OPINIÃO
Um
avental e uma esfregona
PEDRO SOUSA CARVALHO
04/03/2016 / PÚBLICO
António
Lamas, do Centro Cultural de Belém (CCB), é a mais recente vítima
da geringonça, que por onde passa vai fazendo tábua rasa de tudo o
que foi feito pelo anterior Governo.
Para quem está fora
da história, António Lamas geria uma empresa pública chamada
Parques de Sintra – Monte da Lua, que fazia uma gestão integrada
de vários museus, monumentos e jardins na zona de Sintra. O facto de
gerir em simultâneo vários equipamentos culturais permitia obter
sinergias a nível dos custos (limpeza, pessoal, segurança,
manutenção, etc.) e de receitas (sistema de bilhética comum, venda
cruzada de bilhetes com descontos, etc.). É um modelo que resultou,
foi premiado internacionalmente, deixou de pesar no Orçamento do
Estado e o objectivo da contratação de António Lamas pelo anterior
Governo era precisamente o de tentar replicar esse plano para a zona
de Ajuda-Belém.
Mas o novo Governo
achou que não e João Soares correu com António Lamas por
considerar a ideia do eixo Ajuda-Belém “um disparate total”.
Digamos que é uma razão bastante forte e atendível. Um disparate
já é uma coisa grave e ser total ainda é pior. O curioso é que
Elísio Summavielle, o homem que Soares escolheu para ficar no lugar
de Lamas, aparece a dizer que concorda com a lógica do projecto para
o eixo Belém-Ajuda, tendo aliás sido “das primeiras pessoas a
defender uma maior articulação das instituições daquela zona”.
Se até chama a si
os louros da ideia, então por que é que correram com o senhor
anterior que a estava a executar? Elísio Summavielle diz que o
anterior presidente do CCB queria fazer um “centralização
pesada”, enquanto ele defende uma “coordenação muito mais
leve”. Afinal, a ideia não é “um disparate total”, e a
divergência é apenas uma questão de peso.
Para não parecer
que Lamas saiu só por birra de João Soares ou ficar a ideia de que
Summavielle terá sido escolhido pelas suas filiações partidárias
ou maçónicas, o comunicado do Conselho de Ministros justifica a
extinção da estrutura de missão do eixo Belém-Ajuda com uma razão
objectiva: “O não envolvimento no projecto da Câmara Municipal de
Lisboa.” Sendo melhor do que o argumento do “disparate total”,
é estranho que o próprio Lamas tenha dito ao PÚBLICO que ele e a
sua equipa se reuniram diversas vezes com vários vereadores e
técnicos da autarquia. Mais estranho é que, na própria
apresentação do projecto feita no ano passado, Lamas tenha
sublinhado que “é fundamental o papel da Câmara Municipal de
Lisboa”. Sem querer tomar as dores do senhor Lamas, também é
verdade que já em 2013, num artigo de opinião aqui no PÚBLICO,
Lamas escrevia que, “apesar de a Câmara Municipal de Lisboa só
gerir na zona o Padrão dos Descobrimentos, o seu envolvimento na
gestão do conjunto das várias unidades patrimoniais de Belém (...)
é fundamental”.
Aqui chegados, qual
é a estratégia alternativa que Soares e Summavielle têm para o
CCB? Summavielle responde: “Tenho um mapa na cabeça para Belém,
mas falta construir o trilho, é preciso trabalhar nele.” OK, já é
um começo. E quais são as prioridades? Summavielle diz que é
“inverter a perda de importância na cena artística e a redução
de públicos”. Como fará isso? O novo homem-forte do CCB responde:
“As prioridades não as defini ainda porque não conheço as coisas
por dentro.” OK.
Esta resposta faz-me
lembrar uma outra, a do novo secretário de Estado do Desporto que
esta semana deu uma entrevista ao PÚBLICO. A páginas tantas, e
depois de o jornalista o confrontar com as críticas da sua falta de
experiência na área que vai tutelar, é-lhe feita a seguinte
pergunta: “Anunciou que o Governo está empenhado em dar origem a
uma ‘nova agenda para o desporto nacional’. Quer especificar?”
Ao que João Wengorovius Meneses responde: “Eu próprio ainda não
sei e aquilo que fiz foi definir um método para chegar à resposta
(...).”
No caso do CCB, o
método foi correr com Lamas e a estratégia também logo se há-de
arranjar. Entretanto, no meio desta polémica, o Bloco de Esquerda
veio sensatamente lamentar que não tivesse sido feito um concurso
para escolher o novo presidente do CCB, defendendo que “aos
equipamentos culturais devem ser associados planos estratégicos e
realizados concursos públicos para os cargos de direcção”. Ao
DN, Elísio Summavielle contesta a ideia bloquista dos concursos,
dizendo o seguinte: “Essas ideias são politicamente correctas, mas
politicamente iníquas. Acho que há um grande concurso público que
são as eleições e os resultados obtidos. Sou funcionário público
há 35 anos e tenho as maiores reservas aos concursos públicos.”
A lógica de
Summavielle, se bem a entendo, é que quem ganha eleições tem a
legitimidade de fazer nomeações sem necessidade de fazer concursos
públicos. Usando esta mesma lógica, então como o PS perdeu as
eleições e como o Bloco não o apoia neste tema, existirá tal
legitimidade?
Gabriela Canavilhas,
entretanto, saiu em defesa do Governo, classificando como “estranhas
e despropositas” as críticas da direita sobre este tema, dizendo
que o anterior Governo foi campeão na "capturação do Estado”,
exemplificando com o caso da Cresap, “que foi transformado num
órgão de sancionamento das nomeações políticas”.
Canavilhas escolheu
um mau exemplo. A Cresap, com todos os defeitos que ainda tem, foi
uma grande conquista para a democracia portuguesa, e permitiu não
acabar mas pelo menos refrear os jobs for the boys, a instrumentação
e a partidarização da coisa pública. É preferível ser sancionado
por uma Cresap do que por algum tipo de amiguismo, compadrio ou
organização secreta. Se os governantes lhe dessem ainda mais poder
e aumentassem ainda mais o seu âmbito de actuação (passando, por
exemplo, a poder dar os pareceres às nomeações nas fundações de
utilidade pública de direito privado, como a do CCB), a Cresap
ajudaria a passar uma grande esfregona na máquina do Estado.
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