Em
2016, Portugal arde mais docemente
André Azevedo Alves
13/8/2016,
Infelizmente
o mais provável é que nos próximos tempos se vá enterrar ainda
mais dinheiro público nas estratégias falhadas de gestão dos
incêndios que nos conduziram até aqui – para gáudio dos lobbies
Pedro Soares, do
Bloco de Esquerda, não poupou nas palavras nas violentas críticas
que dirigiu ao Governo por causa do flagelo dos fogos florestais:
“Este é o terceiro pior ano dos últimos dez em matéria de fogos
florestais. Já ardeu uma área de 28 780 hectares, quando, no ano
passado, por esta altura, tínhamos 7 575 hectares ardidos”.
Antecipando as habituais justificações com base em condições
meteorológicas extraordinárias, acrescentou taxativamente: “Sabemos
que as condições meteorológicas constituem uma variável
importante no número de ocorrências de fogos florestais, mas não é
legítimo responsabilizar apenas as condições meteorológicas como
o Governo está a tentar fazer”.
Por isso o
responsável bloquista declarou, em tom grave, que “a incompetência
do Governo não pode encontrar justificação na meteorologia”,
salientando: “Sabemos que a região sul da Europa e Portugal têm
condições da floresta e meteorológicas propícias para a
deflagração de incêndios, mas compete a um Estado competente
colocar um dispositivo no terreno que permita contrariar os efeitos,
tanto ao nível do ataque direto como da prevenção”.
Faltou apenas
acrescentar que as declarações de Pedro Soares são de uma notícia
de 12 de Agosto, mas de… 2015. Um exemplo, entre muitos, das duras
críticas dirigidas ao Governo por parte dos partidos mais à
esquerda há apenas um ano atrás. Já em Agosto de 2016, com mais de
93.000 hectares consumidos pelas chamas em Portugal e situações
calamitosas em vários pontos do país, as declarações são bem
mais brandas e as críticas muito mais contidas.
O que poderá
justificar esta flagrante e desavergonhada duplicidade de critérios?
A resposta mais provável é estarmos perante mais uma manifestação
do “efeito geringonça”. Como oportunamente assinalou Maria João
Marques, aparentemente os incêndios socialistas queimam menos do que
os outros, embora os últimos vestígios de consistência e
integridade moral da extrema-esquerda tenham sido prontamente
consumidos pelas chamas.
Por parte do
Governo, o panorama também não se recomenda. Numa demonstração
espectacular de mau timing e falta de tacto, o ministro do Ambiente
João Matos Fernandes ainda há poucos dias achou por bem destacar a
“redução muito significativa” da área ardida em comparação
com “anos anteriores”. Um risco que não correu a ministra da
Administração Interna Constança Urbano de Sousa que prudentemente
evitou pronunciar-se sobre o assunto enquanto estava no Algarve.
Relativamente à
questão de fundo dos incêndios e suas causas, não tenho muito a
acrescentar ao que outros já escreveram, nomeadamente José Manuel
Fernandes e Henrique Pereira dos Santos, que alertaram para o excesso
de investimento no combate a incêndios em contraste com a ausência
de políticas eficazes, ambientalmente racionais e economicamente
sustentáveis para a sua prevenção. Ou às pertinentes conclusões
da dissertação de mestrado de Ascenso Simões, ex-secretário de
Estado de António Costa na Administração Interna, que reconheceu
em 2014 que deixar cair o plano que apostava na prevenção contra
incêndios em 2005 foi um “erro grave”.
Infelizmente, o mais
provável é que nos próximos tempos se vá enterrar ainda mais
dinheiro público nas estratégias falhadas que nos conduziram até
aqui – para gáudio dos lobbies que dela beneficiam. O que
tristemente é notório neste Agosto de 2016 em que vastas zonas de
Portugal sofrem o flagelo de incêndios florestais descontrolados (no
momento em que escrevo, no Porto há fumo no horizonte em todas as
direcções e o ar está carregado de cinzas) é que com a
“geringonça” Portugal arde mais docemente.
Professor do
Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa
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