Boom
turístico, estatísticas e museus
Luís Raposo
08/08/2016 –
PÚBLICO
As vistas curtas não
são apenas estreitas no plano da promoção dos nossos museus junto
dos circuitos internacionais. São-no também, e antes de tudo, junto
dos cidadãos nacionais.
Duas bases de dados
de estatísticas sobre museus foram publicadas nos últimos meses.
Uma delas, de âmbito mundial e referente a museus de arte,
encontra-se já disponível em toda a extensão. Trata-se do
inquérito promovido anualmente pela revista The Art Newspaper,
publicado em Abril passado. Da outra, conduzida pelo Centro de
Investigação e Estudos de Sociologia-Instituto Universitário de
Lisboa e versando somente sobre 14 museus da Direcção-Geral do
Património Cultural (DGPC), conhecem-se apenas extractos
apresentados em Maio último, aguardando-se a sua divulgação
extensiva no final ou depois do Verão. Em ambas as citadas fontes um
fundo comum: o boom turístico existente nalguns países, ou a falta
dele, noutros. E, vistos da nossa janela, o seu (des)aproveitamente e
as suas (in)consequências.
No plano
internacional, a consistência anual dos inquéritos permite procurar
linhas evolutivas. Neste jornal, em 21.4.2014, expúnhamos alguns dos
resultados do inquérito de 2012 debaixo da epígrafe: As “grandes
exposições”, os museus e o provincianismo nacional. Salientávamos
então, e lamentávamos, a ausência de Portugal da lista dos 100
museus de arte mais visitados no Mundo. Situação mais agravada
ainda porque Lisboa nem sequer figurava também na lista das
exposições com mais de 1000 visitantes/dia (contrariamente ao
Porto, através de 5 exposições nessas condições, realizadas em
Serralves). As coisas mudaram entretanto um poucochinho. Em 2015,
Portugal já surge representado na lista dos 100 museus, com um museu
lisboeta (Museu Berardo). E com onze exposições, todas no Porto e
em Serralves.
Fraco consolo,
porém, porque somente fruto de uma tendência geral de dispersão
dos ditos 100 museus por maior número de países. Num contexto em
que o turismo estrangeiro conhece uma verdadeira explosão, com taxas
anuais superiores a dois dígitos, reflectidas em alguns museus (o
caso mais notável é o Museu Arqueológico do Carmo, que aumentou
44% ao ano, nos últimos cinco anos), o crescimento assinalado pela
The Art Newpaper é pouco mais do que risível, continuando a ser
válida a observação e repto com que terminávamos o texto acima
citado: “aqui ninguém ousa actuar audaciosamente e acabar com as
capelinhas (serviços centrais do Estado, autarquia, galeristas,
museus), criando no imediato uma task force para pensar um pacote de
museus e exposições a incluir na oferta turística de uma capital,
que assim teima em continuar provinciana, sendo porventura a única
onde cada um sabe de si e já nem sequer nenhum deus sabe de todos.”
As estatísticas aí estão a comprová-lo. Mas nem elas seriam
necessárias, porque bastaria observar o espectáculo ocorrido nos
últimos meses em torno do chamado “Eixo-Belém-Ajuda”, opondo
Câmara a Governo e, dentro deste, velhos e novos governantes e seus
gestores de estimação.
As vistas curtas não
são apenas estreitas no plano da promoção dos nossos museus junto
dos circuitos internacionais. São-no também, e antes de tudo, junto
dos cidadãos nacionais. Como se disse, no caso português escasseiam
os dados e o inquérito referido abrange um universo de museus muito
restrito. Ainda assim, os jornais apressaram-se a fazer retratos
breves, positivos uns (satisfação geral é de 96,7%, visitante dos
museus é jovem, tem formação e procura-os porque a arte lhe dá
prazer…), negativos outros (os nossos museus não são para
"velhos", museus nacionais devem melhorar comunicação nas
redes sociais, público crítico com a informação). Enfim,
dir-se-ia que nada verdadeiramente de novo debaixo da terra.
O que, sim, não
sendo novo, merece referência especial é a circunstância de 37%
dos entrevistados portugueses dizerem que a gratuitidade de acesso
constitui factor importante da sua visita a museus. Sabendo que as
condições de resposta, nomeadamente em tempo e atenção
requeridos, conduziram à sub-representação de segmentos de público
com menor apetência de visita, fácil é concluir que os valores
reais não devem estar abaixo dos 50% e seriam ainda maiores em
universo de museus mais alargado - no que mais uma vez se prova a
importância deste factor, por muito que os bem colocados na vida,
incluindo alguns profissionais de museus, insistam em o
desconsiderar.
Abre-se aliás aqui
toda a magna questão da visita dos cidadãos nacionais aos museus.
Descontado o Museu Nacional dos Coches (MNC), pelas razões a seguir
indicadas, nos restantes treze museus inquiridos, entre 2012 (último
de que existem dados, porque desde que há DGPC foi abandonada a
exigência anterior de prestação de contas extensiva) e 2015 houve
uma redução, embora marginal, do número de visitantes nacionais;
pelo contrário houve um aumento considerável (mais de 30%) dos
visitantes estrangeiros. Mesmo em termos mais amplos, no conjunto dos
museus da DGPC, os portugueses aumentaram somente em 1,4% ao ano no
último quinquénio (para 11,4% dos estrangeiros). De toda a
evidência, o que se está a passar é uma lenta agonia da relação
dos museus nacionais com aqueles que deveriam constituir os seus
principais destinatários, os portugueses.
Dir-se-ia que existe
uma excepção, o MNC, que em Janeiro passado já dava títulos de
jornal dizendo que “bate recordes” e desde aí tem servido de
regozijo para gestores e políticos de turno. Desde que aberto o novo
edifício, não somente cresceu muito em número de visitantes, como
aumentou extraordinariamente a percentagem de portugueses. Mas aqui é
que está o busílis: ao longo de muitos anos, desde sempre na
realidade, o MNC estabeleceu uma estrutura de públicos amplamente
dominada por estrangeiros, sempre acima dos 80%. Ora, em 2015 os
portugueses chegaram quase a metade (45%)! É óbvio existir aqui o
efeito circunstancial da novidade do novo edifício. Feitas as
projecções nos termos do modelo estrutural referido, o número de
visitantes do MNC deveria ser em 2015 cerca de 220 a 230 mil, um
valor em linha com alguns anos anteriores e em todo o caso abaixo dos
máximos atingidos no passado. Claro que a continuação do boom
turístico em Lisboa irá beneficiar também este museu nos anos mais
próximos, mas cá estaremos para ver se não tivemos razão quando
agora fazemos estas contas. Como diz o povo, é só deixá-los
pousar, museu e visitantes.
Arqueólogo,
Presidente do ICOM Europa
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