Este artigo foi
publicado há 10 anos …
Políticos e outros
responsáveis ? Ah é verdade, entretanto, a nova lei liberalizou o
eucalipto …
“Os eucaliptos
estão a dominar plantação ou replantação de florestas ao abrigo
de uma nova legislação que organizações ambientalistas e alguns
académicos querem ver revogada.”
OVOODOCORVO
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Os incêndios e a
desertificação do Portugal florestal
JORGE PAIVA
23/01/2006 – PÚBLICO
Antes da última
glaciação, Portugal estava coberto por uma floresta sempre-verde
(laurisilva). Durante essa glaciação a descida drástica da
temperatura fez desaparecer quase por completo essa laurisilva, tendo
sido substituída por uma cobertura florestal semelhante à actual
taiga. Após o período glaciar, a temperatura voltou a subir,
ficando o país com um clima temperado como o actual. Assim, a
floresta glaciar foi substituída por florestas mistas (fagosilva) de
árvores sempre-verdes (algumas delas relíquias da laurisilva) e
outras caducifólias, transformando o país num imenso carvalhal
caducifólio (alvarinho e negral) a norte, marcescente (cerquinho) no
centro e perenifólio (azinheira e sobreiro) para sul, com uma faixa
litoral de floresta dominada pelo pinheiro-manso e os cumes das
montanhas mais frias com o pinheiro-da-casquinha (relíquia
glaciárica). Por destruição dessas florestas, particularmente com
a construção das naus (três a quatro mil carvalhos por nau)
durante os Descobrimentos (cerca de duas mil naus num século) e da
cobertura do país com vias férreas (travessas de madeira de negral
ou de cerquinho para assentar os carris), as nossas montanhas
passaram a estar predominantemente cobertas por matos de urzes ou
torgas, giestas, tojos e carqueja. A partir do século XIX, após a
criação dos "Serviços Florestais", foram artificialmente
re-arborizadas com pinheiro-bravo, tendo-se criado a maior mancha
contínua de pinhal na Europa. A partir da segunda década do século
XX, apesar dos alertas ambientalistas, efectuaram-se intensas,
contínuas e desordenadas arborizações com eucalipto, tendo-se
criado a maior área de eucaliptal contínuo da Europa. Sendo o
pinheiro resinoso e o eucalipto produtor de óleos essenciais,
produtos altamente inflamáveis, com pinhais e eucaliptais contínuos,
os incêndios florestais tornaram-se não só frequentes, como também
incontroláveis. Desta maneira, o nosso país tem já algumas
montanhas transformadas em zonas desérticas.
Sempre fomos contra
o crime da eucaliptização desordenada e contínua. Fomos
vilipendiados, maltratados, injuriados, fomos chamados à Judiciária,
etc. Mas sabíamos que tínhamos razão. Infelizmente não vemos
nenhum dos que defenderam sempre essa eucaliptização vir agora
assumir as culpas destes "piroverões" que passámos a ter
e que, infelizmente, vamos continuar a ter. Também sempre fomos
contra o delapidar, por sucessivos Governos, dos Serviços Florestais
(quase acabaram com os guardas florestais). Isso e o êxodo rural (os
eucaliptos são cortados de 10 em 10 anos e o povo não fica 10 anos
a olhar para as árvores em crescimento tendo, por isso, sido
"forçado" a abandonar as montanhas e a ficar numa
dependência económica monopolista, que "controla" o preço
da madeira a seu belo prazer) tiveram como resultado a desumanização
das nossas montanhas pelo que, mal um incêndio florestal eclode, não
está lá ninguém para acudir de imediato e, quando se dá por ele,
já vai devastador e incontrolável.
Infelizmente vamos
continuar a ter "piroverões" por mais aviões "bombeiros"
que comprem ou aluguem. Isto porque, entre essas medidas, não estão
as duas que são fundamentais, as que poderiam travar esta onda de
incêndios devastadores que nos tem assolado nas últimas décadas.
Uma, é a re-humanização das montanhas, que pode ser feita com
pessoal desempregado que, depois de ter frequentado curtos "cursos
de formação" durante o Inverno, iria vigiar as montanhas,
percorrendo áreas adequadas durante a Primavera e Verão. A outra
medida fundamental seria, após os incêndios, arrancar logo a toiça
dos eucaliptos e replantar a área com arborização devidamente
ordenada. Isto porque os eucaliptos rebentam de toiça logo a seguir
ao fogo, renovando-se a área eucaliptada em meia dúzia de anos, sem
grande utilidade até porque o diâmetro da ramada de toiça não é
rentável para as celuloses. Mas como tal não se faz, essa mesma
área de eucaliptal torna a arder poucos anos após o primeiro
incêndio e assim sucessivamente. Muitas vezes, essas mesmas áreas
são também invadidas por acácias ou mimosas, bastando para tal que
exista um acacial nas proximidades ou nas bermas das rodovias, pois
as sementes das acácias são resistentes aos fogos e o vento ajuda a
dispersá-las por serem muito leves. As acácias, como são
heliófitas (plantas "amigas" do Sol), e não havendo
sombra de outras árvores após os incêndios, crescem depressa
aproveitando a luminosidade e ocupando aquele nicho ecológico antes
das outras espécies se desenvolverem.
Mas como vivemos
numa sociedade cuja preocupação predominante é produzir cada vez
mais, com maior rapidez e o mais barato possível, as medidas
propostas são economicamente inviáveis por duas razões: primeiro,
porque é preciso pagar aos vigilantes e respectivos formadores;
segundo, porque arrancar a toiça dos eucaliptos é muito dispendioso
(custa o correspondente ao lucro da venda de três cortes, isto é, o
lucro de 30 anos). É bom também elucidar que os eucaliptais só são
lucrativos até ao terceiro corte (30 anos). Depois disso, estão a
abandoná-los, o que os torna um autêntico "rastilho" ou,
melhor, um terrível "barril de pólvora", áreas onde os
seus óleos essenciais, por vaporização ao calor, são explosivos
e, quando a madeira do eucalipto começa a arder, provocam a explosão
dos troncos e respectiva ramada, lançando ramos incandescentes a
grande distância. Este "fenómeno" tem sido bem visível
nos nossos "piroverões".
Por outro lado, pelo
menos uma destas medidas (arranque da toiça e re-arborização
ordenada) não tem resultados imediatos mas a longo prazo. Por isso
os governantes não estão interessados na aplicação dessas
medidas, pois interessa-lhes mais resultados imediatos (as eleições
são de quatro em quatro anos...) do que de longo prazo.
Assim, sem
resultados imediatamente visíveis e com uma despesa tão elevada, os
governos nunca vão adoptar tais medidas. Preferem gestos por vezes
caricatos, como distribuir telemóveis aos pastores, mas que nunca
não acabarão com os "piroverões".
Finalmente, após a
referida delapidação técnica e funcional dos Serviços Florestais
(antigamente, os incêndios florestais eram quase sempre apagados
logo no início e apenas pelo pessoal e tecnologia dos Serviços
Florestais), esqueceram-se da conveniente profissionalização e
apetrechamento dos bombeiros, melhor adaptados a incêndios urbanos.
Se os nossos
governantes continuarem, teimosamente, a não querer ver claramente o
que está a acontecer, caminharemos rapidamente para um amplo deserto
montanhoso, com a planície, os vales e o litoral transformados num
imenso acacial, tal como já acontece em vastas áreas de Portugal.
Biólogo
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