Catarina
Portas faz parceria para tentar salvar histórica Casa Alves
Alexandra Prado Coelho /
12-3-2016 / PÚBLICO
O novo proprietário
do edifício da velha mercearia de Alfama deu à família Alves “até
meados de Julho” para sair. Empresária critica descaracterização
da cidade, de que é exemplo o novo McDonald’s no Chiado
Preocupada com o
anunciado desaparecimento de mais uma mercearia histórica, Catarina
Portas propôs aos proprietários da Casa Alves, na Rua São João da
Praça, n.º 112, em Alfama, Lisboa, uma parceria com a sua loja, que
passa por colocar na velhinha mercearia, nascida em 1957, produtos de
A Vida Portuguesa à consignação.
DR
Trata-se, explicou
Catarina Portas num post no Facebook (o PÚBLICO tentou contactá-la,
mas a empresária encontrava-se em viagem), de “uma escolha de
produtos que possam completar a oferta [da Casa Alves], atraindo os
estrangeiros que se estão a instalar no bairro [...] sem nunca
desvirtuar o espírito de mercearia”. A ideia é, com este apoio,
tentar perceber se a Casa Alves “consegue facturar o suficiente
para poder pagar uma nova renda actualizada (e, claro, certamente
influenciada pela pressão turística)”.
Catarina conta que,
no dia 1 de Março, uma equipa d’A Vida Portuguesa se instalou
durante a tarde e parte da noite na mercearia “e, entre caixotes e
escadotes, arrumou, arrumou, arrumou”. Assim, durante os próximos
três meses vai ser possível comprar produtos d’A Vida Portuguesa,
para além dos habituais da Casa Alves. É o tempo necessário para
“perceber se esta ideia funciona e para sensibilizar os senhorios”.
Para já,
passaram-se apenas dez dias, mas, disse ao PÚBLICO José Luís
Alves, o proprietário, já se nota alguma mudança. “As pessoas
passam na rua, vêem os produtos e, como são coisas nacionais, como
as conservas, puxam mais pelo interesse”, explica, confirmando que
tem vendido um pouco mais.
Os problemas da
mercearia de Alfama começaram há já algum tempo, em grande parte
por causa da concorrência da grande distribuição, explica a
empresária no Facebook. “E, à medida que Alfama foi perdendo
habitantes, os fregueses foram diminuindo ao mesmo ritmo que as
prateleiras se foram esvaziando”. Hoje é “a última mercearia da
rua” graças, escreve Catarina Portas, ao sr. Zé Luís que, com a
ajuda da filha Carina, “nunca desistiu”.
José Luís conta
que a casa está na família há perto de 60 anos, primeiro com o seu
pai e depois com ele há já três décadas. No entanto, sabe que é
muito mais antiga. “Ainda tenho aqui um recibo com a data de 1917,
do proprietário anterior, que depois passou a loja ao meu pai”. As
coisas começaram a tornar-se mais difíceis “com a crise, como
aconteceu com toda a gente”.
Mas o golpe fatal
surgiu com a venda do prédio e a decisão do novo senhorio de fazer
obras profundas e, ao abrigo da nova lei das rendas, enviar uma ordem
de despejo. “O novo proprietário deu-nos até meados de Julho para
sairmos”, conta José Luís, explicando que não lhes foi
apresentada nenhuma alternativa.
Foi nessa altura que
Catarina conheceu Carina Alves, que lhe contou a história e disse
que muitos turistas entravam na mercearia “mas apenas para tirar
fotografias, por vezes lá compravam uma Pasta Couto ou um pacote de
bolachas”. Dessa conversa surgiu a ideia de tentar uma parceria com
A Vida Portuguesa. “Não sei como é que isto vai terminar”, diz
José Luís Alves quando lhe perguntamos quais são as suas
expectativas. “Mas vou fazer o que for possível. Quero que a loja
se mantenha.”
Para Catarina
Portas, esta é uma forma de ajudar Lisboa a “provar ao mundo
inteiro que é possível resistir a algum comércio e turismo globais
que tudo trituram para tornar todas as cidades uma amálgama sem
interesse, descaracterizada”. E sublinha: “Esta causa tem vindo a
tornar-se central na minha vida”.
Tem a convicção de
que “Lisboa pode ser uma cidade extraordinária com história,
identidade, diferença, carácter, diversidade”. Daí a recente
indignação, também através do Facebook, com o anúncio da
abertura de mais um McDonald’s no centro do Chiado, em frente à
Brasileira.
Catarina Portas, que
é membro do conselho consultivo do programa da Câmara Municipal de
Lisboa Lojas com História, diz não compreender a forma como se está
a deixar desaparecer muitas lojas históricas. Em Fevereiro do ano
passado, a autarquia anunciou o programa para a projecção das Lojas
com História com o qual, disse na altura a então vereadora da
Economia e Inovação, Graça Fonseca, se pretendia estancar a
“sangria” do encerramento de espaços antigos. No entanto,
admitiu também a agora secretária de Estado, a câmara tem “limites
de intervenção muito mais fortes do que as pessoas julgam”, não
podendo, por exemplo, impedir que um McDonald’s se instale num
destes espaços.
No seu post,
Catarina explica que quando alguma publicação destinada a turistas
lhe pedir sugestões sobre locais em Lisboa, gostaria de sugerir, por
exemplo, o “Restaurante Palmeira (fechou em Novembro para dar lugar
a um projecto de alojamento turístico)”, a Mercearia Alves ou a
Loja da Fábrica de Sant’Anna “em processo de despejo para dar
lugar a um hotel”, mas o mais provável é ter que mandá-los para
“o McDonald’s do Chiado ou o Starbucks da estação do Rossio”.
No ano passado, por
iniciativa do Fórum Cidadania Lx, nasceu o Círculo de Lojas de
Carácter e Tradição de Lisboa, que integra várias lojas e que tem
por objectivo travar o desaparecimento destes espaços e revitalizar
o comércio tradicional.
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