Incêndios:
uma “dolorosa tradição” que é um problema político
MARIA JOÃO LOPES
08/08/2016 – PÚBLICO
Secretário
de Estado da Administração Interna admite que “não é aceitável
o número de incêndios que temos de combater diariamente”. Só
nesta segunda-feira foram quase 400 em todo o país.
Pessoas a ajudarem
os bombeiros a combater as chamas, algumas alarmadas com o fogo perto
das casas, assustadas com o vento que fazia alastrar o perigo,
estradas cortadas, lares e uma aldeia a serem evacuados, gente a ser
retirada das habitações por causa do fumo. As imagens de bombeiros
a lutarem contra labaredas repetem-se Verão após Verão. Os últimos
dias podem ter sido atípicos, com muitos fogos e temperaturas acima
da média, mas, com Agosto à porta, o cenário poderá continuar. O
problema já não é a falta de meios, como se criticava há uns
anos. Há meios, há bombeiros com formação, mas estes avanços,
por si só, podem não ser suficientes para fazer face às elevadas
temperaturas e, sobretudo, ao eterno problema da falta de ordenamento
da floresta.
Esta é a opinião
de quem conhece bem o terreno há décadas, como o presidente da Liga
dos Bombeiros Portugueses, Jaime Marta Soares, e o presidente do
conselho directivo do Centro de Estudos e Intervenção em Protecção
Civil, Duarte Caldeira. “Vamos continuar a ter um Agosto [com
fogos] como é tradicional, e é doloroso dizer esta palavra, mas é
o que a evidência histórica nos diz”, lamenta Duarte Caldeira.
O especialista sabe
de cor os problemas: temperaturas “elevadíssimas”, ventos
típicos de Agosto, a humidade no solo que acaba por secar… De
acordo com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera, as
temperaturas vão baixar ligeiramente, mas vai manter-se o tempo
típico de Verão nas regiões do interior, com temperaturas máximas
entre os 35 e os 40 graus.
Em relação ao
tempo, nada a fazer. Em relação aos meios, ao dispositivo, à
formação dos bombeiros, nada a apontar, dizem Jaime Soares e Duarte
Caldeira. Uma das questões em que se pode intervir é no ordenamento
da floresta, do espaço rural.
“É uma floresta
disseminada por pequenos proprietários que impede a sua regeneração.
É um cocktail de variáveis que redundam nisto, variáveis
económicas, políticas, culturais e sociais. O problema só poderá
ser verdadeiramente encarado quando houver uma estratégia política
integrada que envolva estas quatro dimensões”
Duarte Caldeira,
presidente do Centro de Estudos e Intervenção em Protecção Civil
Continua a faltar “o
ordenamento estrutural” do espaço rural, diz Duarte Caldeira.
“Mantém-se o problema gravíssimo com o qual o país não tem
sabido lidar de forma eficiente ao longo dos anos.” E descreve:
locais onde a população idosa “já não trabalha a terra”,
casas no meio da floresta, “sem critério urbanístico, florestal
ou territorial, uma desconexão entre propriedade privada e
propriedade do Estado”, sendo que a percentagem estatal é
“residual” e a privada está “diluída por cerca de meio milhão
de proprietários”.
“É uma floresta
disseminada por pequenos proprietários que impede a sua regeneração.
É um cocktail de variáveis que redundam nisto, variáveis
económicas, políticas, culturais e sociais. O problema só poderá
ser verdadeiramente encarado quando houver uma estratégia política
integrada que envolva estas quatro dimensões”, defende.
Jaime Soares
corrobora: “Tudo isto poderia ter outros efeitos, ou ser alterado,
se nós tivéssemos a nossa floresta devidamente tratada. Está
completamente abandonada. Há soluções que passam pelo
associativismo, por legislação para que o colectivo se sobreponha
ao individual, não temos o cadastro completo da nossa floresta.
Todos os anos nos deparamos com esta situação.”
“Terrorismo”
Jaime Soares levanta
ainda outra questão, a que chama “autêntico terrorismo — 98%
dos fogos tem origem na mão humana e 75% são de origem criminosa”.
Por isso, defende “mais vigilância musculada, com mais gente, mais
força e modernização dos postos de vigia”. Caso contrário,
avisa: “No ano passado, tivemos mais ignições em Portugal do que
Espanha e França juntas. Este ano, se calhar, vamos pelo mesmo
caminho.” A GNR já decidiu reforçar o patrulhamento das
florestas.
“No ano passado,
tivemos mais ignições em Portugal do que Espanha e França juntas.
Este ano, se calhar, vamos pelo mesmo caminho”
Jaime Marta Soares,
presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses
Às 20h desta
segunda-feira, o comandante operacional nacional, José Manuel Moura,
fez o balanço do dia: 310 incêndios (o dispositivo em Portugal está
preparado para 250 diários), 6238 operacionais no terreno, 1646
viaturas e 107 meios aéreos. Activos àquela hora eram 66, 55 dos
quais tiveram início nesta segunda-feira, sendo que os outros 11 já
se arrastavam desde domingo. Domingo foi, aliás, o dia mais quente
do ano e aquele que teve o maior número de incêndios até agora —
455.
Dos 66 incêndios
activos ao final do dia, os mais preocupantes eram em Águeda,
Gouveia, Gondomar, Vila Nova de Cerveira, Arcos de Valdevez e Nelas.
Mas também havia situações críticas em Beja e Faro. “Os meios
nunca são suficientes, mas o dispositivo tem correspondido de uma
forma dantesca”, disse José Manuel Moura. Em Ponte de Lima, Arcos
de Valdevez e Funchal foi preciso retirar pessoas das habitações e
o mesmo aconteceu em lares de idosos de Águeda e Viseu. Pelas 22h
contavam-se já um total de 385 fogos ao longo de todo o dia no país.
O ministro do
Ambiente, João Matos Fernandes, também reconheceu, citado pela
agência Lusa, que no domingo houve "um número invulgar de
incêndios", mas, ainda assim, preferiu destacar a "redução
muito significativa" da área ardida este ano. Mas, “sem
dúvida, que a contratação de vigilantes da natureza que está
prevista para o final deste ano é da maior importância para
podermos estar ainda mais perto do território”, disse.
Por e-mail, o
secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, também
admitiu que “não é aceitável o número de incêndios que temos
de combater diariamente”. Diz ser “essencial” reduzir o número
de ignições e apostar em comportamentos preventivos. Jorge Gomes,
que apela “a todos os autarcas e a todos os cidadãos que sejam
parceiros na vigilância activa da floresta que impeçam a prática
de comportamentos de risco e que informem as autoridades caso
suspeitem de práticas de incendiarismo”, não esconde que “estes
dias com temperatura muito elevada, reduzida humidade relativa e
vento forte suscitam especiais preocupações”.
“Em relação a
Julho, tivemos situações muito adversas. Confrontando a média dos
últimos dez anos com os resultados de 2016, os números são claros:
o número de ocorrências em Julho de 2016 foi 12% superior à média
dos últimos dez anos”, mas “a área ardida nesse mesmo mês foi
inferior em 49% à média dos últimos dez anos”, diz, reforçando
a ideia de que “Portugal tem um dispositivo consolidado, bem
treinado, bem equipado e capaz de fazer face aos incêndios
florestais”.
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