Em defesa do bom
jornalismo e da liberdade cultural
Luís Capucha
01/08/2016 – 08:00
https://www.publico.pt/sociedade/noticia/em-defesa-do-bom-jornalismo-e-da-liberdade-cultural-1739936
Com pouco esforço,
facilmente poderia um estagiário constatar que os dados avançados
pelo PAN são falsos, pura mistificação e mentira demagógica.
Resolveu o redator
do Editorial de 22 de julho do PÚBLICO alinhar com os argumentos
anti-taurinos cujas materializações numa série de projetos de Lei
foram chumbados recentemente na Assembleia da República, por uma
maioria de deputados superior a 80%.
Sem reflexão ou
justificação, o Editorial acusa os Partidos que chumbaram esses
projetos de se moverem em função de meros interesses clientelares,
entrando dessa forma numa linha de argumentação perigosamente
populista. Melhor seria terem-se informado, como devem fazer os
jornalistas e, por maioria de razão, as direções de jornais, sobre
os fundamentos dos factos que tomam por verdades, quando na realidade
não passam de puras falsidades. Como cidadãos, os redatores de
Editoriais do PÚBLICO podem ter a opinião que entendem, incluindo
sobre ideias erradas nos planos moral e ético, como a que se esconde
atrás da ideia de “direitos dos animais” (embora ninguém
explique quais são os correspondentes deveres). Mas não têm o
direito de se servirem do cargo para emitir meras opiniões assentes
em puros e simples preconceitos. Passo a especificar aquilo que a
direção do PÚBLICO deveria ter mandado investigar (ou ter
procurado o contraditório) antes de cair nos erros em que cai e de
alinhar pelas posições em que alinhou. É legítimo que a direção
de um jornal possua uma linha editorial que toma partido num assunto
socialmente controverso. Mas isso apenas se explicar aos leitores os
diversos argumentos em debate e se antes tentar aferir a
verosimilhança dos mesmos.
Diz-se no referido
Editorial que “quando um pouco por toda a parte tendências de
comportamento e movimentos cívicos evidenciam uma crescente
sensibilização aos direitos dos animais, a Assembleia da República
mostra o quanto está distante dessas preocupações e desses avanços
civilizacionais”. Estranho civismo este que esquece o mais
importante: um pouco por todo o lado o que cresce é a violência, o
autoritarismo, o ódio, o terrorismo, a injustiça social e
económica, o recuo dos direitos humanos, as agressões ao ambiente.
O recuo do humanismo, o avanço da misantropia e a transferência dos
afetos para com os nossos semelhantes para os afetos para com os
animais de companhia não fará parte do ambiente cultural em que
vingam todos estes grande problemas humanos?
Diz-se depois que o
projeto de Lei do PAN sobre financiamento à tauromaquia é o “mais
bem fundamentado, com argumentos e muitos dados por certo
desconhecidos da maioria dos portugueses”, e que é “…doloroso
transcrever parte da descrição pormenorizada feita no documento do
PAN sobre os efeitos que a lide taurina provoca num animal”. Com
pouco esforço, facilmente poderia um estagiário da Redação
constatar que os dados avançados pelo PAN são falsos, pura
mistificação e mentira demagógica. Quer quanto aos dinheiros, quer
quanto ao ritual de que o Toiro Bravo é o centro. Já é costume
esse tipo de propaganda completamente indiferente à verdade dos
factos e aos resultados da investigação científica por parte dos
animalistas, mas fica mal a jornalistas reproduzir sem critério essa
propaganda.
Não falta depois o
vitupério contra os vossos concidadãos que gostam de toiros. Não é
a “…exposição nua e crua da tortura animal” que os anima. São
valores profundamente inscritos na cultura tauromáquica e que
integram a sua identidade cultural. O redator do Editorial em causa
não é melhor cidadão do que nós, e não entendemos a presunção
de superioridade para connosco que transparece do texto. Se não
compreende nem conhece a tauromaquia e os seus valores, nem quer
compreender ou conhecer, respeito essa opção. Mas nesse caso não
julgue o que não entende, porque a ignorância não é boa
conselheira.
Por fim, fecha a
parte em apreço do Editorial com uma pergunta: “Ou será por acaso
que os quatro partidos apoiantes das touradas são os únicos que
dispõem de corte camarária?” Pergunto à Direção do PÚBLICO se
pode pensar na resposta a outra pergunta: não será que os partidos
sem presença nos municípios não estão nessa situação porque são
incapazes de sair dos meios elitistas de que são originários para
tentar compreender, de forma próxima e vivida, os sentimentos dos
portugueses, naquilo que eles têm de especificamente local?
Sociólogo,
Professor no ISCTE-IUL
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