Depois
de Miguel e Paulo, haverá espaço para mais um Portas na política?
Catarina diz nim
CARLOS VAZ MARQUES
(Entrevista)
27/03/2016 –
PÚBLICO
Preocupada
com o rumo da situação a nível autárquico, Catarina Portas admite
que tem havido quem lhe fale na possibilidade de uma candidatura à
Câmara de Lisboa. Encolhe os ombros e diz que “só se o panorama
fosse absolutamente assustador”.
( … ) A
possibilidade de dar um passo em frente já lhe ocorreu?
Não sei. Tenho
muito que fazer n’A Vida Portuguesa.
Isso é um não?
Há quem brinque
comigo – pessoas que conheço e pessoas que não conheço – e me
fale dessa possibilidade. Não é um objectivo meu, de todo. Agora,
não sei quem vão ser os candidatos à câmara, e preocupa-me quem
serão. Há outro aspecto: a eleição do Rui Moreira, no Porto, veio
provar que os presidentes de câmara das grandes cidades podem ser
independentes. Isso é uma coisa extremamente positiva.
Já se percebeu que
uma candidatura autárquica não é uma prioridade sua, mas é uma
possibilidade?
Só se o panorama
fosse absolutamente assustador é que eu podia considerar essa
hipótese.
Descreva-me o que
seria para si um panorama absolutamente assustador.
A cidade está num
momento muito crítico, e espero que o próximo executivo da Câmara
siga um caminho mais interessante do que aquele que está a ser
seguido.
Está desiludida com
Fernando Medina?
Estou muito
desiludida, estou. Fui apoiante de António Costa no primeiro mandato
e acho que foi um bom mandato. Assisti de perto a duas coisas: uma
foram os quiosques, com o vereador Sá Fernandes. Por outro lado,
abri uma loja no Intendente, renovado pela câmara. A câmara não é
a minha senhoria, mas abri ali uma loja e assisti de perto a um
processo que estava a ser muitíssimo bem conduzido. Tenho alguma
pena de que no dia a seguir às eleições tudo isso tenha sido
abandonado.
Refere-se às
eleições que deram o segundo mandato a António Costa?
Sim. Quando o
António Costa deixou de estar no seu gabinete no Intendente e passou
para a câmara. O que é natural, tinha de o fazer. Mas de alguma
forma a atenção da câmara esmoreceu muito. Foi imediatamente
desfeito o GABIP (Grupo de Apoio ao Bairro de Intervenção
Prioritária), o gabinete que tinha sido criado para aquela
renovação. Quando se faz um investimento público tão grande como
o que se fez no Intendente, depois tem de se continuar. A gestão de
uma câmara não é só macro: é uma gestão macro e uma gestão
micro. E é preciso que as duas avancem em simultâneo, senão
geram-se desequilíbrios grandes.
O que é que mudou
desde que Fernando Medina substituiu António Costa?
Mudaram várias
coisas que não têm a ver com Fernando Medina. O turismo em Lisboa
não tem a ver com o Fernando Medina. Tem a ver com vários factores,
como as low cost. E tem a ver com todo um trabalho feito pelo
anterior Governo e pelo secretário de Estado do Turismo, que foi
bastante hábil e inteligente.
O secretário de
Estado Adolfo Mesquita Nunes.
Sim, ele fez um bom
lugar. E tem a ver obviamente com uma cidade que António Costa
tornou muito atractiva. Não tenho nenhuma dúvida sobre isso. É uma
cidade que agora sai à rua. Há dez anos, Lisboa quase não tinha
esplanadas. Quando tive a ideia dos quiosques, tinha essa vontade.
Como não tenho carro e não guio, ando muito a pé. Estava sempre a
esbarrar com aqueles quiosques fechados. Às tantas pus-me a
investigar porque é que estavam fechados, de onde é que vinham. Fui
desvendando toda uma história. Fui à procura do tipo de coisas que
vendiam, e fiz um exercício: ok, como é que se podia trazer isto
para os dias de hoje em vez de mandar tudo para o ferro-velho? O
espaço público melhorou imenso com o António Costa.
Já se arrependeu de
ter apoiado Costa nas primárias do PS?
Não, de todo.
Costa não teria
saído da câmara se não tivesse conquistado a liderança do PS.
É um facto, mas ele
também está a fazer coisas importantes pelo país. Ter juntado as
esquerdas... tiro-lhe o chapéu. Agora, tenho pena que ele não tenha
deixado uma herança com maior qualidade na câmara. A qualidade
média desceu muito.
A qualidade da
vereação?
Sim.
E a da presidência?
Do executivo. Era um
executivo mais equilibrado no tempo de António Costa. Neste momento,
existe uma grande preponderância do urbanismo, que é obviamente um
sector crucial. Mas nesta questão do turismo, o urbanismo tem feito
opções que não são as mais interessantes. Sobretudo, não são as
mais inteligentes a longo prazo.
A eleição do Rui
Moreira, no Porto, veio provar que os presidentes de câmara das
grandes cidades podem ser independentes. Isso é uma coisa
extremamente positiva.
Quando dizia há
pouco que só poria a hipótese de ter uma participação política
activa se o panorama fosse absolutamente desastroso, e situando-se na
área do PS, posso concluir que se está a referir a quem venha a ser
o candidato socialista?
Presumo que o
candidato do PS seja o Fernando Medina.
E isso será
desastroso, do seu ponto de vista?
Não tenho nada
contra o Fernando Medina pessoalmente, mas enquanto lisboeta faz-me
alguma impressão ouvir o presidente da câmara, perante a febre
turística que Lisboa conhece neste momento. Ouço por exemplo donos
de hotéis, associações de hotelaria portuguesa a dizerem: "Estamos
a chegar a um limite.” E depois ouço o presidente da câmara:
“Nunca ninguém me ouvirá dizer que é preciso pôr limites ao
turismo.”
Sente isso como um
erro político?
Absolutamente.
Estamos todos fartos de saber o que o turismo faz hoje em dia. Hoje,
o turismo não é o mesmo que há 20 anos. Veneza tinha 400 mil
habitantes há dez anos, hoje tem 40 mil. É isto que se está a
passar. O Airbnb é um fenómeno muito recente, mas é um fenómeno
avassalador.
Vê o turismo como
um fenómeno predador?
Pode não ser
predador, mas é preciso ter alguns cuidados, porque neste momento
ele é massificado, é extremamente agressivo. No meio disto vem um
óptimo turismo, mas também vem um turismo complicado. Pergunto-me
se faz sentido investir milhões num terminal de cruzeiros. Já me
dei ao trabalho de passar um dia inteiro na saída de um cruzeiro a
ver turistas a sair e a entrar. Até levei para lá uma banquinha.
Para tentar vender?
Sim, sim. Metade
deles não sai do barco. Os que saem são metidos em camionetas que
vão a Sintra e voltam. Quem lucra são as camionetas. Normalmente,
esses programas são pagos dentro do barco, portanto as camionetas
também só lucram uma parte. E depois vejo voltar os turistas.
Muitos vêm almoçar ao barco, porque o almoço está incluído no
preço, nem sequer deixam o dinheiro desse almoço na cidade. Quando
muito, alguns chegam com uns sacos da Zara e da Seaside, e percebi
que tinham ido para o Colombo fazer compras. Ainda para mais, os
cruzeiros hoje em dia são bairros inteiros. Aquela paisagem linda de
Alfama até ao rio vai passar a ter à frente um edifício permanente
de oito andares. É um edifício aquático mas é um edifício. Vale
a pena comprometermos isto? Justifica o dinheiro que cá fica deste
tipo de turistas?
Isso requer decisões
políticas; não basta deixar o mercado a funcionar?
Há muitas coisas
que são decisões políticas. Uma das decisões da Câmara de
Barcelona, quando este novo executivo tomou posse…
O executivo do
Podemos.
A Ada Colau
[presidente de Câmara de Barcelona] dirigia uma associação que era
contra os despejos provocados pela falta de pagamento das prestações
das casas. Neste momento, acho que na Câmara de Barcelona há uma
coligação de vários partidos.
Sim, apoiada
maioritariamente no Podemos.
Sim. O que eles
fizeram foi suspender, renegociar com o Airbnb uma série de coisas,
e tomar ali algumas decisões. O turismo é extremamente voraz hoje
em dia. Há que ter algum cuidado. Não vejo a câmara [de Lisboa] a
ter esse cuidado. Não estou ao corrente de todas as posições da
câmara, mas acho que ela própria também devia falar um bocadinho
mais sobre isso. Seria pedagógico para a cidade.
Defende um papel
mais interveniente do Estado?
O Estado às vezes
tem de regular algumas situações. Sou pela iniciativa privada,
tenho o meu negociozito, mas em alguns casos, quando se chega a
situações como aquela em que estamos hoje, acho que é preciso
regulamentar algumas coisas.
Sem comentários:
Enviar um comentário