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O
Presidente Marques Mendes
João
Miguel Tavares / 18-8-2016 / PÚBLICO
Numa longa
entrevista de vida publicada no Observador, Marques Mendes resolveu
deixar a porta aberta para uma candidatura às eleições
presidenciais de 2024. Eu sei que até 2024 é possível que o mundo
acabe ou que o país seja leiloado, mas a mim interessa-me menos a
probabilidade do que a disponibilidade. O jornalista Vítor Matos,
que assina a peça, começa por perguntar se ele está interessado em
vir a ser deputado ou presidente da Assembleia da República. Marques
Mendes é taxativo: “Nem pensar.” Já quando lhe pergunta pela
Presidência da República, a resposta é esta: “Não sei, um dia
daqui a oito anos talvez pense nisso. O Presidente em princípio faz
10 anos e, portanto, começa-se a pensar nisso dois anos antes. Um
dia poderei pensar nisso, apenas e só.”
Aquele “apenas e
só”, não é nem “apenas”, nem “só”. Por duas ordens de
razões, ambas importantes. A primeira tem a ver com aquilo que
começa, aos poucos, a instituir-se como uma tradição nacional:
para alcançar os mais elevados cargos da pátria é preciso ter tido
primeiro boa nota como comentador, após longo estágio televisivo.
Com a excepção de Cavaco Silva e de Passos Coelho, desde o
portentoso reinado de Pedro Santana Lopes que não temos visto outra
coisa. Santana Lopes foi durante mais de um ano comentador em horário
nobre com José Sócrates. José Sócrates foi comentador em horário
nobre com Santana Lopes. António Costa foi comentador da Quadratura
do Círculo. E Marcelo foi comentador durante metade da vida e, a bem
dizer, continua a ser, agora a partir de Belém. Nada tenho contra a
televisão nem contra o comentário político. Mas isto não me
parece ser particularmente saudável para a democracia portuguesa.
Qualquer dia, em vez de votarmos, escolhemos os nossos governantes
através da análise do seu share.
A outra razão é
esta: Marques Mendes tem ar de poder servir, com a ajuda de uma
cabeleira loura, de modelo para um anjo de Rubens — mas é mesmo só
ar. De santinho ele nada tem, e, para o caso de não terem reparado,
o seu nome anda a fazer tangentes a episódios muito duvidosos. Na
questão dos escândalos dos vistos gold — descrito pelo juiz
Carlos Alexandre como “um lamaçal” —, o seu nome apareceu
associado a vários arguidos, dos quais foi sócio na empresa JMF
Projects & Business, implicada no caso.
Depois, descobriu-se
que também tinha andado a pedir favores ao presidente do Instituto
dos Registos e Notariado, António Figueiredo — cuja filha era
sócia de Marques Mendes na empresa JMF —, para obter a
nacionalidade portuguesa para dois cidadãos estrangeiros. Um deles a
mulher de “um tipo de grande prestígio, talvez o maior empresário
de Moçambique”. O outro, a nora do fundador do grupo Pão de
Açúcar: “É muito importante, porque eles vão investir muito
dinheiro em Portugal.” Na entrevista ao Observador, Marques Mendes
garantiu que era “jurista, sempre”, e não lobista, nem
facilitador. Pois bem: não se nota. Digamos que é a sua queda para
os eufemismos, que o levou a chamar “pecadilhos” às pressões
que fez na RTP, tal como em tempos chamou “reencaminhamento de
mails” a pressões junto da PT. Em 2007, a propósito de uma
polémica envolvendo a Universidade Atlântica, o chefe de gabinete
de Marques Mendes respondeu aos jornalistas com a seguinte frase:
“Não se lembra de nada e o que sabe é que está tudo bem.” Essa
frase merecia estar inscrita no seu cartão de visita. Comentador da
SIC? Com certeza. Presidente da República? Jamais.
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