Governo
admite ajustar diploma para proteger dados bancários enviados ao
fisco
PEDRO CRISÓSTOMO
17/08/2016 – PÚBLICO
Bancos
obrigados a enviar ao fisco informação sobre os saldos das contas
dos clientes. Sigilo fica comprometido, diz a Comissão de Protecção
de Dados. Governo acata sugestões.
A proposta de
diploma do Governo que vai obrigar os bancos a enviarem ao fisco os
saldos das contas bancárias de todos os residentes em Portugal
mereceu fortes críticas da Comissão Nacional de Protecção de
Dados (CNPD) e, perante o parecer, onde se diz que a protecção do
sigilo bancário fica seriamente comprometida, o Ministério das
Finanças admite a acolher “na generalidade” as recomendações,
mas sem pôr em causa a comunicação dessas informações uma vez
por ano à administração tributária a partir de 2017.
Em causa, diz o
Governo, está o cumprimento da legislação europeia e do acordo
FATCA com os Estados Unidos para a troca de informações financeiras
em matéria fiscal entre as administrações fiscais.
A directiva europeia
a transpor para a legislação nacional impõe a troca automática,
entre Estados, das contas detidas em Portugal por não residentes e
as contas detidas por residentes no estrangeiro. À boleia das novas
medidas de combate à evasão fiscal, o Governo estendeu esta medida
aos residentes em Portugal, determinando que a Autoridade Tributária
e Aduaneira (AT) tenha acesso à informação equivalente à que será
transmitida às entidades estrangeiras, ficando assim a conhecer os
saldos de praticamente todos os que tenham contas nos bancos
presentes no mercado português.
O Ministério das
Finanças submeteu o anteprojecto do diploma à CNPD, que encontrou
no documento uma “violação clara” da Constituição portuguesa.
No parecer, noticiado nesta quarta-feira pelo Jornal de Notícias, a
comissão considera que o facto de os bancos passarem a enviar à AT,
no final de cada ano, ficheiros com as contas financeiras representa
uma “restrição desnecessária e excessiva dos direitos
fundamentais à protecção de dados pessoais e à reserva da vida
privada”.
O fisco, diz a CNPD,
já tem conhecimento de muitas transacções bancárias e comerciais,
o sigilo bancário é levantado em muitas situações e “é
duvidoso que com o conhecimento generalizado dos saldos de contas se
possa ainda afirmar que existe sigilo bancário no ordenamento
jurídico nacional”. Entendimento contrário tem a OCDE, que ainda
recentemente considerou que Portugal está entre os países onde os
poderes de acesso às informações bancárias por parte da
administração fiscal são dos mais reduzidos.
O envio daqueles
dados, vinca a CNPD, afecta “seriamente a vida privada dos
cidadãos” e “abala decisivamente o sigilo bancário em relação
Estado”. Quando a CNPD diz que o diploma fere a Constituição
portuguesa, refere-se ao número dois do artigo 18, onde se prevê
que “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias
nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as
restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros
direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
Falta de critérios
Um dos pontos
criticados tem a ver com a quantidade e o teor da informação a que
a AT passa a ter acesso sobre os cidadãos. “É claramente
excessivo conhecer informação financeira em tão elevada escala de
titulares de dados pessoais (praticamente todos os titulares e
beneficiários de contas financeiras residentes em território
português), sem que sejam definidos critérios mínimos (e
proporcionais) que indiciem comportamentos fiscais ilícitos, ou ao
menos que identifiquem situações de risco de tais comportamentos”.
O Ministério das
Finanças tomou nota dos alertas, mas em resposta a questões
enviadas pelo PÚBLICO, vinca que “a informação em causa é
limitada no escopo (saldos da conta uma única vez por ano) excluindo
nomeadamente o detalhe dos movimentos das contas, nos exactos termos
definidos pela directiva e pelo acordo FATCA”.
Se a medida for
adoptada – intenção que o Governo ainda hoje reafirmou –, uma
das questões que a Comissão Nacional de Protecção de Dados quer
ver salvaguardada é o acesso dos dados bancários a terceiros, para
impedir que outros organismos públicos ou privados, além da AT,
tenham conhecimento das informações enviadas pelos bancos. Algo que
diz ser “imperioso” assegurar na lei.
É ainda preciso
garantir a protecção dos dados quando os bancos contratarem outras
empresas para poderem comunicar ao fisco aquelas informações
financeiras.
“As recomendações
específicas de alteração do texto formuladas pela CNPD, que não
contendem com a solução de fundo, estão em análise na sequência
do processo de consulta e serão na generalidade acolhidas no texto
final”, garantiu o Ministério das Finanças através do gabinete
de imprensa. Não se sabe, por ora, quais as sugestões que serão
acolhidas e em que medidas as preocupações da CNPD ficam
respondidas. Questionado sobre como prevê implementar esta solução,
o ministério liderado por Mário Centeno não especificou.
Fora de questão
está recuar no acesso aos dados bancário. A nova legislação
deverá ser finalizada pelas Finanças até ao final do ano. “O
Governo pretende cumprir os compromissos internacionais do Estado
Português nesta matéria e reforçar os mecanismos que são
internacionalmente considerados necessários como meios de combate à
fraude e evasão fiscal, ao branqueamento de capitais e ao
financiamento da criminalidade organizada e do terrorismo”, referem
as Finanças, referindo-se às regras europeias, ao acordo FATCA e às
recomendações da OCDE na área fiscal.
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