Um
morto e mil desalojados no Funchal: o inferno desceu à cidade
MÁRCIO
BERENGUER 09/08/2016 - 22:24 (actualizado às 06:31 de 10/08/2016)
As
chamas, que andaram todo o dia nas zonas mais elevadas do concelho,
desceram à noite à cidade espalhando destruição e aflição por
onde passavam. Já não há lugares seguros no Funchal.
Um
morto, dois feridos graves, um dos quais evacuado para Lisboa, 147
ligeiros, um sem número de habitações destruídas, um hotel de
cinco estrelas ardido e uma tempestade de caos bem no centro Funchal.
O balanço, feito na madrugada desta quarta-feira, dos incêndios que
lavram desde a véspera na capital madeirense contabiliza ainda os
cerca de 1000 desalojados, o Hospital dos Marmeleiros evacuado, os
armazéns industriais consumidos pelo fogo e as unidades fabris
devastadas.
Mas
é o balanço possível e provisório, porque o incêndio, que
começou sem quase ninguém dar por ele numa das encostas da cidade,
já prometeu acalmar-se várias vezes e nunca cumpriu. Surgiu sempre
mais violento, alimentado pelo vento forte e seco do Norte de África,
que fez os termómetros subirem aos 37 graus. Coisa rara, mesmo em
Agosto, na Madeira.
As
previsões meteorológicas para as próximas horas não são
animadoras, e a Madeira teme mais horas de sofrimento. No final da
tarde, o executivo madeirense pediu ajuda a Lisboa. O
primeiro-ministro, António Costa, que estava reunido com o comando
nacional da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), garantiu
o envio ainda nesta terça-feira de uma equipa constituída por dez
elementos do Grupo de Intervenção de Protecção e Socorro da GNR,
dez da Força Especial de Bombeiros, dez voluntários e cinco
elementos do INEM, para auxiliar os meios já mobilizados pelo
governo insular.
A
equipa, que tinha a partida agendada para a noite desta terça-feira
num avião da Força Aérea, será chefiada pelo segundo comandante
da ANPC, mas já durante a noite, à medida que o incêndio alastrava
pela cidade, foi decidido reforçar os meios. Aos 35 homens iniciais
vão juntar-se mais 40 especialistas em fogos urbanos, que aterram na
Madeira às 3h da madrugada, e mais quatro dezenas de bombeiros que
chegam ao Funchal pelas 8h da manhã. Ao todo, serão cerca de 110 os
elementos enviados pelo Governo da República para reforçar os meios
de combate aos incêndios na Madeira.
9,25
É média de incêndios por hora entre os dias 1 e 8 de Agosto em
Portugal. Ao todo, nesse período, registou-se um total de 1775
incêndios
Já
durante a madrugada, uma fonte do governo regional da Madeira
confirmou à agência Lusa a morte de uma mulher na sequência dos
incêndios. Segundo a RTP, era uma idosa que estava acamada numa das
habitações afectadas pelo fogo, na zona da Pena, perto do centro da
cidade do Funchal, onde na zona histórica arderam pelo menos 37
casas.
Paulo
Cafôfo, presidente da câmara do Funchal, estimava às 3h que já
havia cerca de um milhar de deslocados. "Temos cerca de mil
deslocados de casas e hotéis, são residentes e turistas. Cerca de
600 estão no Regimento de Guarnição n.º 3 (Exército), 300 estão
no estádio dos Barreiros e 50 no centro cívico de São Martinho”,
afirmou à agência Lusa, considerando ser "impossível"
fazer a contabilização do número de edifícios ardidos - o
autarca, porém, confirmou que o emblemático Choupana Hills,
localizado na zona com o mesmo nome, foi totalmente consumido pelas
chamas.
Mobilização
total
No
combate aos fogos, o primeiro-ministro, António Costa não rejeita
qualquer cenário. “Gostaria de dizer também que tomámos a
decisão de accionar o pré-alerta para o mecanismo europeu de
protecção civil, assim como o acordo bilateral com a Federação
Russa, tendo em vista a eventual necessidade de accionar meios, caso
durante o próximo fim-de-semana e feriado, dia 15, venhamos a ter
uma situação que justifique”, anunciou o primeiro-ministro,
explicando que o alerta ainda não foi feito. Trata-se de um
“pré-alerta”, de forma a precaver qualquer eventualidades, numa
altura em que este mecanismo europeu está com uma capacidade
limitada de apoio.
Em
pânico, apesar dos apelos do governo, a população entupiu as
estradas para fugir do fogo, aumentando assim o caos e complicando a
circulação dos veículos de emergência. Pessoas tentavam
atravessar a cidade para resgatar familiares. Outras apenas queriam
regressar a casa. À medida que as horas foram passando, já poucos
lugares seguros existiam na cidade
Na
Madeira, os serviços de protecção civil estão também no limite.
Foi activado o Plano Regional de Emergência e declarada a situação
de contingência, que na prática significa a mobilização total dos
meios disponíveis.
No
terreno — ou melhor, nos terrenos —, a situação, que parecia
controlada por volta das 18h, tornou-se caótica. As chamas, que
andaram todo o dia nas zonas mais elevadas do Funchal, desceram à
cidade espalhando destruição e aflição por onde passavam. E
passavam por todo o lado. Já ao início da noite, os incêndios
começaram a atingir prédios na baixa da cidade.
Populares
em fuga
Em
pânico, apesar dos apelos do governo, a população entupiu as
estradas para fugir do fogo, aumentando assim o caos e complicando a
circulação dos veículos de emergência. Pessoas tentavam
atravessar a cidade para resgatar familiares. Outras apenas queriam
regressar a casa. À medida que as horas foram passando, já poucos
lugares seguros existiam na cidade.
O
centro histórico do Funchal era um deles, mas anoiteceu a arder. A
capital madeirense parecia uma cidade sitiada, onde o ruído do vento
era entrecortado, aqui e ali, por uma explosão de botijas de gás e
pelas sirenes de bombeiros. Em pânico, sempre o pânico, a população
desceu para junto do mar, onde o anfiteatro que circunda a cidade era
desolador.
Para
quem não conhece o Funchal, para quem nunca percorreu as estradas
sinuosas que recortam a paisagem madeirense, os números dos meios
técnicos e humanos mobilizados para o combate aos incêndios podem
até não impressionar. Falar de 100 ou mesmo 150 homens parece
curto, principalmente quando comparamos com as centenas de bombeiros
que, nesta época em que o país arde, nos entram pelas televisões e
ilustram jornais a enfrentar hectares e hectares de fogo.
Depois
de uma madrugada de desespero e de uma manhã aterradora, a noite
chegou ainda mais escaldante. O fogo ganhou vida. Reacendeu-se onde o
julgavam morto. Apareceu onde não o esperavam. Destruiu casas,
consumiu fábricas, andou por quintais, lambeu paredes de postos de
abastecimento. Ouviram-se explosões de gás, pessoas a fugir, e
outras, que não queriam ir embora com medo de perder a casa, foram
forçadas a sair pela polícia
É
preciso, por isso, viajar até à baixa do Funchal, ali junto ao mar,
e olhar para a cidade a crescer, serra acima, por entre lombos e
falésias que foram verdes, e agora estão pintadas de cinza e
chamas, para melhor medir a dimensão dos fogos. É preciso olhar
para a densa nuvem de fumo, respirar o ar carregado de cinza que
torna o céu vermelho-fogo, para entender que, mesmo sem os hectares
dos incêndios que atingem o continente, as consequências são mais
dramáticas.
No
Funchal, existem duas cidades. Aquela junto ao mar, de avenidas
largas e ruas entrelaçadas de esplanadas e turistas, e a outra, as
que os funchalenses chamam de zonas altas, onde a malha urbana divide
o pouco espaço, por entre becos e ruelas, com manchas de floresta e
mato. Foi ali, nas freguesias de São Roque, Monte e Santo António,
que os incêndios começaram por andar, por entre as casas, postos de
abastecimento de combustível e armazéns industriais. Na baixa, o
fogo nunca tinha aparecido com tamanha violência, até esta
terça-feira.
O
fogo ganhou vida
Depois
de uma madrugada de desespero e de uma manhã aterradora, a noite
chegou ainda mais escaldante. O fogo ganhou vida. Reacendeu-se onde o
julgavam morto. Apareceu onde não o esperavam. Destruiu casas,
consumiu fábricas, andou por quintais, lambeu paredes de postos de
abastecimento. Ouviram-se explosões de gás, pessoas a fugir, e
outras, que não queriam ir embora com medo de perder a casa, foram
forçadas a sair pela polícia.
31
Pessoas foram detidas desde o início deste ano pelo crime de
incêndio florestal. O número inclui as detenções feitas pela
Polícia Judiciária e GNR
Cerca
da meia-noite, o presidente da Câmara do Funchal, em declarações à
SIC-Notícias, anunciou que centenas de pessoas, entre elas muitos
turistas, foram retiradas de duas unidades hoteleiras na baixa da
cidade e encaminhadas para o Estádio dos Barreiros — casa do
Marítimo, que devido aos fogos cancelou a apresentação oficial ao
sócios marcada para esta quarta-feira —, onde deverão pernoitar.
Questionado
sobre o cansaço do efectivo que combate as chamas, o presidente da
autarquia afirmou: “Não vamos descansar. Temos muitas pessoas
cansadas, mas enquanto o Funchal não estiver seguro não
descansaremos.”
À
mesma hora, o presidente do Governo Regional da Madeira, Miguel
Albuquerque, reconhecia que os fogos "não estão debelados"
e que a situação é "periclitante". O incêndio
mantinha-se às 00h desta quarta-feira com múltiplas frentes
activas. Miguel Albuquerque fala em "avultados" danos
materiais.
"A
prioridade é para atender à salvaguarda de vidas humanas",
disse o governante, sublinhando que será necessário "tentar
socorrer da ajuda do Estado para fazer face a danos de natureza
pública e privada".
Um
testemunho recolhido pelo PÚBLICO relatava que não há sinal de
rádio. Segundo a SIC-Notícias, que dá conta de 37 casas afectadas
pelo fogo, um centro comercial junto à igreja de São Pedro, no
centro histórico do Funchal, está a arder.
O
governo regional anunciou entretanto a dispensa, nesta quarta-feira
de manhã, dos funcionários públicos que trabalham no centro da
capital madeirense, para evitar um grande afluxo de pessoas na
cidade. Também o trânsito estava caótico ao final da noite desta
terça-feira, com muitos congestionamentos na baixa do Funchal, tendo
a PSP encerrado as entradas da cidade, segundo presenciou a agência
Lusa.
Durante
tarde, o presidente do governo regional anunciou a criação de um
fundo de apoio de 163 mil euros para a reconstrução de habitações
destruídas ou danificadas nos incêndios e para a reavaliação de
alojamentos. Mas, pelo evoluir da situação, a verba será curta
para tanta destruição, que não se resume ao Funchal.
Ao
longo de todo o dia, as chamas atingiram outros locais da ilha. Os
concelhos da Ponta do Sol, Câmara de Lobos e Calheta (todos a Oeste
do Funchal) foram os mais atingidos, com os bombeiros a andarem num
constante vaivém entre as várias frentes.
Os
desalojados, entre os quais os doentes evacuados dos hospitais dos
Marmeleiros e Dr. João de Almada, foram transportados para o
Regimento de Guarnição n.º 3 do Exército. Aqui, enfermeiros e
psicólogos prestam apoio aos desalojados, num quartel que, nos
últimos anos, tem sido o porto seguro das populações em momentos
de catástrofe, com foram os incêndios no Funchal em 2013 ou o
temporal de 20 de Fevereiro de 2010. À noite foram também
deslocados alguns civis para um abrigo na escola básica da Nazaré.
Em
Portugal continental, os incêndios pareciam ter acalmado
ligeiramente à noite, mas longe de uma situação normalizada.
Segundo o balanço da Protecção Civil às 4h50, estavam no terreno
960 operacionais a combater nove incêndios, considerados de maior
dimensão, nos distritos de Aveiro, Braga, Guarda, Porto, Viana do
Castelo. com Mariana Oliveira e H.D.S.
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