Ó
Passos, escreve os discursos!
JOÃO MIGUEL TAVARES
16/08/2016 – 01:22
Improvisos em datas
oficiais, seja o 25 de Abril, o 10 de Junho ou a festa do Pontal, não
são improvisos — é puro amadorismo.
Acreditem ou não — e, de
facto, custa a acreditar — isto foi o que Pedro Passos Coelho disse
no domingo, na recta final do seu discurso no Pontal: “Nós levamos
a sério a política. Nós levamos a sério o país. Nós levamos a
sério as pessoas. E é porque nos preocupamos com elas e com o seu
futuro que faremos o que é difícil, que faremos o que é preciso, e
esperamos que o que seja preciso e o que é difícil seja menos do
que aquilo que nós podemos fazer, porque podemos fazer mais do que
aquilo que é difícil, podemos também fazer aquilo que é
necessário para que Portugal possa ser, como a Espanha tem vindo a
mostrar, como a Irlanda mostrou também, um país em que no futuro
todos querem apostar.”
Não estou a brincar — esta
é a transcrição exacta das suas palavras. “Lutaremos por esta
visão de Portugal!”, disse ele de seguida. Mas qual visão?
Ninguém percebeu nada. Não admira que no final do discurso a
plateia tenha ficado hipnotizada a olhar para ele, e o próprio
Passos tenha sentido necessidade de gritar “viva Portugal!” duas
ou três vezes para que o público percebesse que o discurso tinha
acabado e que era simpático dispensar uma pequena salva de palmas,
para efeitos televisivos. Admito que metade das pessoas estivesse já
a dormir; a outra metade estaria possivelmente a tentar controlar a
reacção vagal, após três ou quatro loops acerca do que é
difícil, do que é necessário e daquilo que nós podemos fazer.
Ali estava Passos, torrado e
cansado, a desmentir-se em directo. “Nós levamos a sério a
política”, garantiu ele. Não. Mentira. Se Passos levasse a sério
a política, ele escrevia os seus discursos — ou algum dos seus
assessores por ele —; trabalhava os textos até ao mais ínfimo
pormenor; e, no final, quando já estivesse tudo aprontado e vistoso,
lia os discursos em dois bonitos telepontos transparentes, como fazem
os políticos profissionais. Cada vez que o vejo subir a um palanque
com uns papelinhos na mão — atenção: António Costa faz o mesmo
— fico nervoso. Mas o que é aquilo? Improvisos? O jazz aplicado à
política? Não, não, senhores que mandam no PSD. Se eu quiser ouvir
bons improvisos ponho a tocar John Coltrane. Não quero improvisos de
um primeiro-ministro, de um Presidente da República ou de um líder
partidário. Improvisos em datas oficiais, seja o 25 de Abril, o 10
de Junho ou a festa do Pontal, não são improvisos — é puro
amadorismo.
Não percebo. Juro que não
percebo. Nós temos um líder da oposição que foi primeiro-ministro
durante quatro duríssimos anos. Como é óbvio, está desgastado. Um
terço do país gosta dele. Metade do país não o pode ver. E sobra
um sexto do país, que o PSD precisa desesperadamente reconquistar,
ou tão depressa não voltará a pôr os pés em São Bento. Esse
mesmo PSD está a preparar a rentrée política num ano crucial, em
que muitos acham que o governo talvez aguente, mas o país não. E o
que faz Passos Coelho? Rabisca uns papelinhos. Precisa de um discurso
motivador, empolgante, surpreendente, que anime as plateias e dê
alguma esperança ao país. E ele? Rabisca mais uns papelinhos.
Marques Mendes, o novo oráculo laranja, tinha acabado de lhe enfiar
violentas caneladas na SIC, dizendo que são precisas caras frescas
no PSD para que não haja “uma indesejável crise interna”. E
Passos, o que faz? Lê os seus papelinhos rabiscados durante trinta
horríveis minutos. Assim, de facto, é difícil. E desnecessário. E
não se pode fazer.
1 comentário:
Este fogoso jornalista anda desnorteado ou não pesca nada de jazz. Se soubesse música (se soubesse ler, escrever e tocar um instrumento musical) saberia que o improviso no jazz se consegue após muito estudo e muita prática. No jazz, o improviso significa libertação. Libertação da partitura original, feita a metro e a compasso, como mandam as regras. É como um mapa: serve para orientar, não para condicionar ou controlar e dominar. Essa libertação torna possível a verdadeira interpretação. Sem ela, temos apenas músicos a dividir compassos, a «cumprir» como se diz na gíria do meio musical. João Miguel, não polua o jazz com temas como Passos.
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