões para offshores sem vigiar transferências
The
Lisbon Papers
Não,
não é preciso ir aos papéis do Panamá, nem aos do Luxemburgo.
Afinal, há papéis em Lisboa que ainda precisam de esclarecimentos.
E dos bons.
20 de Fevereiro de
2017, 23:59
Andámos meses e
meses a falar sobre offshores. Por causa dos Papéis do Panamá, dos
Papéis do Luxemburgo, do diabo a quatro, fizeram-se páginas e
páginas de jornais, procuraram-se pistas, culpados. Até o Governo
pediu dados lá fora e mandou investigar. Mal sabíamos o que se
estava a passar por baixo do nosso nariz.
Diz-nos agora o
Ministério das Finanças que, no período de maior aperto das nossas
contas públicas, de 2011 a 2014, a Autoridade Tributária deixou
passar 20 transferências para territórios offshore sem a devida
fiscalização. O melhor é sentar-se enquanto lê a seguinte frase:
"As 20 declarações apresentadas por instituições financeiras
que não haviam sido objecto de tratamento pela Autoridade Tributária
respeitam a transferências que ascendem a quase 10 mil milhões de
euros, que estão agora a ser objecto de controlo pela inspecção
tributária". Sim, leu bem: 10 mil milhões de euros. Mais do
que pagamos em juros da dívida num ano, apenas em 20 transferências.
Tanto dinheiro a fugir de Portugal.
É fácil fazer
demagogia com o tema das offshores. Tristemente, tão fácil como
transferir o dinheiro para elas sem que o Estado o veja passar. Esse,
sim, é um problema. Um grande problema.
Travemos os
adjectivos por um instante e pensemos nisto: por que é que nos anos
mais duros do ajustamento português não foi publicada "informação
estatística sobre as transferências transfronteiras", como
tinha sido determinado em 2010? Como é que, sem isso, o Governo
anterior aprovou um perdão fiscal que incluiu o repatriamento de
dinheiro em offshores? Como é que o Fisco teve um reforço de
pessoal tão significativo e estas 20 transferências ficaram por
ver? Como é que o Fisco está tão inflexível dentro de portas e
tão distraído com o que vai para fora?
Não, não se
percebe. Como não se percebe a notícia recente de que os
territórios de Jersey, Man e Uruguai foram retirados da lista negra
dos offshores, ultrapassando Bruxelas, levantando perplexidades a
fiscalistas e motivando perguntas (ainda sem resposta) dos partidos à
esquerda.
Não, não é
preciso ir aos papéis do Panamá, nem aos do Luxemburgo. Afinal, há
papéis em Lisboa que ainda precisam de esclarecimentos. E dos bons.
É que 10 mil milhões é mesmo muito dinheiro, até para quem sabe
que é difícil acabar com paraísos fiscais e fácil fazer demagogia
com eles. Se temos um Governo de esquerda em Lisboa, com o apoio do
Bloco e do PCP, ao menos que sirva para olhar para este assunto e dar
um mínimo de transparência a estas transferências, assim como à
lista negra que temos em vigor. Pelo menos isso, pode ser?
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