Promotor
da torre de Picoas confessa “pecado” de obras ilegais e pede
decisão rápida
INÊS BOAVENTURA
11/03/2016 – PÚBLICO
A
confissão foi feita numa visita de deputados da Assembleia Municipal
de Lisboa à obra. Cidadãos Por Lisboa e Bloco de Esquerda pedem à
câmara “equidade” e uma prova de que “o crime não compensa”.
A confissão foi
feita em pleno estaleiro da torre de 17 andares em Picoas, perante um
conjunto de deputados da Assembleia Municipal de Lisboa. Aí, tendo
como cenário de fundo as estacas que foram construídas ilegalmente
em terreno municipal, o responsável pela obra admitiu o “pecado”,
pediu, “com toda a humildade”, que haja uma decisão rápida
sobre o assunto e sustentou que ela não deve passar pela
inutilização do que já foi feito porque isso seria “estragar
dinheiro”.
José Almeida
Guerra, que se apresentou como gestor de projecto da obra, falava
assim aos deputados municipais da comissão de Finanças, Património
e Recursos Humanos e da de Ordenamento do Território, Urbanismo e
Reabilitação Urbana, que têm vindo a analisar este processo e que
esta quinta-feira realizaram uma visita ao local, por sugestão do
PCP.
Na última sessão
da assembleia municipal em que o assunto foi discutido, o vereador do
Urbanismo reconheceu que, tal como tinha já sido denunciado pelo BE,
o promotor da obra cravou estacas num terreno da câmara e garantiu
que seria aberto um processo contra-ordenacional. A desafectação do
domínio público desse terreno, com vista à sua posterior cedência
ao promotor em questão, foi já proposta e aprovada pela câmara mas
carece ainda de aprovação da assembleia municipal.
“O que aqui está
feito foi um erro nosso. Assumimos que adiantámos os trabalhos”,
admitiu agora Almeida Guerra, reconhecendo ter cometido “um
pecado”. “Se acharem que prejudica a cidade curvo-me perante a
vossa decisão”, acrescentou o director geral da empresa
Rockbuilding, momentos depois de ter apelado aos deputados municipais
para que tomassem uma decisão “depressa”, porque a obra está
“parada”.
A decisão de que o
gestor de projecto fala está nas mãos da assembleia municipal e
passa por saber se esta aceitará ou não a proposta da câmara de
promover a desafectação do domínio público de duas parcelas de
terreno: uma com 168,60 m2 e frente para a Avenida 5 de Outubro e
outra com 42,15 m2 e frente para a Avenida Fontes Pereira de Melo. É
em torno de última que o debate tem sido feito, uma vez que foi nela
que se detectou a realização de trabalhos ilegais.
A alternativa, que o
vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, já admitiu ser “viável”,
passa por o promotor construir uma nova estrutura, no interior do seu
lote, para suportar o edifício a construir.
Em nome do dono da
obra, Almeida Guerra mostrou-se contra essa última hipótese, com o
argumento de que abandonar as estacas parcialmente já feitas e
construir uma nova estrutura seria gastar “dinheiro que não se
justifica”. “Se vamos estragar, entre aspas, dinheiro do lado de
cá, mais vale aproveitarmos para uma coisa mais útil”, disse,
defendendo que seria “melhor aproveitar” a verba que custaria a
referida estrutura em “qualquer outra obra que a assembleia
municipal entendesse”.
Na visita ao
estaleiro, o bloquista Ricardo Robles procurou saber em que momento
deste polémico processo é que se percebeu que a construção do
edifício implicaria a ultrapassagem dos limites do terreno do
privado e quais foram os passos seguintes, mas as respostas que
obteve não foram claras. “Não dei a importância que neste
momento está em cima da mesa. No fundo eram trocas de bocadinhos.
Era sempre o conjunto que se articulava”, respondeu a arquitecta
Patrícia Barbas, sublinhando que o promotor vai “dar um triângulo”
à Casa Museu dr. Anastácio Gonçalves para que esta possa abrir uma
nova entrada do museu.
“As permutas não
vêm só por uma vontade. Não são um capricho do projecto”,
referiu ainda a arquitecta, que foi, juntamente com Diogo Seixas
Lopes, a autora da torre. Aos deputados, Patrícia Barbas destacou
ainda que “43% do lote” vai ser “para usufruto público”,
considerando que aquilo que aqui se fez não foi apenas “desenhar
um edifício”, mas sim “desenhar um pouco da cidade”.
Muito crítica de
todo este processo é a posição dos deputados municipais dos
Cidadãos Por Lisboa. Na visita à obra, Miguel Graça vincou que a
câmara deve tratar “todos os que fazem operações urbanística na
cidade” com “equidade” e mostrou-se contra a possibilidade de o
promotor avançar para o domínio público municipal. “Era abrirmos
uma porta, um caminho que esta assembleia tem que pensar muito bem”,
afirmou.
Ao PÚBLICO, Miguel
Graça explicou que é essa a posição que os deputados dos Cidadãos
Por Lisboa vão defender numa reunião com Manuel Salgado que já
está agendada, mas reservou uma “posição final” para depois do
encontro. Até lá, o autarca diz que “o promotor deve recuar”
para os limites do seu terreno, por acreditar que de outra forma
estar-se-ia “a abrir uma caixa de Pandora”.
Já o BE afirma que
a câmara tem aqui uma oportunidade para “dar um sinal à cidade de
que o crime não compensa”. “Não há nenhuma tentação
persecutória, de penalizar só porque o empreiteiro se portou mal”,
garante Ricardo Robles, falando antes num “sinal importante” para
os promotores, no sentido de estes perceberem que “não vale
construir fora dos lotes”.
Nesta visita,
Patrícia Barbas transmitiu ainda aos deputados que a solução
encontrada para a empena cega com mais de 20 metros que irá ficar à
vista na Avenida Fontes Pereira de Melo passa por cobri-la com
trepadeiras.
Respostas
de Salgado aos deputados municipais contrariam respostas dadas ao
PÚBLICO
JOSÉ ANTÓNIO
CEREJO 11/03/2016 - PÚBLICO
A
viabilização pela Câmara de Lisboa de uma torre de 17 andares em
Picoas está cada vez mais envolta em decisões mal explicadas.
As declarações
proferidas a 1 de Março pelo vereador Manuel Salgado na Assembleia
Municipal sobre a execução de trabalhos fora do lote particular da
Torre de Picoas contrariam aquilo que o seu gabinete disse ao PÚBLICO
no dia 26 de Novembro. Mas contrariam também o teor de um despacho
do director municpal de Urbanismo.
Em resposta ao
deputado municipal Ricardo Robles (BE), o vereador do Urbanismo
garantiu então que os seus serviços deram indicação ao dono da
obra, a empresa Edifício 41, para parar os trabalhos ao longo da Av.
Fontes Pereira de Melo depois de terem detectado, a 2 de Dezembro,
que aí estavam a ser feitas obras em terreno municipal. Manuel
Salgado adiantou que nas várias acções de fiscalização feitas no
local antes daquela data “não foi possível” aos fiscais
camarários detectar e confirmar a infracção.
A infracção em
causa, explicou Salgado, consistiu na realização de obras não
autorizadas em terreno municipal, incluindo a cravação de estacas
numa faixa de 40 centímetros situada por baixo do passeio da Fontes
Pereira de Melo. Por isso mesmo, afirmou, foi instaurado um processo
de contra-ordenação contra o dono da obra, apesar de este ter
suspendido de imediato os trabalhos nessa zona. E apesar destes serem
susceptíveis de ser legalizados logo que a assembleia municipal
aprove as permutas através das quais aquela faixa de terreno será
incluída no lote particular.
Manuel Salgado
considerou que o dono da obra “andou mal, muito mal” ao sair dos
limites do seu lote. “Esta situação importa a legalização [da
obra já feita] e a penalização do dono da obra (...) não podemos
admitir que situações destas se repitam”, enfatizou.
Contrariamente às críticas à Edifício 41 (do grupo ECS), o
autarca elogiou o comportamento dos seus serviços. “Andaram bem os
serviços e o director municipal [de Urbanismo] quando no seu
despacho de 17 de Agosto de 2015 autorizou os trabalhos de escavação
limitados ao lote particular e que os trabalhos [fora] do lote só
poderiam ocorrer quando devidamente autorizados, o que não
aconteceu”, assegurou, conforme se ouve na gravação disponível
no site da assembleia.
Sucede que em
reposta a uma pergunta do PÚBLICO sobre se tinham sido autorizadas
obras no subsolo de espaços municipais, o gabinete de Salgado
respondeu a 26 de Novembro, seis dias antes de os fiscais detectarem
as obras ilegais: “(...) foi autorizada a ocupação do espaço
público necessário para parte das escavações.” E logo a seguir
acrescentou que “não irá haver quaisquer fundações ou paredes
de contenção em áreas que permanecerão no domínio publico”.
Desta resposta
depreende-se que, afinal, as obras que o vereador disse na assembleia
estarem a ser feitas sem autorização tinham sido autorizadas, no
pressuposto, ainda não aprovado pela assembleia municipal, de que
elas se tornariam, futuramente, propriedade do particular, deixando
de pertencer ao domínio público.
À contradição
entre a declaração do vereador e a resposta dada ao PÚBLICO em
Novembro parece acrescer uma outra entre o que Salgado afirmou sobre
o despacho de Jorge Catarino de 17 de Agosto e aquilo que o director
municipal então escreveu. Ao contrário do que o autarca afirmou, o
director não autorizou os trabalhos fora do lote particular apenas
“quando devidamente autorizados”.
O que o director
municipal escreveu foi isto: “Defiro com a seguinte condição: o
início dos trabalhos fora da área do terreno particular só poderá
ocorrer com a aprovação do processo de ocupação da via pública,
actualmente em apreciação, e plano de desvio de tráfego.”
Condição imposta
não é a que lei exige
O importante aqui é
que a condição imposta não é a da prévia transmissão da parcela
municipal ao promotor depois da sua aprovação pela assembleia
municipal, como a lei manda e sem a qual os trabalhos não podiam ser
“devidamente autorizados”, mas é a da aprovação do processo de
ocupação da via pública.
Ora a câmara
aprovou para aquele local uma licença de ocupação da via pública
para colocação de tapumes e ocupação de passeios cinco meses
antes, em Maio de 2015, por forma a viabilizar a demolição dos
edifícios que ali existiam. Essa licença, apesar da demolição ter
sido concluída durante o Verão, tem sido objecto de prorrogações
sucessivas, uma das quais deferida a 1 de Outubro, muito antes da
suposta infracção, com o objectivo de manter a segurança “em
todo o perímetro do lote em questão aquando dos trabalhos de
escavação a decorrer”.
Sendo certo que o
despacho de 17 de Agosto condicionava as escavações fora do terreno
particular à aprovação da ocupação da via pública, parece
legítimo concluir que, pelo menos a partir de 1 de Outubro, esses
trabalhos estavam autorizados.
Não é esse o
entendimento expresso pelo gabinete de Manuel Salgado depois de
confrontado com as contradições existentes entre as afirmações do
vereador, as respostas dadas ao PÚBLICO em Novembro e o teor do
despacho de Jorge Catarino.
“A possibilidade
de intervenção fora dos limites do lote tem de ser objecto de uma
autorização específica que ocorrerá quando estiverem reunidas as
condições para tal, isto é, após a transmissão dos terrenos para
o promotor”, respondeu a câmara na semana passada. O despacho do
director, todavia, não faz qualquer refrência a esta condição.
Quanto ao facto de a
câmara ter dito em Novembro que “foi aprovada a ocupação do
espaço público necessário para parte das escavações”, a
explicação agora dada ainda é menos esclarecedora. “Na maioria
das obras a câmara autoriza a ocupação do espaço público para
estaleiro. Contudo, quando as caves do futuro edifício alinham com o
plano marginal acontece ser necessário escavar fora do limite do
lote. Com a conclusão da obra é reposto e refeito o passeio
afectado”, responde o gabinete do vereador, através do
Departamento de Comunicação.
De acordo com
técnicos conhecedores do processo, no entanto, a autorização dada
pela câmara para a realização de escavações antes de a
construção do novo edifício ser licenciada nem sequer respeita
várias normas regulamentares. Isto porque essa autorização só
deveria ser dada depois de o dono da obra ser proprietário de toda a
área em que ela vai ser erguida, adquirindo assim a legitimidade
para iniciar os trabalhos.
Outros entendem
mesmo que a proposta de licenciamento da obra não tem em conta as
exigências do Plano Director Municipal, uma vez que tem origem num
pedido de informação prévia que, tal como as análises técnicas
posteriores, foi aprovado sem ter em consideração a articulação
do futuro edifício com a sua envolvente.
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