Terra
entrou numa nova era, o Antropoceno
29.08.2016 20h44
O impacto humano
sobre a química e o clima da Terra abreviou a época geológica de
11.700 anos conhecida como Holoceno e apressou a entrada numa nova
era, o Antropoceno, anunciou esta segunda-feira um grupo de
cientistas.
O início do
Antropoceno, ou "nova idade do Homem", será fixado em
meados do século XX se a recomendação que os investigadores hoje
apresentaram no Congresso Geológico Internacional, na Cidade do
Cabo, África do Sul, for adotada.
É provável que o
processo de aprovação leve pelo menos dois anos e requeira
ratificação de mais três equipas de académicos.
O próprio grupo de
trabalho que apresentou a recomendação, composto por 35 elementos,
levou sete anos de deliberação até reconhecer por unanimidade o
Antropoceno como uma realidade e aprovou com 30 votos a favor, três
contra e duas abstenções a decisão de que a transição deverá
ser oficialmente registada.
"Segundo o
nosso modelo de trabalho, o limite ideal é em meados do século XX",
disse Jan Zalasiewicz, um geólogo da Universidade de Leicester.
"Se for adotado
- e estamos muito longe disso -, o Holoceno termina e considerar-se-á
formalmente que o Antropoceno já começou", acrescentou.
Os cientistas
referem-se ao período a partir de 1950 como a "Grande
Aceleração", e uma olhadela a gráficos que acompanham as
numerosas alterações químicas e socioeconómicas torna óbvio
porquê.
Concentrações no
ar de dióxido de carbono, metano e ozono estratosférico;
temperaturas à superfície, acidificação dos oceanos, esgotamento
dos recursos da pesca marítima e perda de florestas tropicais;
crescimento da população, construção de grandes barragens,
turismo internacional -- todos disparam a partir de meados do século
XX.
Um dos principais
culpados é o aquecimento global provocado pela queima de
combustíveis fósseis.
Uma sintomática
onda de disseminação de espécies animais e vegetais invasivas é
também um legado da nossa espécie.
Mas o grupo de
trabalho não está autorizado a ter qualquer destes fatores em
consideração a menos que eles apareçam em algum registo geológico.
Se não pode ser
medido em rochas, sedimentos lacustres, calotas de gelo ou outras
formações que tais -- os critérios usados para identificar dezenas
de eras, períodos e épocas que remontam a quatro mil milhões de
anos -, então, não conta.
Isto, contudo, não
é um problema quando se trata do Antropoceno, indicou Zalasiewicz.
"Temos muito
por onde escolher: há todo um manancial de potenciais sinais por
aí", disse à agência de notícias francesa AFP.
Os micro plásticos,
por exemplo - uma substância sintética, feita pelo homem - "são
agora componentes do sedimento existente em todo o mundo, tanto na
terra como no mar", apontou.
E o aumento do
dióxido de carbono atmosférico está patente em calotas de gelo com
dezenas de milhares de anos.
Mudanças passadas
na biosfera - o reino dos seres vivos - ficam registadas em
sedimentos e rochas, especialmente indícios de extinções em massa,
quando até 95% de todas as formas de vida desapareceram num piscar
de olhos geológico.
O desaparecimento
dos dinossauros sem asas, no final do período Cretáceo é um desses
marcos, embora longe de ser o mais dramático.
O termo
"Antropoceno" - pela primeira vez proposto em 2002 pelo
prémio Nobel da Química Paul Crutzen - tem sido adotado por
ambientalistas como palavra de ordem nos protestos contra a expansão
do setor petrolífero e é visto por alguns conservadores como um
pretexto para o que consideram serem políticas agressivas de asfixia
económica para combater as alterações climáticas.
Em relação à
forma que tomarão as provas da existência desta nova idade
geológica do planeta Terra, Zalasiewicz disse que ainda é muito
cedo para saber, embora acrescentando que "o coral de
crescimento rápido forma um arquivo em camadas que captura bem a
química".
Para definir o
início do Holoceno, os cientistas escolheram uma amostra retirada de
uma calota de gelo, em 2003, do lençol de gelo do centro da
Gronelândia, com as coordenadas 75,1 graus Norte/42,32 graus Oeste.
O pedaço de gelo
está arquivado num armário frigorífico na Universidade de
Copenhaga.
Lusa
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