ENTREVISTA
Governo
cria incentivos para senhorios terem estatuto de “cariz social”
NATÁLIA FARIA
29/08/2016 – PÚBLICO
Ministério quer
convencer privados a praticar rendas acessíveis às classes média e
média baixa, mais atingidas pela crise, revela o secretário de
Estado Adjunto e do Ambiente, José Mendes.
Retirar “a carga
estigmatizante” que pende sobre os inquilinos das 120 mil casas
sociais existentes no país foi um dos princípios norteadores da
nova lei do arrendamento apoiado, que entra em vigor esta
quinta-feira. Por causa do impacto orçamental do prometido
abaixamento do valor das rendas, estas só deverão começar a ser
recalculadas em 2017. O Governo aponta agora para as famílias de
classe média e média baixa que têm vindo a ser cilindradas pela
crise e que, não cumprindo os requisitos para aceder a um fogo
social, têm dificuldades em suportar os custos de uma habitação
condigna. O pacote legislativo que já está a ser trabalhado chama
os privados ao regime de rendas controladas e cria a figura do
“senhorio de cariz social”
Por que razão se
atirou para 2017 a revisão do cálculo do valor das rendas quando a
lei entra em vigor já esta quinta-feira?
Por uma razão
simples: com a alteração da fórmula que recalcula o valor da
renda, há uma supressão da receita das entidades que têm
disponíveis os fogos, como é o caso do Instituto de Habitação e
Reabilitação Urbana e das câmaras. A essa quebra de receita
corresponde uma alteração orçamental e o que estava orçamentado
era uma receita de acordo com a lei anterior. Assim, no caso do IRHU,
as novas rendas terão implicações orçamentais no início de 2017.
No caso dos outros senhorios, nomeadamente os municípios, se os
órgãos competentes entenderem, a revisão das rendas poderá
fazer-se ainda este ano, mas a isto corresponde uma redução do
valor das receitas
Há mais aspectos da
lei cuja entrada em vigor tenha sido protelada?
Não. Mas, como o
rendimento mensal corrigido, que serve de base ao cálculo da renda,
passa a levar em linha de conta o rendimento líquido e não o bruto,
isto significa que, para que possam requerer a revisão da sua renda,
os inquilinos têm de fazer prova daquilo que são os seus
rendimentos e pagamentos de impostos, ou seja, há aqui algum
trabalho de papel, administrativo, que é preciso pôr no terreno e
que admito que possa levar algum tempo. Mas, do ponto de vista da
aplicação da lei, tudo o resto entra em vigor de imediato.
Há, subjacente a
esta nova lei, alguma mudança de filosofia no tocante ao papel da
habitação social?
Não há alteração
de filosofia. O Estado continua a oferecer ou disponibilizar a casa
social cuja renda depende exclusivamente dos rendimentos dos
inquilinos e não depende nem da dimensão nem da qualidade da
habitação. Aquilo que quisemos, e para isso reescreveu-se uma parte
da lei, foi retirar a carga estigmatizante que parecia existir
relativamente aos inquilinos do arrendamento apoiado. Outra
preocupação foi salvaguardar a autonomia local, isto é, há
municípios que são senhorios de habitação social e que têm as
suas próprias realidades e que estavam totalmente submetidos à
anterior lei 81. A nova lei diz que, se os municípios quiserem criar
regulamentos que sejam mais favoráveis aos inquilinos, podem
fazê-lo. E aqui as regras - de cálculo das rendas, de admissão e
atribuição de fogos e mesmo nos casos de despejo ou incumprimento -
nunca poderão ser mais restritivas do que as que estão na lei. E há
ainda três mudanças importantes: a primeira - e isto decorre de uma
promessa feita pelo primeiro-ministro - é que o cálculo da renda
passa a incidir sobre o rendimento líquido; o segundo aspecto tem a
ver com o reforço das bonificações atribuídas pelos idosos que
façam parte do agregado e também às famílias monoparentais. No
caso dos idosos, a dedução que era de cinco por cento do Indexante
dos Apoios Sociais passou a ser de dez por cento. No caso das
famílias monoparentais, a lei institui uma dedução de vinte por
cento na base sobre a qual se aplica a taxa de esforço. E esta
também baixou de 25% para 23% do rendimento mensal corrigido do
agregado.
E sentiram
necessidade de reforçar a protecção dos inquilinos nos casos de
despejo.
As razões que
suscitavam situações de despejo continuam a ser tratadas na lei. O
que esta lei consagra é que, nos casos em que os inquilinos entram
em incumprimento, os senhorios façam acordos que permitam às
pessoas regularizar essas situações, em vez de se avançar logo
para o despejo. Do ponto de vista dos procedimentos, como a
comunicação prévia, foram todos reescritos no sentido de dar mais
garantias aos inquilinos. Há aqui uma convicção: as pessoas que
estão no arrendamento apoiado têm rendimentos limitados, e se por
vezes entram em incumprimento é porque viram reduzido o seu
rendimento. Portanto, quer-nos parecer que a lei, conhecendo este
universo, deve criar mecanismos de protecção que não penalizem de
imediato agregados familiares que sabemos que são mais frágeis e
sujeitos a mais vicissitudes no que respeita aos seus rendimentos.
Em Portugal, os
cerca de 120 mil fogos sociais correspondem a dois por cento das
casas existentes no país, contra uma média de 20% na Europa central
e do Norte. Estão previstos investimentos nesta área?
O termo ‘habitação
social’ no Norte da Europa não tem o mesmo significado no Sul da
Europa, nomeadamente em Portugal. Aquilo a que se chama habitação
social, ou senhorios de cariz social, no Norte da Europa são fogos
colocados no mercado de arrendamento com rendas controladas, mas isso
não tem nada a ver com o arrendamento apoiado de que estamos a
falar. Este arrendamento apoiado tem rendas calculadas exclusivamente
com base no rendimento das famílias, independentemente de estarmos a
falar de um T1 ou de um T5. Isto não é mercado de arrendamento, é
regime de apoio, razão pela qual muitos arrendatários pagam rendas
simbólicas. No Norte da Europa o que vigora é um modelo de mercado
de arrendamento de cariz social, isto é, o Estado intervém no
mercado no sentido de moderar o valor das rendas, o qual entra em
linha de conta com os fogos colocados no mercado.
Mas estão ou não
previstos novos investimentos nesta área?
Enquanto houver
pessoas com dificuldades em obter habitação condigna, tenderemos
sempre a achar que a habitação social é insuficiente - esse é um
ponto. Agora, acho que o que é preciso não é responder aos
problemas com mais casas sociais, mas procurar responder ao facto de
termos cada vez mais famílias carenciadas e com dificuldades em
aceder a uma habitação condigna. Estou a falar num outro segmento,
o da classe média e média baixa, que está acima do arrendamento
apoiado, mas que tem dificuldades em garantir uma habitação
condigna no mercado de arrendamento. Estamos a trabalhar num pacote
legislativo – no próximo ano deveremos ter novidades sobre isso –
que permitirá criar ou dinamizar o mercado de arrendamento - e aqui
já falo do mercado de arrendamento – e que disponibilizará casas
com rendas consideradas mais acessíveis. Como sabe, já temos no
terreno algumas linhas de reabilitação para arrendamento, como o
programa Reabilitar para Arrendar, que têm subjacente a prática de
valores de rendas que têm limites e que cabem naquele nosso conceito
de renda acessível.
Mas em que consiste
o pacote legislativo em que estão a trabalhar?
Entre os agregados
que estão na habitação social e aqueles da classe média que estão
bem alojados e podem pagar renda, há uma gama de famílias que,
sobretudo nos últimos anos em que estiveram sujeitas a fortes
restrições no seu rendimento disponível, têm dificuldades em
suportar uma renda numa casa compatível com as suas necessidades. E
estamos a apontar para aí. Estamos a trabalhar para perceber qual é
a dimensão desse segmento e quais seriam os valores de rendas
admissíveis para esse segmento da população. Atendendo a isso,
queremos criar um quadro legislativo de incentivo aos senhorios que
passa por coisas como benefícios fiscais, seguros de renda… No
fundo, o que queremos criar é todo um quadro de incentivos
legislativos para que os privados possam aderir a este estatuto de
senhorio de cariz social e, em troca disso, pratiquem rendas com
valores limite, de forma a poderem ser suportadas pelo tal segmento
das famílias de classe média e média baixa.
Nesse sentido,
aproxima-se do tal modelo do Norte da Europa?
Aproxima-se um
bocadinho dessa linha. Isto tem que ser feito de forma gradual e
implica trabalhar com o mercado de arrendamento, que foi relançado a
partir do momento em que se acabou com o congelamento de rendas. Para
este processo temos que chamar os senhorios, mas acreditamos que há
espaço para trazer alguma normalização ao mercado de arrendamento,
a pensar nestas famílias com dificuldades em suportar rendas para
habitação condigna e compatível com as suas necessidades.
A vereadora da
Habitação na Câmara de Lisboa lembrava há dias que a habitação
é único direito constitucional que não dispõe de uma lei-quadro.
O Governo está disponível para avançar nesse sentido?
A iniciativa de uma
lei-quadro tem de partir da Assembleia da República. Se o Parlamento
quiser tomar essa iniciativa, o Governo verá isso de forma positiva.
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