MARCELO REBELO DE
SOUSA
José
Manuel Fernandes: “Um equívoco e dois erros. E um alerta?”
OBSERVADOR /
28-3-2016
Não precisamos de
um Presidente que nos fale como "professor" ou incapaz de
se afastar do registo do "comentador". Mas ainda precisamos
menos de um Presidente que transmita ilusões e mensagens erradas
O Presidente da
República entendeu inovar e fazer uma comunicação ao país para
justificar a promulgação do Orçamento do Estado. Escrevo
Presidente com uma dúvida: quem me pareceu ver sentado naquela mesa
no Palácio de Belém não foi o chefe de Estado, mas o “professor”,
pelo tom adoptado e pelo cuidado em explicar os diferentes passos por
que passa a elaboração de Orçamento. Pareceu-me mesmo ver ali o
comentador, que foi apresentando os prós e contras do Orçamento,
mas sem nunca se comprometer. Muito, pouco ou nada.
Devo dizer que não
fiquei demasiado surpreendido: Marcelo não gosta, nunca gostou de se
comprometer. Por isso nunca disse, por exemplo, se achava que este
era o melhor Orçamento possível – disse apenas que era o que
resultava de um compromisso entre a maioria existente no Parlamento e
as instituições europeias. Disse que o Orçamento implicava riscos,
mas não se pronunciou sobre eles – isto é, não alertou para os
reais perigos que temos cá dentro, só falou das incertezas que
temos vinda lá de fora.
Para um comentador,
foi uma prestação normal. Para um professor, uma lição sem ondas.
Para um Presidente foi muito curto, mesmo tentando descortinar
eventuais mensagens mais sibilinas.
Se Marcelo Rebelo de
Sousa entendia ser importante falar aos portugueses, devia ter sido
por ter alguma coisa importante para lhes dizer. Não tinha. Uma
opção difícil ou controversa para explicar. Também não tinha,
pois ninguém esperava que não promulgasse o Orçamento. A
comunicação teve, por isso, muito mais de equívoco do que de
“inovação”.
Mesmo assim Marcelo
transmitiu duas mensagens erradas. E tão perigosas como condenáveis.
A primeira foi a
insistência na ideia, falsa, de que existe uma espécie de
contradição entre a necessidade de rigor nas contas públicas e
políticas de crescimento e emprego. É uma ideia errada, uma ideia
que durante muitos anos nem sequer o Partido Socialista subscrevia,
pelo menos no discurso. É exactamente o contrário: temos problemas
de crescimento e problemas de desemprego porque temos um Estado e uma
economia excessivamente endividadas, e temo-las porque durante muitas
décadas não houve rigor nem contenção na gestão das contas
públicas e nas mensagens enviadas aos agentes económicos privados,
assim como às famílias.
A segunda mensagem
errada foi a de que o sucesso de uma política orçamental que aposta
no aumento do consumo não depende do rigor na execução orçamental:
depende de um milagre, já que foram muitos anos de muito consumo que
nos levaram quase à bancarrota sem nunca proporcionarem crescimento
económico que se visse. As empresas portuguesas não necessitam de
políticas de estímulo ao consumo das famílias – necessitam de
reformas que contribuam para aumentar a sua competitividade, reformas
que ou foram interrompidas ou foram revertidas com este Orçamento.
Não é preciso esperar pelo “Plano Nacional de Reformas” para
saber que se começou a fazer marcha atrás com o OE agora
promulgado: Portugal volta a divergir da Europa por opção própria,
por cedência à agenda dos partidos que apoiam o Governo.
É neste quadro que
os alertas para a necessidade de o Governo e a administração
pública serem rigorosos na aplicação do Orçamento – no fundo o
único sinal dado pelo Presidente de que não acredita muito na
exequibilidade do documento que acabara de promulgar – são alertas
algo pífios. Pior: vieram acompanhados por algo que o comentador
devia saber ser uma mentira: a ideia de que agora já não vivemos em
campanha eleitoral. Vivemos. Basta ver os outdoors que os partidos
que apoiam o Governo andam a espalhar pelo país. Assim como bastaria
ter visto os noticiários de hoje e assistir ao extraordinário (e
surreal) momento de campanha eleitoral que representou a ida do
primeiro-ministro à Sociedade Histórica da Independência de
Portugal onde, na presença do herdeiro do trono de Portugal, se foi
congratular pela reposição de quatro feriados nacionais.
Não tenhamos pois
ilusões: o ambiente de campanha eleitoral não acabou, a actual
maioria conhece a sua própria fragilidade e por isso não governará
como em tempos normais – aliás é ela que mais pensa em eleições,
não a direita, que nada teria a ganhar com esse cenário a curto
prazo, ao contrário do que muitos sugerem.
Não sei se seria
nisso que Marcelo pensava quando, depois de se dirigir ao país, foi
passear por entre os buxos dos jardins do Palácio. Era bom que
fosse, mas não creio.
José Manuel
Fernandes é publisher do Observador
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